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O Direito Penal Econômico como Direito Penal da Empresa.

O dualismo jurídico-criminal: "societas delinquere non potest" vs. "societas delinquere potest"

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08/03/2005 às 00:00
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1.3 A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos direitos: interno e internacional

No direito interno – Aqui se faz referência minúscula às previsões de responsabilidade penal da pessoa jurídica tanto no direito pátrio quanto em alguns outros direitos estrangeiros, envolvendo as legislações de admissibilidade e não-admissibilidade dos sistemas romano-germânico e da common law. A intenção única aqui, é como já dita, de fazer referência apenas, sem um caráter de profundidade nas diversas legislações e doutrinas estrangeiras. Partindo, portanto, das previsões presentes no direito pátrio. (33)

Tal imputação de responsabilidade aparece como novidade no diploma constitucional pátrio, apenas recentemente a Constituição da República Federativa do Brasil, em algumas passagens abre a perspectiva para a responsabilização penal dos entes coletivos (arts. 173, §§ 4º e 5º, e 225, §3º). Aponta-se uma verdadeira celeuma no direito pátrio quanto ao tema, "muita controvérsia na doutrina nacional existe sobre a questão no âmbito constitucional. Alguns entendem que continua a vigorar o princípio ‘societas delinquere non potest’, não revogado, mas ratificado pela Constituição de 1988. Outros, ao contrário, sustentam que efetivamente a mais recente Carta brasileira desejou inovar e adequar-se à tendência universal no sentido de responsabilizar penalmente a Pessoa Jurídica". (34) No âmbito infra-constitucional, pode-se apontar diversas previsões desde os anos sessenta até os anos noventa do século XX e início do novo milênio: Lei nº 4.335/64, Lei nº 4.595/64, art. 73, §2º da Lei nº 4.728/65, Lei nº 4.729/65, Lei nº 8.884/94, Lei nº 8.974/95 (culpabilidade), Lei nº 9.100/95 (pessoa jurídica – pena), art. 3º, da Lei nº 9.605/98 (pessoa jurídica), art. 2º, §9º do Decreto nº 3.179/99 (pessoa jurídica), art. 32, da Lei nº 9.841/99 (pessoa jurídica), Lei nº 10.303/01 (mercado financeiro), art. 83, do Decreto nº 4.074/02 (pessoa jurídica), Lei nº 10.409/02 (cooperação internacional).

No âmbito da doutrina se pode dizer da existência de uma polaridade doutrinária de entendimento favorável e contrário a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Posicionam-se contrariamente: BASILEU GARCIA, JAIR LEONARDO LOPES, MANUEL PEDRO PIMENTAL. MIGUEL REALE JÚNIOR, JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI, JUAREZ TAVARES, LUIZ REGIS PRADO, RODRIGO SÁNCHEZ RIOS, ANTONIO DE QUEIROZ FILHO, LUIS LUISI, FABRINI MIRABETI, JOÃO JOSÉ LEAL, SHEILA JORGE SALLES, VICENTE GRECO FILHO, RENE ARIEL DOTTI, CELSO DELMANTO, ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA, LUIZ VICENTE CERNICCHIARO etc. E, favoravelmente: JOÃO MARCELO DE ARAÚJO JÚNIOR, MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, MÁRCIA DOMETILA LIMA DE CARVALHO, SÉRGIO SALOMÃO SCHECAIRA, SILVIA CAPPELI, ANTÔNIO EVARISTO DE MORAES FILHO, JOSÉ AFONSO DA SILVA, PINTO FERREIRA, IVETE SENISE FERREIRA, GILBERTO PASSOS DE FREITAS, CELSO RIBEIRO BASTOS, PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR, ÉDIS MILARÉ etc.

Sobre a previsão de criminalização das condutas contra o meio ambiente, praticadas tanto por pessoas físicas quanto jurídicas, REGIS PRADO leciona que "intenta-se romper, assim, pela vez primeira, o clássico axioma do societas delinquere non potest. Não ontante, em rigor, diante da configuração do ordenamento jurídico brasileiro – em especial do subsistema penal – e dos princípios constitucionais penais que o regem (v.g., princípios da personalidade das penas, da culpabilidade,, da intervenção mínima etc.) e que são reafirmados pela vigência daquele, fica extremamente difícil não admitir a inconstitucionalidade desse artigo, exemplo claro de responsabilidade penal por fato alheio. Influenciado, de certa forma, pelo sistema anglo-americano, em que essa forma de responsabilidade é normalmente admitida, teve, contudo, o legislador pátrio, nitidamente, como fonte de inspiração o modelo francês". (35) No mesmo sentido, comentando as disposições da Magna Carta, CEZAR BITENCOURT vai dizer que "no Brasil, a obscura previsão do art. 225, §3º, da Constituição Federal, relativamente ao meio ambiente, tem levado alguns penalistas a sustentarem, equivocadamente, que a Carta Magna consagrou a responsabilidade penal da pessoa jurídica. No entanto, a responsabilidade penal ainda se encontra limitada à responsabilidade subjetiva e individual (...). Para combater a tese de que a Constituição consagrou a responsabilidade penal da pessoa jurídica, trazemos à colação o disposto no seu art. 173, §5º, que, ao regular a Ordem Econômica e Financeira, dispões: ‘A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade individual desta, sujeitando-a às punições compatíveis coma a sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia em particular’. Dessa previsão pode-se tirar as seguintes conclusões: 1º. A responsabilidade pessoal dos dirigentes não se confunde com a responsabilidade da pessoa jurídica; 2º. A Constituição não dotou a pessoa jurídica de responsabilidade penal. Ao contrário, condicionou a sua responsabilidade à aplicação de sanções compatíveis com a sua natureza. Enfim, a responsabilidade penal continua a ser pessoa (art. 5º, XLV). Por isso, quando se identificar e se puder individualizar quem são os autores físicos dos fatos praticados em nome de uma pessoa jurídica, tidos como criminosos, aí sim deverão ser responsabilizados penalmente". (36)

Posicionamento contrário adota MÁRCIA DOMETILA quando afirma que "a atual Constituição, sensível ao problema e louvando-se em legislações de outros países, como Holanda e Portugal, por exemplo, onde a realidade do crime empresarial foi devidamente enfrentada, dispôs, no §5º do seu artigo 173, que: ‘A leis, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com a sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular’. E mais adiante, no seu §3º do artigo 225, que: ‘As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados’". (37) Acompanhando o pensamento supra comentando os referidos dispositivos, o saudoso professor ARAÚJO JÚNIOR afirma que "a nosso juízo, não há dúvida de que a Constituição estabeleceu a responsabilidade penal da pessoa jurídica, como aliás José Henrique Pierangeli reconheceu expressamente. A opinião do querido amigo e ilustre professor paulista evoluiu, como ele próprio manifestou durante o Seminário ‘O Advogado e a Constituição Federal". (38)

