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Trabalho cativo infanto-juvenil na Amazônia agrária paraense

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01/06/2005 às 00:00
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho cativo infanto-juvenil configura-se como "invisível" quando se considera a fase inicial do regime de trabalho em questão, isto é, a fase de arregimentação. Invisível, porque o objetivo do "gato" é, de fato, recrutar trabalhadores adultos. Ocorre que os filhos dos trabalhadores rurais são enredados pelo ciclo do trabalho cativo por dívida, porque seus pais acreditam que ao trabalhar com mais afinco e dedicação, o "saldo" está garantido.

No entanto, se a invisibilidade do trabalho infanto-juvenil está presente no início desse processo de trabalho, ele ganha uma enorme visibilidade na fazenda, do ponto de vista do aumento da produção. Paradoxo instigante: as crianças e adolescentes trabalham como adultos, mas não são sequer remunerados. Como frisei o "serviço" foi acertado com seus pais e o trabalho dos filhos dos trabalhadores rurais fica imerso em uma zona de penumbra. Ademais, o endividamento crescente e permanente, não permite que seus pais "saldem". A dívida, com efeito, é o elemento nuclear e fundante da relação de trabalho.

Um mal-estar, então, instala-se na sociedade brasileira. O regime de trabalho cativo por dívida não conhece limites: é possível, sim, em nome do lucro e do aumento do capital, colocar em xeque um sentimento de infância construído historicamente.


Referências Bibliográficas

ESTERCI, Neide. Conflito no Araguaia: Peões e Posseiros contra a Grande Empresa. Petrópolis: Vozes, 1987.

FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando Fora da Própria Sombra: a Escravidão por Dívida. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGSA, 2003.

MARTINS, José de Souza. Fronteira: a Degradação do Outro nos Confins do Humano. São Paulo: Hucitec, 1997.

__________. A Sociedade vista do Abismo: Novos Estudos sobre Exclusão, Pobreza e Classes Sociais. São Paulo: Vozes, 2002.

MEILLASSOUX, Claude. Antropologia da Escravidão – o ventre de ferro e dinheiro. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de janeiro: Zahar, 1995.

Fontes Documentais

Processo VTI-CA 226/2003. Justiça do Trabalho da 8ª Região. Vara do Trabalho de Conceição do Araguaia em caráter itinerante. Arquivo pessoal.

Processo 91.002500-3. Justiça Federal da 1ª Região – Estado do Pará. Ação penal proposta pelo Ministério Público Federal em 07.11.1991. Arquivo da CPT / Norte II, Belém/PA.

Processo VTI-CA 227/2003. Justiça do Trabalho da 8ª Região. Vara do Trabalho de Conceição do Araguaia em caráter itinerante. Arquivo pessoal.

Ação Civil Coletiva n.° 063/2003. Ministério Público do Trabalho - Procuradoria Regional do Trabalho da 8ª Região. Denunciada: Fazenda Vale do Rio Fresco. Procurador: Lóris Rocha Pereira Jr.

Ação Civil Pública n.° 57/2000. Ministério Público do Trabalho - Procuradoria Regional do Trabalho da 8ª Região. Denunciada: Fazenda Boca Quente (Miguel Vieira Messias). Procurador: Lóris Rocha, redistribuído ao Procurador Hideraldo Machado.

Relatório de Fiscalização no Estado do Pará (Fazendas: "Lagoa das Antas", "Rio Vermelho", "Qualiglato", "Colorado", outros. Período de 23.08 a 02.09.1996. Arquivo: Delegacia Regional do Trabalho da 8ª Região, Belém/PA, sem página (s.p).

"O Liberal", 17. 10. 2002, caderno "atualidades". " Libertadas 180 pessoas mantidas como escravos numa fazenda em Dom Eliseu".

"O Liberal", 26.05.2004, caderno "atualidades". "Vinte trabalhadores são libertados em Tailândia".


Notas

1 É proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos (Constituição Federal de 1988, art. 7º, inciso XXXIII).

2 São os setores principais de ocorrência do trabalho escravo, conforme dados da Comissão Pastoral da Terra (BRETON, 2002: 223): a) pecuária: 49 %; b) desmatamento: 25 %.

3 Processo VTI/CA 226/2003, autuado em 19.02.2003 na Justiça do Trabalho – 8ª Região, Vara do Trabalho de Conceição do Araguaia em caráter itinerante.

4 Depoimentos prestados ao Procurador do Trabalho Hilderaldo Luiz de Sousa Machado em 18.02.03 durante ação fiscal empreendida pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

5 A Norma Regulamentadora (NR) 31 de Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aqüicultura, no item 31.10.1, determina: "O empregador rural ou equiparado deve adotar princípios ergonômicos que visem a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar melhorias nas condições de conforto e segurança".

6 Cf. ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

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Sobre o autor
Ed Carlos de Sousa Guimarães

Mestre em Direito (UFPA), Especialista em Direito Ambiental e Políticas Públicas (UFPA) e Graduando em Ciências Sociais (UFPA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Ed Carlos Sousa. Trabalho cativo infanto-juvenil na Amazônia agrária paraense. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6795. Acesso em: 27 abr. 2024.

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