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Ruídos de veículos e som automotivo.

Da infração de trânsito ao crime de poluição sonora

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22/06/2006 às 00:00
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IV – DA POLUIÇÃO SONORA.

Conforme indicação da Organização Mundial da Saúde (OMS), ruídos acima de 70 decibéis podem causar danos à saúde e acima de 85 decibéis começa a danificar o mecanismo que permite a audição.

A Lei Estadual 11.520/00 (Código Estadual do Meio Ambiente – Rio Grande do Sul), no capítulo XIII, no seu artigo 227, dispõe:

Art. 227 – Consideram-se prejudiciais à saúde e ao sossego público os níveis de sons e ruídos superiores aos estabelecidos pelas normas municipais e estaduais ou, na ausência destas, pelas normas vigentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), sem prejuízo da aplicação das normas dos órgãos federais de trânsito e fiscalização do trabalho, quando couber, aplicando-se sempre as mais restritivas.

Em relação à denominada poluição sonora, podem ser consideradas as fontes de emissão (fonte que provém o ruído) ou as fontes de imissão (local onde os ruídos provocam seus efeitos) para se verificar a potencialidade de danos à saúde humana ou ao meio ambiente.

As leis federais 6.938/81 e 9.605/98 detêm normas que identificam as condutas relacionadas com a denominada poluição sonora, mas não existindo nenhuma definição singularizada sob o aspecto de poluição sonora.

No âmbito dos Crimes Ambientais, expressa o artigo 54 da Lei 9.605/98 :

Art. 54. causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Se o crime é culposo:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

A existência da poluição sonora pode ocasionar sérios riscos à saúde humana e ao meio ambiente, devendo existir uma fiscalização dos órgãos competentes para combater a poluição sonora e a perturbação à segurança e ao sossego público, em especial aos problemas relativos aos níveis excessivos de ruídos que ocasionam a poluição ambiental.

Tentando identificar um conceito para poluição sonora, José de Sena Pereira Jr., entende como sendo "a emissão de sons e ruídos em níveis que causam incômodos às pessoas e animais e que prejudica, assim, a saúde e as atividades humanas, enquadra-se perfeitamente no conceito de poluição legalmente aceito no Brasil, o qual é, também, de consenso no meio técnico." (PEREIRA JR. 2002, p. 04)

Num aspecto mais singular, no combate à poluição sonora, a proteção jurídica do meio ambiente e da saúde humana é regulada pela já citada Resolução do CONAMA 001, de 08 de março de 1990, que considera um problema os níveis excessivos de ruídos bem como a deterioração da qualidade de vida causada pela poluição.

Também referente ao assunto da poluição sonora, a Res. 02/90 do CONAMA, as resoluções citadas utilizam os padrões estabelecidos pela ABNT (NBR 10.151 e 10.152)

Na lei 6.938/81, inciso III, existe o conceito legal de poluição :

a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Tal inexistência de conduta específica para a poluição sonora resulta em entendimento, por parte majoritária da doutrina que trata dos Crimes Ambientais, de que a intensidade do nível de ruído deve resultar ou ter a possibilidade de resultar danos à saúde humana e, ao menos, potencial para causar danos à coletividade.

Aqui também se tem por base as NBR 10.151 e NBR 10.152, quando não existir norma técnica específica, como no caso dos ruídos emitidos por veículo em aceleração, regulado pela NBR 84.333.

Mas a simples sobreposição destes níveis não denota a caracterização da poluição sonora, em relação aos equipamentos de som em veículos automotores ou usados em habitações, conforme algumas decisões judiciais:

HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO SONORA. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. O art. 54, caput, da Lei nº 9605/98, diz respeito ao meio ambiente, não guardando qualquer relação com a poluição sonora decorrente do uso abusivo de instrumentos musicais. Ordem concedida para trancar a ação penal. HC 70010073849. 4ª Câmara criminal. Relator José Eugênio Tedesco.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. VEÍCULOS PUBLICITÁRIOS IRREGULARES E CLANDESTINOS. DEFERIMENTO DE CAUTELA AMPLA E DETERMINÁVEL, SEM INDICAÇÃO DOS APARELHOS IRREGULARES. AGRAVO PROCEDENTE. 1. A PROTEÇÃO AMBIENTAL, TEMA DE ALTA RELEVÂNCIA E MOTIVO DE PREOCUPAÇÃO DE MUITOS PAÍSES, NÃO PODE SER FATOR DE INJUSTIÇAS E DE DANOS IRREPARÁVEIS A PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS E VIOLAR GARANTIAS FUNDAMENTAIS, PROTEGIDAS PELA LEI MAIOR, COMO O DIREITO DE PROPRIEDADE. O DITO DIREITO AMBIENTAL DEVE, COMO QUALQUER OUTRO RAMO DO DIREITO, SUBMETER-SE AOS COMANDOS DO DIREITO CONSTITUCIONAL. 2. O DEFERIMENTO DE CAUTELA AMPLA, COM PEDIDO DETERMINÁVEL, PRÓPRIO DAS ACOES COLETIVAS, ENSEJA ARBITRIO PRÓPRIO DE AGENTES DO PODER PÚBLICO, ENQUANTO A CONDUTA DO ADMINISTRADOR PÚBLICO DEVE, PARA SER LEGÍTIMA E SALUTAR, PAUTAR-SE DENTRO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (CF, ART-37). 3. PRELIMINAR DE INADMISSIBILIDADE DO AGRAVO REJEITADA. RECURSO PROVIDO

(Agravo de Instrumento Nº 597043553, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Celeste Vicente Rovani, Julgado em 11/06/1997)

Portanto, dentro do aspecto da poluição sonora ocasionada por veículos, seja por equipamentos ou aparelhagem de som, verifica-se ainda não existir um pacífico entendimento entre a configuração da poluição sonora e a contravenção penal da perturbação do sossego público.

O mais apropriado é verificar cada fato dentro do contexto viário e confrontar os seguintes aspectos:

Um, da quantidade e duração da emissão de ruídos, que pode ser adotado o índice da NBR 10.152 ou legislação pertinente (Municipal), sendo que, por se tratar de veículo automotor e de ocorrência isolada, deve-se considerar a quantidade de decibéis e o período de tempo de exposição/emissão que possam ensejar ao aparelho auditivo humano possível prejuízo ou perda significativa ou colocando em perigo a saúde humana.


V – DAS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS E JUDICIAIS PARA SUSTAR A EMISSÃO IRREGULAR DE RUÍDOS.

No âmbito do Código de Trânsito Brasileiro, a infração do artigo 227 é de natureza leve, com a penalidade de multa (podendo existir a substituição da penalidade de multa pela de advertência por escrito, na forma do art. 267, do Código de Trânsito Brasileiro), com o cadastramento de 03 pontos no Renach do infrator (condutor).

No artigo 228, a infração é de natureza grave (05 pontos no Renach do infrator – condutor), com penalidade de multa e medida administrativa de retenção do veículo, devendo ser observado o artigo 270, do Código de Trânsito Brasileiro. Ocorre que tal artigo ainda não se encontra regulamentado e a autuação está fadada a não-homologação da autoridade de trânsito competente ou, existindo incorretamente a homologação, passível de defesa administrativa ou judicial.

Já no artigo 229, mesmo sendo uma infração de natureza média (04 pontos no Renach do infrator), existe previsão de dupla penalidade, ou seja, a de multa e a de apreensão do veículo, o que gera certa incongruência em relação ao artigo anterior (em especial pelo princípio da proporcionalidade e razoabilidade das penalidades). Também está prevista a medida administrativa de remoção do veículo, que deve ser adotada na forma do artigo 271 do Código de Trânsito Brasileiro.

Já na seara das contravenções penais, o autor do fato que pratique a contravenção de perturbar o trabalho ou o sossego alheio, na forma do inciso III, pode receber uma pena de prisão simples de 15 dias a 03 meses ou multa. O procedimento é pelo juizado especial criminal e, em caso bem raro de ocorrer, não aceite eventual composição civil (art. 74 da Lei 9.099/95), não aceite a transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95), bem como não tenha sua pena substituída (art. 44 do Código Penal) ou suspensa (art. 11 da LCP) ou recebido o livramento condicional (art. 11, fine, da LCP), recebendo a pena privativa de liberdade e não a de multa, começaria a cumprir a pena no regime semi-aberto ou aberto, sem caracterizar a reincidência em eventual crime posterior.