No direito internacional – A responsabilidade penal das pessoas jurídicas é discussão atual no Direito Penal Econômico e, principalmente, nos espaços comunitários, de uma economia marcada por um processo de globalização, que quer significar um novo momento de poder planetário. (39) O que fez RUIZ VADILLO escrever que, "El hecho central conforme a éstos Estudios me parece que puede quedar así resumido: el considerable aumento de la actividad económica de los Estados miembros del Consejo de Europa y del mundo entero y el desarrollo de las relaciones económicas internacionales da lugar, con frecuencia, a la comisión de infracciones penales. A su vez, esta criminalidad lesiona a un gran número de personas (asociados, accionistas, empleados, empresas concurrentes, clientes, acreedores a la comunidad en su conjunto, incluso al Estado que debe suportar graves cargas o sufrir importantes pérdidas de sus ingresos); agravia a la economia nacional y/o internacional y causa una cierta pérdida de confianza en el sistema económico mismo". (40)

E como expoente da construção desse espaço comunitário a União Européia apresenta uma diversidade de previsões quanto ao tema tratado. O estudo da responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito dos diversos Estados-membros da União Européia apresenta suas particularidades. Diz SILVINA BACIGALUPO que se pode "constatar a presença de diferentes culturas jurídicas sem que seja possível dar uma única resposta em relação a esta questão. Neste sentido, encontra-se – por um lado – com países cujos ordenamentos jurídicos respondem a cultura jurídica continental européia e, portanto, não contém uma regulação genérica sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Por outro lado, se encontram os países com tradição anglo-saxão, em cujos ordenamentos jurídicos admite-se a responsabilidade das pessoas jurídicas" (41).

Na Alemanha o princípio da culpabilidade opera como imperativo constitucional, o que quer significar, que não é aceita a responsabilidade penal das pessoas jurídicas (42). Existe uma semelhança inegável com o ordenamento jurídico espanhol, principalmente, a partir das previsões legislativas inseridas no novo Código Penal espanhol de 1995. O que é possível na Alemanha, é uma responsabilização da pessoa jurídica em matéria de infração administrativa, que ocasiona a estipulação de uma sanção de caráter econômico-administrativo mediante o recolhimento de multa. Realiza-se uma punição econômico-administrativa quando diante de um comportamento antijurídico, não se fazendo necessário uma apuração da culpa, com a peculiar característica de que o procedimento acusatório é regido pela Administração Pública e não pelo Ministério Público, com a determinação do princípio da oportunidade em substituição ao princípio da legalidade. "Existindo a Lei de Contravenções ou Infrações Administrativas (art. 30, 1968), que recebeu modificação pela Lei de Criminalidade Econômica (Wikg 2., 1986), com uma responsabilidade direta com as pessoas jurídicas" (43). Ponto interessante é o de que se por um lado nem o Código vigente, nem o Direito Penal alemão como um todo, conhecem penas que possam ser aplicadas às empresas, nem por isso deixam de ser sujeitas de alguma medida restritiva especial como confisco dos ganhos obtidos com o delito, assim como, a perda dos producta et instrumenta sceleris (§§ 73 e 74 do Código Penal Alemão). (44)

Idêntico é o ordenamento jurídico italiano, que não admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, demonstrando que o único sujeito passível de sanção penal é a pessoa física. A previsão é de longa data, desde a Constituição de 1948, art. 27, §1º, colocando como obstáculo principal o reconhecimento do princípio da culpabilidade, no §3º do mesmo dispositivo. Por outro lado, a Itália vem demonstrando uma significativa evolução legislativa no âmbito administrativo, para uma responsabilização da pessoa jurídica, com a Lei nº 689/1981, art. 6º, inc. III, estabelecendo a responsabilidade solidária. E mais recentemente, com a Lei nº 300/2000, art. 11, ratificando a Convenção sobre a tutela dos interesses financeiros da Comunidade Européia. Ocorre que, com o advento da Lei nº 300, de 29 de setembro de 2000, através da qual a Itália ratificou aquele protocolo (dentre outros atos internacionais), lei esta regulamentada pelo Decreto Legislativo nº 231, de 8 de junho de 2001, a responsabilidade administrativa da pessoa jurídica já encontra-se disciplinada no sistema jurídico italiano. Com a ratificação deste protocolo, optou o legislador italiano por estender o âmbito de infrações penais pelas quais poderiam ser responsabilizadas, administrativamente, as pessoas jurídicas. Assim, em seu artigo 11, a Lei nº 300, de 29 de setembro de 2000, determina a responsabilidade da pessoa jurídica pelo cometimento de crimes contra a Administração e o Patrimônio (letra a), contra a incolumidade pública (letra b), contra a higiene e saúde no trabalho (letra c) e contra o meio ambiente (letra d). A lei em questão tratou dos pontos mais importantes da nova responsabilidade (termos da responsabilidade e seus requisitos, causas de exclusão, garantias penais e processuais penais, sanções, medidas cautelares, prescrição e competência) e delegou ao Executivo a disciplina detalhada da matéria. Daí o advento do Decreto Legislativo nº 231, de 8 de junho de 2001. (45)

O direito português não se afasta do reconhecimento do princípio da culpabilidade como imperativo constitucional, assim está presente na Constituição de Portugal (arts. 1º, 5º e 13). E o Código Penal português estabelece a responsabilidade individual (art. 11). Existindo, ainda, o Decreto-Lei nº 433/1982, art. 7º, idêntico a lei alemã de contravenções, estabelecendo uma responsabilidade pessoal coletiva ou equiparada, com a estipulação de multas administrativas (art. 17.3). No entanto, o próprio artigo 11 do Código Penal português admite exceção para uma responsabilidade penal das pessoas jurídicas. "Ao lado de uma responsabilidade quase penal, o Código Penal portugês consagrou no seu art. 11 a responsabilidade individual, no entanto, na parte final deste dispositivo, permitiu através do emprego da expressão ‘salvo disposição em contrário’ que a legislação infraconstitucional dispusesse acerca de outras formas de responsabilidade penal diferentes da individual, tais como, coletiva, a objetiva e o que nos interessa neste estudo, a responsabilidade penal da pessoa jurídica" (46) A norma do art. 11 do antigo Código Penal foi mantida pelo, também, art. 11, do atual Código, de 15.03.95, que entrou em vigor em 1º de outubro do mesmo ano, que assim estatui: "Art. 11º (caráter pessoal da responsabilidade). Salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal". (47)

Para que esteja configurado um caso de responsabilidade penal da pessoa jurídica, é necessário que o comportamento do agente do ente coletivo atue em representação e nos limites desta representação. Assim é que o preâmbulo do r. decreto-lei, exige sempre uma conexão entre o comportamento do agente – pessoa singular – e o ente coletivo, já àquele deve atuar em representação ou em nome deste e no interesse coletivo. E tal responsabilidade se tem por excluída quando o agente tiver atuado contra ordens expressas da pessoa coletiva. O Dec.-lei nº 28/84 somente afasta a responsabilidade penal do ente coletivo se a pessoa física tiver agido exclusivamente em seu próprio interesse, sem qualquer conexão com os interesses da pessoa jurídica. É, portanto, diferente da atuação além dos poderes do mandato, pois que abrange também a atuação no interesse coletivo e os parcialmente em interesse do agente. A responsabilidade é excluída quando o agente atuar contra ordens ou instruções expressas de quem de direito (art. 3º., 2). (48)

No continente europeu, provavelmente, não existe uma previsão de responsabilidade penal das pessoas jurídicas mais antiga do que a existente no Reino Unido. O dominante é a idéia da pessoa jurídica como sujeito passível de sanção penal. "A necessidade de intervenção de uma pessoa natural para levar a cabo ações em nome de uma empresa se remonta ao Criminal Justice Act de 1925 que recorre ao seu art. 33, para tal possibilidade. Por outro lado, os tribunais também têm sido sempre favoráveis a admitir a vicarious liability da empresa por atos cometidos por seus empregados ou por seus agentes do mesmo modo que se admite a responsabilidade da pessoa física". (49) No sentido esboçado, pode-se apontar como a mais significativa contribuição, a elaboração da Teoria da Identificação, que consiste no reconhecimento de que toda empresa funciona mediante a presença de uma pessoa física que atua e controla de forma direta as atividades exteriorizadas pela empresa. A responsabilidade penal nasce em função dos atos relacionados com a esfera de atividade específica da empresa. A exteriorização desta responsabilidade penal se dá no âmbito do Direito Penal Econômico ou dos tipos de regulação das atividades empresariais. Além da extensa recepção à responsabilidade penal da pessoa jurídica pelo direito anglo-saxão e pela própria jurisprudência, "dita responsabilidade se encontra presente em numerosas leis. Um dos exemplos mais recentes é a Lei Natural Heritage (Scotland) Acto 1991 (c. 28) (27.6.1991). Trata-se aqui de uma lei sobra a proteção do meio ambiente e a natureza". (50)

O Direito Penal dinamarquês (51) não traz nenhuma previsão de responsabilidade penal da pessoa jurídica, admitindo, apenas, a responsabilidade das pessoas físicas. A responsabilidade das pessoas coletivas está presente na legislação extravagante, com previsão de aplicação de pena de multa. Assim, é na Lei 358/1991 – Lei de Proteção ao Meio Ambiente. No entanto, tem-se "admitido a possibilidade de responsabilidade penal do Estado na Lei de Seguridade e Saúde no Trabalho (Safety and Health at Work Act). Todas as regulações têm encontrado um marco preciso, com a introdução desde 1996 de disposições gerais no Código Penal (Cap. 5º), em que admite-se a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos expressamente previstos (art. 25). Tais disposições se encontram em leis especiais e não no Código Penal. A sanção é direcionada para empresas com um único dono e com um número entre 10 e 20 empregados, diante da sua atividade empresarial (art. 26), quando da prática de um ato doloso ou culposo por um empregado. O Estado ou Município, como pessoa de direito público, só podem ser penalmente responsabilizados, quando de ato não correspondente às atividades de exercício do poder público". (52)

Provavelmente a Holanda (ao lado da Inglaterra), seja o país que tem de ser tomado para estudo da responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois determina a regência de seu direito pelo princípio societas delinquere potest. Assim é a determinação vigente no Código Penal holandês, em seu art. 51, que admite a prática de condutas delituosas tanto por pessoas físicas quanto jurídicas. A responsabilidade penal da pessoa jurídica ocorre no direito holandês desde a edição da Lei de Delitos Econômicos de 1950, que sofreu sua reforma em 1976, com a incorporação do art. 15, que permitia a responsabilidade direta das pessoas jurídicas, ou de sociedade, ou de associação, etc.. A lei de 1976 teve seu art. 15 derrogado, porém, seu conteúdo fora transportado para o art. 51 do Código Penal holandês, que teve sua vigência a partir de 1976, determinando o cometimento de delitos tanto por pessoas físicas como jurídicas.

Estipula-se como condição para imputar o injusto à pessoa jurídica, a situação real de uma ou diversas pessoas físicas terem atuado em nome e na esfera de atividade da pessoa jurídica. O posicionamento dominante na doutrina holandesa é o de que a imputação do injusto só é possível diante da comprovação de que a pessoa jurídica detinha o poder de dispor sobre o comportamento punível e aceitou tal comportamento, é a caracterização do chamado critério de poder e critério de aceitação. O posicionamento de SILVINA BACIGALUPO é no sentido de que a jurisprudência e a doutrina consideram, ademais, que a decisão de um órgão da empresa não é suficiente para fundamentar a autoria da pessoa jurídica. Pelo contrário, resulta suficiente que o ato seja realizado dentro do contexto social, como uma ação da pessoa jurídica. O que quer significar, uma limitação da esfera de atuação empresarial da pessoa jurídica.

A autora sustenta que a interpretação mais apurada do art. 51, é a de que este estabelece pautas mínimas de requisitos de imputação de um injusto à pessoa jurídica. Pois, a jurisprudência tem estabelecido alguns critérios adicionais como, por exemplo, a conhecida sentença do Tribunal de Haya (sentença de 13.02.1988, NJ 1989, 707), admitindo a autoria de uma pessoa jurídica porque as ações de seu empresário tinham em conta o tráfico societário como uma ação própria da pessoa jurídica e, ademais, esta era a que obtinha indiscutivelmente os benefícios daquela ação. Na Holanda, tem-se também o reconhecimento, pela jurisprudência, da responsabilidade penal das pessoas jurídicas de Direito Público, com previsão na Constituição do Estado. Porém, um fator de particular interesse no direito holandês é a ausência de previsão quanto ao estabelecimento de sanções administrativas às pessoas jurídicas. No entanto, existe o posicionamento doutrinário de que existe competência para tal, como se pode interpretar da legislação tributária.