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Entretanto, existindo a configuração do tipo penal do artigo 54, da lei 9.605/98, que no caso de emissão de ruídos ou sons de veículos, a forma culposa é a mais comum, mas, dependendo do caso concreto, não impossibilita a conduta dolosa (direta ou indireta), na qual o delito enseja maior repressão estatal.

A forma culposa deste crime prevê pena de detenção de 06 (seis) meses até (01) ano e multa, que ensejaria processamento pelo Juizado Especial Criminal, com a confecção de termo circunstanciado, quando ocorrer o flagrante e apreensão dos instrumentos do crime, ou seja, do próprio veículo quando de equipamentos que dependam do veículo para funcionarem ou dos acessórios que são os instrumentos do delito ambiental (aparelhagem de som, alto-falantes), permanecendo à disposição do Juízo criminal até a decisão final, podendo ocorrer a perda dos equipamentos.

Este aspecto (do confisco dos instrumentos do crime) ventila indagações mais profundas, passando este ensaio à margem deste propósito. Entretanto, cabe expressar que, embora a apreensão dos instrumentos do crime e a perda (confisco) sejam institutos jurídicos diversos no nosso ordenamento penal básico, a lei ambiental dá o mesmo tratamento, i.é., não apresenta dualidade dos institutos.

A apreensão, de uma forma geral, está regulamentada pelo artigo 118 do CPP, in verbis:

Art. 118. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.

Mas nesta área específica, dos delitos ambientais, a apreensão e o confisco dos instrumentos estão regulados nos artigo 25 e 72, IV, da Lei 9.605/98, bem como pelo decreto 3.179/99, no seu artigo 2º, § 6º.


VI – CONCLUSÃO.

O presente ensaio abordou alguns aspectos jurídicos referentes à emissão de ruídos e sons, relacionados com a utilização de equipamentos ou aparelhagem nos veículos, verificando as formas de combate desde as infrações administrativas tipificadas nos artigos 227, 228 e 229 do Código de Trânsito Brasileiro, com ventilação sucinta pelos art. 42, III, da Lei de Contravenções Penais e o art. 54 da Lei 9.605/98 (crime de poluição).

Do todo, percebe-se que o bem jurídico maior visado em todas as legislações citadas é a saúde humana, passando pela segurança viária, pelo sossego do trabalho e descanso e pelo essencial direito do meio ambiente equilibrado.

Entretanto, dentro do contexto vivido nos centros urbanos, é notório o aumento de condutas a ensejar as infrações de trânsito descritas até a caracterização da poluição sonora, colocando em perigo a qualidade de vida proclamada pelas diversas normas citadas neste ensaio, e demonstram a necessidade de uma atuação mais efetiva dos órgãos fiscalizadores para o respeito aos direitos dos cidadãos e do meio ambiente.


VII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ABREU, Waldyr de. Código de Trânsito Brasileiro. 1998. Ed. Saraiva, São Paulo.

MITIDIERO, Nei Pires. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 2005. Ed. Forense, 2ª ed. Rio de Janeiro.

PEREIRA JR., José de Sena. Legislação federal sobre poluição sonora urbana. 2002. Nota técnica. Consultoria legislativa. Câmara dos Deputados. Brasil.

RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 1998. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo.


NOTAS

01 Conforme se denota de interpretação teleológica do Código de Trânsito Brasileiro, a via terrestre pode ser pública, abertas à circulação ou privada.

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Sobre o autor
Juliano Viali dos Santos

assessor jurídico do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul em Caxias do Sul (RS), especialista em Direito de Trânsito pela Fundação Irmão José Otão e PUC/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Juliano Viali. Ruídos de veículos e som automotivo.: Da infração de trânsito ao crime de poluição sonora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1086, 22 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8556. Acesso em: 27 abr. 2024.

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