A jurisprudência tem firmado posicionamento no sentido de que é possível estabelecer sanções às pessoas jurídicas, tanto por um delito penal como por uma infração administrativa. Um outro fator interessante, é o de que o recém Código Geral de Direito Administrativo holandês, não estabelece distinção entre pessoas física e jurídica, como sujeitos passíveis de infrações administrativas.

O direito belga é regido pelo brocardo societas delinquere non potest, sed non potest. O que quer significar, que se exclui a possibilidade ou capacidade de delinqüir, assim como, a aplicação de sanção à pessoa jurídica. Um fator interessante é a aplicação de sanções administrativas tanto às pessoas jurídicas quanto físicas. No entanto, mesmo com a vigência do referido princípio, encontra-se no direito belga a previsão da pessoa jurídica como sujeito passível de sanção. Quanto a responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que existe é uma divisão na doutrina belga, enquanto a doutrina tradicional sustenta idéia do mencionado princípio, com a argumentação da incapacidade (por parte da pessoa jurídica) do elemento moral do delito, o dolo ou a culpa, por total ausência de culpabilidade. Por outro lado, uma doutrina moderna que procura fundamento para o exercício de tal responsabilidade, no entanto, procurando por uma sanção penal de adaptação para as pessoas jurídicas, que no seu entendimento seria a pena de multa, com previsão no art. 40 do Código Penal belga. Existindo parte da doutrina que propugna por uma aplicação de pena de proibição de contratar com estrangeiro, ou de assinar certos tipos de contrato, ou, ainda, o estabelecimento de uma cláusula temporal ou definitiva. Por outro lado, a Corte de Cassação da Bélgica, tem mantido os julgados no sentido de ratificação do princípio societas delinquere non potest, que é uma regra estampada no Código Penal belga de 1867, baseado fundamentalmente sobre a responsabilidade individual. Com fundamento nos princípios da individualização da pena e da culpabilidade. (53) RIBEIRO LOPES fazendo uso dos ensinamentos de SALOMÃO SHECAIRA e ARAÚJO JÚNIOR vai dizer que, "existem leis penais recentes que reconhecem, nitidamente, que os entes coletivos podem delinqüir, fazendo, porém, a despeito desse reconhecimento, recair a punição sobre a pessoa natural que atuou pela empresa (...). A Comissão de Reforma do Código Penal belga, diversamente da lei em vigor, orienta-se no sentido de instituir a responsabilidade penal das pessoas morais, daí o Projeto de Lei de 1993, em tudo semelhante ao que se continha no Projeto de Código francês". (54)

A tradição no direito francês inaugurada com a Revolução é a de uma responsabilidade individual, mesmo impregnada pelo passado medieval da responsabilidade coletiva. (55) Com o término da Segunda Guerra Mundial, começaram a surgir as leis especiais que mandavam punir a pessoa jurídica. A primeira delas, de 5 de maio de 1945, que punia as empresas jornalísticas culpadas de colaboração com o inimigo. Em 1974, com a instalação da Comissão de Reforma do Código Penal, várias leis foram editadas estabelecendo a responsabilidade penal da pessoa jurídica, tais como a lei de defesa do consumido (1978). (56) O anterior Código Penal francês não continha nenhuma disposição vedando ou permitindo a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Assim, a legislação poderia dispor sabre casos de responsabilidade penal da pessoa jurídica. Foi o que acabou ocorrendo em relação aos delitos econômicos. A reforma francesa recolhe plenamente a responsabilidade das pessoas jurídicas. (57) Antes mesmo da entrada em vigência do atual Código Penal francês, a Lei nº 1336/1992 denominada de adaptação alterou diversos textos legais os tornando compatíveis com o Código Penal. Também o Decreto nº 726/1993 contém regras atinentes à execução das penas aplicáveis aos entes coletivos. A partir de 1º de março de 1994, com a entrada em vigor do atual Código Penal, a França juntou-se ao rol dos países que, expressamente, admitem a responsabilidade penal das pessoas morais. (58) As previsões constam dos artigos 121-2 e 121-4 a 121-7.

A previsão é de punição (ar. 121-2), seja na qualidade de autora ou participe, seja por ação ou omissão, sempre que houver uma previsão pela legislação extravagante, e que tenha sido a conduta praticada por um órgão ou representante da pessoa jurídica, e em seu benefício. "Neste sentido, também se encontra submetidas ao Direito Penal francês e, portanto, são puníveis de acordo com o estabelecido em art. 121-2, as pessoas jurídicas estrangeiras. É conseqüência direta do reconhecimento do princípio de territorialidade presente no art. 113-2". (59)

A previsão é de que quaisquer pessoas jurídicas podem ser passíveis de responsabilidade penal, incluindo as pessoas de direito público, com a exceção do Estado. Neste diapasão, estão excluídas da responsabilidade penal, as pessoas de direito privado que se encontrem em constituição, assim como as pessoas jurídicas constituídas não serão responsáveis por atos de seus fundadores quando da fase de constituição. São, também, excluídas as pessoas que se encontram em fase de liquidação, segundo o art. 133-1, com a liquidação se extingue a sanção penal. No entanto, tendo sido aplicada pena de multa antes da liquidação, esta deverá ser recolhida. A doutrina francesa, ainda, discute a responsabilidade penal das pessoas jurídicas de direito público, por entender uma ausência de previsão para as mesmas, só estando presente tal responsabilidade, para as pessoas de direito privado. Por outro lado, o art. 121-2 faz referência a previsão legal, para a imputação de tal responsabilidade. Ou seja, o fundamento deve estar presente em uma lei especial, o que significa uma atenção ao princípio da especialidade. Havendo, também, uma negação ao princípio da igualdade entre pessoas jurídica e física.

No Direito Penal espanhol prevalece o princípio delinquere non potest, assim reza a doutrina majoritária espanhola, no entanto, desde a elaboração do Projeto de Código Penal de 1994, procurou-se introduzir algumas penas, que também, se reproduziu no Projeto de Código Penal de 1995. "Dada a impossibilidade que segundo nossa doutrina dominante existe para a aplicação de penas as pessoas jurídicas em nosso direito vigente, esta epígrafe não pode deixar de assombrar e merece ser ressaltado que o legislador introduziu no nosso Código Penal uma pena, dirigida expressamente, a pessoa jurídica. Em seu suposto tipo contido no art. 262 (sobre alterações de preços em concursos e licitações públicas), impõe-se a empresa ‘a pena de inabilitação especial que compreende, em todo caso, o direito a contratar com as Administrações Públicas por um período de 3 a 5 anos’. Esta proibição de realizar determinados negócios, como é a contratação com uma Administração Pública, tem sido conhecida como uma pena de inabilitação" (60).

SILVINA BACIGALUPO, ainda, faz uma interpretação da previsão estampada no art. 33.2, do Código Penal de 1995, que menciona: são penas graves as inabilitações especiais por tempo superior a três anos, entendendo que tal regulação não pode deixar de assombrar a doutrina espanhola, pois, pode-se configurar como conseqüência acessória, em todo caso, parecendo se tratar de uma opinião inconsciente, daí se utiliza da lição de ZUGALDIA ESPINAR, para quem se trata de um lapsus scriptoribus que o legislador tem sobre o merecimento de sanções penais por parte das pessoas jurídicas. No entendimento da autora, é que não cabe dúvida de que tanto as conseqüências acessórias como esta pena de inabilitação são por seu contido, independentemente, de nome que sequer atribuir verdadeiras sanções repressivas impostas às pessoas jurídicas. A apreensão da doutrina espanhola se encontra na interpretação que será fornecida pela jurisprudência, na hora da aplicação da pena a uma pessoa jurídica. Já que o Novo Código Penal espanhol de 1995 (com vigência desde 24.05.1996), em seu art. 129, trás a previsão das Conseqüências Acessórias.

1.3.1 As idéias conflitantes de René Ariel Dotti e Sérgio Salomão Schecaira

A intenção única aqui é a de traçar algumas poucas linhas sobre a produção científica de RENÉ ARIEL DOTTI (61) e SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA (62) sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, enfocando alguns dos principais pontos teórico-doutrinários de nítido conflito na construção de suas idéias. Àquele sustentando uma manutenção da dogmática jurídico-penal garantista, numa negação da abdicação da responsabilidade individual como tradição do direito pátrio, fundado no sistema romano-germânico. Este dirigindo seus estudos para uma sustentação doutrinária da responsabilidade penal dos entes coletivos como imperativo político-criminal numa necessidade de combate a criminalidade moderna, a criminalidade econômica.

ARIEL DOTTI procura sustentar uma não admissão pelo direito brasileiro da responsabilidade penal da pessoa jurídica, constrói toda uma teoria de contestação, que aqui far-se-á referência em minúsculos apontamentos. O ilustre professor da Escola do PARANÁ, começa por delinear a questão dos ilícitos de autoria e a crise de investigação criminal, realizando uma classificação das pessoas jurídicas concernente a indicação dos entes coletivos capazes de ação e culpa, uma incursão na sede natural do problema, que para ele são as questões relativas à prova de autoria e participação. Recebe o mérito de ser o primeiro a identificar que a tese da responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma tese abolicionista, (63) surgida com intuito de eliminação dos princípios garantistas (igualdade, humanização das penas, personalidade da pena, direito regresso etc.) de forma a representar um processo evolutivo rumo ao fim do sistema penal. Fala sobre a ofensa a regras da aplicação da lei penal (tempo e lugar), de uma ofensa a princípios relativos à teoria do crime (conduta humana, concurso de pessoas, culpabilidade, participação de menor importância, vontade de crime menos grave, circunstâncias comunicáveis, tipos etc.), ofensa a princípios relativos à teoria das penas e das medidas de segurança, ofensa a princípios e regras do direito processual penal etc.

Para ARIEL DOTTI a responsabilidade penal das pessoa coletivas sem prejuízo das esferas civil e administrativa, consiste na abolição de princípios constitucionais como, por exemplo, igualdade, humanização das sanções, personalidade da pena, direito de regresso, além da ofensa às leis ordinárias. Para o autor, tal pretensão não se encontra em harmonia com a letra e o espírito da nossa Constituição. O dispositivo constitucional (art. 225, §3º), tratando sobre o meio ambiente em caráter penal e administrativo, é de total reprovação. Para ARIEL DOTTI a Constituição estabelece uma vedação de levar a pessoa jurídica ao banco dos réus, que consiste na regra constitucional do art. 173, §5º, da CF/88, em virtude do prejuízo do princípio de isonomia, que ficaria prejudicado pelo fato de que os partícipes seriam beneficiados. Fala numa ofensa ao princípio de humanização das sanções, que seria desrespeitado com tal possibilidade, já o princípio da personalidade da pena é fruto (único) da ação humana, ficando de fora as figuras dos partícipes. O direito regresso estaria prejudicado na figura da esfera pública: art. 37, §6º, da CF/88; o art. 13, do CP (causalidade), e o art. 270, do CPP (co-réu).

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ARIEL DOTTI falando sobre a questão da conduta expressa o entendimento de que, uma responsabilidade da pessoa jurídica não cuidaria efetivamente de pontos fundamentais como, por exemplo, a ação ou omissão, (64) não tem capacidade de ação ou omissão (pela teoria de SAVIGNY), sendo estas exclusivas do ser humano. Quanto ao concurso de pessoas, indaga: como ficaria a natureza e o grau de divisão de tarefas, a forma intelectual? (65) Outro ponto de relevância é o da medida da culpabilidade, com a cláusula de adequação de que aquele que dar causa para o crime está sujeito as penas a ele cominadas, e a participação? (66) Quem é quem nos mandados, para se identificar a participação, o comando ou auxílio, e como ficaria a participação de menor importância (art. 29, §1º, do CP)? (67) E levanta uma outra indagação: as circunstâncias comunicáveis, poderá ser acusado por crime funcional? (68) Para ARIEL DOTTI uma outra questão fundamental é a dos tipos penais, que envolve tipo subjetivo (o dolo); erro de tipo e de proibição no quadro da ilicitude; tipos culposos e omissivos.

O entendimento de ARIEL DOTTI é o de que a culpabilidade é o fundamento e o limite da pena, é princípio geral de direito – sulla poena sine culpa. Menciona acerca de ser impossível – em face do aspecto ontológico da pessoa moral – uma apuração da culpabilidade, assim como nos costumes jurídicos nacionais diante do conceito de culpa para uma responsabilidade da conduta praticada. Adentra-se a uma impossibilidade de sua capacidade de culpa para figurar como figurar como sujeito ativo, já que não possui capacidade de reconhecimento da ilicitude. Afirma que a pena é expressão de tormento, sofrimento, é dor, é um processo de amargura. (69) E sua aplicação reside no campo da individualidade (art. 59, do CP), assim como se torna impossível pelo ângulo da execução penal (art. 1º, Lei nº 7.210/84). Para ARIEL DOTTI, por tudo acima esboçado, torna-se uma panacéia, "é impossível tal responsabilidade em função de um direito penal para a pessoa jurídica e outro para pessoa física; um processo penal para pessoa jurídica e outro para a pessoa física; e, uma execução penal para a pessoa jurídica e outra para a pessoa física". (70) É a interpretação do que representaria a veia abolicionista, uma etapa prévia que se encontra em tal responsabilidade, de um procedimento abolicionista.

Adentrando ao campo processual o autor chega na questão da periculosidade, que envolve aspectos moral, espiritual e intrínseco ao ser humano, envolvendo tratamento e internação ambulatorial. Faz referência a questão da responsabilidade objetiva, mencionando sobre o interrogatório, a instrução criminal, mais de um campo de atuação e mais de um domicílio, alcançando o ônus da prova e a individualização da conduta (art. 39, §5º, do CPP) e a conduta coletiva. Finaliza seus estudos teóricos fazendo uma incursão na legislação em vigência, que o direito brasileiro admite apenas a responsabilidade individual, mencionando que em nenhuma passagem do diploma penal se infere a possibilidade de se estabelecer a capacidade penal da pessoa jurídica. Ainda aponta que a o diploma das contravenções estabelece que estes tipos de ilicitude se aplicam as regras gerais do Código Penal, e enumera uma série de instrumentos normativos extravagantes, que afirmam vigorar o mesmo princípio enunciado.

A idéia defendida por SALOMÃO SHECAIRA é a de que a história da responsabilidade penal, é uma história de responsabilidade coletiva e não individual. "A responsabilidade penal coletiva tem sua origem remonta muito antes do iluminismo, já no Código de Hamurabi (artigo 23), desde a Idade Antiga à Idade Média, que eram imposta às tribos, comunas, cidades, vilas, famílias etc., só com o advento da Revolução Francesa e do Iluminismo que se instaurou a responsabilidade penal individual". (71) Tal relato pode significar traços históricos da responsabilidade penal dos entes coletivos, o significado aqui é a responsabilidade em relação ao grupo social, portanto, tal responsabilidade sempre esteve presente em todo contrato social. SALOMÃO SHECAIRA afirma que isso se deu "pelo significado de que o homem não era um indivíduo, um cidadão, mas parte integrante de uma coletividade, pertencia a sociedade e a cidade. Com o iluminismo é que surge o movimento político de divisão do poder: nobreza, clero e povo. Daí surge também o conceito de limitação do poder de ofício e do princípio da individualização da penal" (72). É o fomento do individualismo.

SALOMÃO SHECAIRA identifica no início do século XX, um retorno a idéia da responsabilidade penal coletiva, chega a citar LENIN relatando que ele já afirmava sobre o imperialismo das empresas americanas. Depois veio o crack da bolsa de New York (1929), e os estudos sociológicos de SUTHERLAND com a conceituação da criminalidade do White collar. Evento de importância registrada é o Congresso da AIDP (1929), em Bucareste, recomendando medidas eficazes nos delitivos. A partir da Segunda Grande Guerra (73) passou-se a olhar mais intensamente para a responsabilidade penal coletiva, re-surge a idéia de reverter a responsabilidade individual (o apogeu do individualismo), e aplicar a responsabilidade penal coletiva. O 6º Congresso da AIDP em 1953, em Roma, emite-se a recomendação de uma não aplicação das medidas de segurança, e pela primeira vez é colocada a responsabilidade penal da pessoa jurídica. A argumentação de SALOMÃO SCHECAIRA é a de que não adianta construir uma dogmática pautada na formulação de exemplos que representam uma possibilidade remota no cenário social, ou seja, a dogmática da exceção transformada em regra. Surge, então, o movimento objetivo – que é um movimento que requer uma demanda punitiva, a partir do século XX, as empresas passaram a ser transnacionais, com produção múltiplas, ocupando o espaço e a função desenvolvidas pelo Estado, resultando numa exacerbação de seus poderes e função.

O autor relata que "em 1981 o Comitê de Ministros da Europa, recomenda a criação de um artefato de regulação das pessoas coletivas, depois é emitida a recomendação para a ecologia e consumidor. Em 1994 o 15º Congresso da AIDP no Rio de Janeiro, voltado para o Direito Ecológico. Ali vetou-se uma recomendação taxativa de sanção penal às pessoas coletivas priva e pública. No entanto, o autor, falando sobre a responsabilidade penal para pessoas priva e pública, indaga: se o Estado é responsável, porque não as instituições, entidades e organizações?" (74) Cita os estudos do pensador português JOÃO CASTRO E SOUZA, (75) falando sobre as sociedades complexas, sociedades industriais e pessoas jurídicas que podem determinar o rumo da humanidade, à luz do sistema do common law na Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte.

SALOMÃO SCHECAIRA se posiciona a favor da responsabilidade penal da pessoa jurídica no direito brasileiro, esboçando seu entendimento com base nas previsões constitucionais (arts. 173, §§ 4º e 5º, e 225, §3º, da CF/88). Enumera os três sistemas de penalização das pessoas jurídicas existentes: "1) Refratário – não aceita a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Países como: Espanha, Bélgica e Itália; 2) Intermediário – utiliza-se de sanções penais administrativas e das regras do direito da mera ordenação, com aplicação de multas sem valor ético e sim administrativo. É o caso da Alemanha; 3) O sistema do common law – com a adoção da responsabilidade penal da pessoa jurídica, aplicação de sanções criminais, como no caso do Código Penal da Califórnia. Ocorreu também uma contaminação para a Europa continental, como no caso da Holanda com o sistema do civil law (na Holanda desde 1950 ocorre a penalização para os delitos econômicos, havendo ainda uma responsabilidade individual e coletiva, envolvendo a empresa e os diretores), adotam o mesmo sistema países como: França e Japão". (76)

Menciona ainda sobre os pontos clássicos da discussão teórica, fundados nas teorias de FREDERICH KARL VON SAVIGNY e OTTO GIERKE. Àquele com a teoria da ficção – determinando que a pessoa jurídica é um ser abstrato, tratando-se de uma ficção exercendo direito patrimonial por meio de seus responsáveis e sem vontade própria, desprovida de caráter. Este com a teoria orgânica, ou da personalidade real, ou ainda teoria da realidade objetiva –, em que as pessoas jurídicas são dotadas de responsabilidade coletiva, com vontade própria, existindo algumas que são criadas exatamente para cometimentos de delitos. E o autor então cometa: "quando ela tem vontade de contratar, tem vontade para outras finalidades". (77)

SALOMÃO SCHECAIRA faz referência ao sistema da civil law afirmando que, "a regra é da adoção da responsabilidade penal na Parte Geral do Código Penal. No Brasil foi feita através da legislação extravagante. No Brasil, a regra é a responsabilidade de pessoa individual, e a exceção é a coletiva". (78) SALOMÃO SCHECAIRA realiza uma crítica aos escritos de REGIS PRADO, (79) pois este entende que a responsabilidade no Brasil não se trata de um sistema garantista, já que a legislação não previa na parte específica quais os tipos existentes. O autor, então, contesta afirmando que é um sistema distinto, que o modelo que REGIS PRADO deseja, vai encontra na França. O problema é de falha da técnica legislativa.

SALOMÃO SCHECAIRA vai enumerar os argumentos contrários a responsabilidade penal coletiva: "não há responsabilidade sem culpa, a responsabilidade da pessoa jurídica acarreta prejuízo aos sócios minoritários, são inaplicáveis as penas privativas de liberdade, são incapazes de arrependimento e a tutela da esfera administrativa". (80) E rebate todos os argumentos: "o prejuízo do sócio minoritário – é irrespondível. Mas isso, já acontece na esfera da responsabilidade civil, e que a pena atinge sempre outras pessoas que não a do condenado; quanto as penas privativas de liberdade – os autores europeus falam sobre a impossibilidade de medidas institucionais – pena de prisão; já sobre o arrependimento da pessoa jurídica – indaga: será que a pena tem a finalidade de impor arrependimento? Tem objetivo moral? O posicionamento adotado é o da prevenção geral positiva, de iniciativa de cumprimento da norma, e não de prevenção geral negativa, de ameaça. A incapacidade de arrependimento, é uma argumento de ordem moral, o direito penal clássico também não exige que o agente se arrependa, isso é algo do direito canônico, a finalidade da pena não é moral, não é a expiação, é uma idéia ultrapassada sobre a pena; sobre a tutela administrativa – a questão do simbolismo penal, o aspecto estigmata do direito penal é de fundamental importância, o processo penal soa como uma cruz a ser carregada na costas, é o inconsciente coletivo, a imagem da reprovação penal. Sem mencionar que os mecanismos de defesa são maiores na esfera judicial do que no âmbito administrativo; quanto a culpabilidade da pessoa jurídica – a culpabilidade é um mito no direito penal, porque figura como limite do poder de punir, quando este não é jurídico, nem filosófico, mas político. Trata-se de um princípio metafísico. A dogmática tradicional ou moderna nunca enfrentou a culpabilidade. Sempre transportando a questão do dolo/culpa, para a esfera da tipicidade – da ação típica. É impossível demonstrar a culpabilidade no direito penal. Sem falar que o argumento refere-se ao livre arbítrio. O livre arbítrio é indemonstrável, a culpa é um fenômeno religioso utilizado pelo direito para fundamentar o direito de punir. A produção de auferimento da culpabilidade é objeto de confissão, só o agente pode afirmar ou confessar a sua culpabilidade, é matéria de carga axiológica, patrimônio cultural do agente. A culpa é empiricamente e cientificamente indemonstrável, ela existe como reserva filosófica para legitimar o ius puniendi". (81)

Por fim, SALOMÃO SCHECAIRA enumera os requisitos para a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, que são: "1) a infração praticada com o interesse coletivo, no interesse da pessoa jurídica; 2) a infração individual não pode situar-se fora da esfera de atuação da empresa, do contrário fica fora da responsabilidade; 3) a infração deve ser praticada por alguém que esteja direta e estritamente ligada a empresa, no caos de gerente, diretor etc., previsão do Código Penal da Califórnia; 4) a infração tem que ser cometida mediante o auxilio do poderio da empresa, o que quer caracterizar o atingimento das grandes empresas, pois, é o seu poderia que cria o risco do cometimento do delito. Com a estipulação de um rol de penas a serem aplicadas como, por exemplo, multa, dissolução do conselho, confisco de bens, proibição de negociação com o Estado, divulgação da sentença condenatória etc. Como modelo de legislação o Decreto-.lei nº 282/84, de Portugal". (82)

1.3.2 As doutrinas de Schunemann, Stratenwerth, Hirsch, Heine, Tiedemann, Zugaldía Espinar, David Baigún, Silvina Bacigalupo e Jean Pradel

Este item do presente trabalho dissertativo existe para em algumas linhas de expressão demonstrar a importância que o tema vem suscitando a partir do início das duas últimas décadas do século XX. Algumas minúsculas incursões nos pensamentos de vários autores estrangeiros, numa intenção clara de demonstrar a mudança de paradigma – que será relatada pela literatura jurídica nos próximos decênios de anos – ocorrida, ou em ocorrência da substituição (interação) do princípio societas delinquere non potest pelo princípio societas delinquere potest, e num processo de harmonia entre os sistemas romano-germânico e do common law. Como característica fundamental de um direito penal da globalização, de um direito penal da integração, supranacional.

A primeira incursão em referência ao pensamento de BERND SCHUNEMANN, (83) numa análise das questões fundamentais da responsabilidade penal da empresa, envolvendo política criminal e dogmática jurídico-penal, concernente a imputação e prova das condutas criminosas advindas da atuação empresarial-econômica de uma empresa. O pensador da Escola de MANNHEIM expressa um entendimento do direito penal econômico na concepção ampla quando expressa, " entiendo por delitos económicos, en el sentido más amplo, todas las acciones punibles y las infracciones administrativas que se cometen en el marco de la participación en la vida económica o en estrecha conexión con ella. La criminalidad de empresa (Unternehmenskriminalitat), como suma de los delitos económicos que se cometen a partir de una empresa – o, formulado de otra manera, a través de una actuación para una empresa –, estabelece así una delimitación tanto respecto a los delitos económicos cometidos a margen de una empresa, como respecto a los delitos cometidos dentro de la empresa contra la empresa misma, o por miembros particulares contra otros miembros de la empresa". (84)

O pensamento de SCHUNEMANN é no sentido de que se deve realizar uma diferenciação entre um comportamento socialmente danoso de uma empresa e uma prática danosa realizada por um ou mais de seus colaboradores, dano este ocasionado pelo(s) colaborador(s) da empresa a ela mesma, ou a outros de seus colaboradores, o que faz o autor afirmar que "a influencia criminógena de una ‘actidut criminal de grupo’, las dificuldades de determinación normativa de las cmpetencias y, a consecuencia de ello, de la imputación jurídico-penal, y los problemas de avertiguación del verdadeiro responsable – por mencionar tan sólo algunos de los seguientes temas de discusión – producen, en conjunto, quebraderos de cabeza en relación con la criminalidad de empresa, pero no en relación con la criminalidad en la empresa, la cual a su vez produce problemas propios". (85) A procura passa a ser, portanto, por um conceito de criminalidade de empresa, como método de delinear os acontecimentos econômicos delituosos, ou seja, os delitos econômicos. Identificando, assim, os meios de uma atuação de uma empresa e para uma empresa que possam lesionar bens jurídicos externos, lesionar bens jurídicos próprios e do interesse dos colaboradores da empresa. Numa tradução livre do pensamento do autor pode citar que, "deste modo a criminalidade de empresa constitui a parte mais importante da criminalidade econômica, não somente desde o ponto de vista prático, senão também desde o ponto de vista da teoria jurídico-penal e da política criminal, é algo que salta a vista". (86)

Existe uma luta contra a criminalidade econômica, e esta luta é da legislação, da jurisprudência e da ciência penal. Esta última numa situação de encruzilhada pela crise de eficácia que lhe aflige na mudança de paradigma. Já ao final dos anos setenta SCHUNEMANN publicara estudos monográficos com temas diversos sobre a criminalidade econômica, propugnando por uma formulação de conceitos dogmático-penais constitucionalmente válidos para uma aplicação da responsabilidade penal à empresa, que fugisse do tratamento administrativo. Seu entendimento acerca do problema é o de que questões como da argumentação da incapacidade de ação e de culpabilidade, não apresentam maiores dificuldades, pois, compreende que ambos não exercem papel fundamental no campo da necessidade racional da finalidade da pena. Sua idéia é a do estabelecimento de um novo princípio legitimador para a aplicação de sanção penal à empresa, este princípio é o estado de necessidade de proteção do bem jurídico. A formulação de tal princípio expõe sua veia preventiva, já que o princípio se apresenta em função de um debilitação da eficiência preventiva no âmbito de tal criminalidade. SCHUNEMANN transforma o direito penal econômico, num direito penal de proteção do bem jurídico, como forma suprema em relação aos princípios da capacidade de ação e culpabilidade.

Um outro autor adepto da teoria da prevenção é GUNTER STRATENWERT, (87) com uma doutrina própria que chega ao ponto (a exemplo de SCHUNEMANN) jurídico-penal de dispensar a comprovação de culpabilidade. STRATENWERT parte dos estudos de RUDOLF SCHMITT para elaborar sua teoria sobre a aplicação de medidas de segurança à pessoa jurídica, como reconhecimento da necessidade político-criminal de uma adoção da responsabilidade penal da pessoa jurídica. O pensador da Escola de BASILEA, começa por uma formulação delimitada de criminalização da pessoa jurídica pautada numa hierarquia da estrutura organizativa empresarial como forma de determinar as ações desta como sendo da própria empresa, ações próprias de uma pessoa jurídica significaria as ações, os atos e condutas praticadas pelos seus órgãos, representantes ou membros que possam ser identificados como integrantes com funções de direção na empresa.

A partir de então, procura-se por ações ou condutas penalmente relevantes que signifiquem um ato de conexão entre estas e a pessoa jurídica. Mas, para STRATENWERT, não é o suficiente para uma imputação de ação própria da pessoa jurídica, faz-se necessário que a ação ou conduta praticada tenha sido realizada por um membro que desempenhe uma relação direta e estritamente especial com a pessoa jurídica. STRATENWERT abandona a fórmula tradicional de identificação desta relação, que reside na obtenção dos benefícios advindos da conduta delituosa pela a pessoa jurídica, utiliza-se (segundo ele) de um procedimento bem mais eficaz, que é o da relação funcional, realizando um exame da ação delituosa e a hierarquia de função, deveres e obrigações dos órgãos e dos representantes da pessoa jurídica.

Com o intuito de prevenir a pratica de delitos por parte da pessoa jurídica, na construção teórico-doutrinária da admissão de uma ação da pessoa jurídica, formula três pontos fundamentais: "a) que o ponto de conexão, ato de pessoa humana individual que seja vinculada à pessoa jurídica e que represente o ato fundamental, que esteja inserido no contexto dos atos próprios da pessoa jurídica; B) que haja entre esse ato e a pessoa jurídica uma relação de funcionalidade, que não seja um ato isolado da pessoa que pertença a pessoa jurídica, mas seja um ato que decorra da própria atividade da pessoa jurídica; C) que esse ato de conexão, para responsabilidade da pessoa jurídica, não pode ser cometido por um empregado qualquer, mas por um dirigente da pessoa jurídica, pelo fato de que somente ele encarna o ato de funcionalidade ou a realidade". (88)

No âmbito da responsabilidade penal da pessoa jurídica, a construção teórico-doutrinária recebe mudança nos estudos de HANS JOACHIM HIRSCH (89), para quem a pessoa jurídica é portadora de capacidade de ação e de culpabilidade. Para uma fundamentação da capacidade de ação da pessoa jurídica, começa por afirmar que "existe claridad acerca de que las asociaciones de personas son formas de organización humana que constituyen sujeitos autónomos, en la realidad de la vida social, con independencia de la variación de sus miembros. Ellas son realidad social. Esto há sido destacado no solo por juristas. A respecto, me refiero también a los análisis de LITT, NICOLAI HARTMANN y RENATE MAYNTZ. El ordenamiento jurídico toma en cuenta esta realidad al dotar a las asociaciones de personas de capacidad jurídica y al calificarlas como personas jurídicas, o reconociéndoles, cuando menos, legitimación procesal pasiva – en el caso de las asociaciones sin capacidad jurídica". (90) A idéia de capacidade de ação defendida por HIRSCH, reside na compreensão das ações dos órgãos, ou dos representantes da pessoa jurídica significarem ações próprias da mesma. Recebe dois significados: um primeiro de que se trata de uma ação praticada por uma pessoa (física) como sendo da pessoa jurídica; e, um segundo, em que identifica-se como ação da estrutura da instituição.

HIRSCH fala que é fato, é realidade. "Si se observa la discusión actual com mayor precisión, también se comprueba que la propria capacidad de acción, en contra de lo que se afirma para o derecho penal, está ampliamente reconocida en otros ámbitos. Pues la propia capacidad de acción de la corporación es afirmada no sólo para el derecho civil – en el cual, en vista de su mera orientación hacia la responsabilidad, posiblemente rijan otros parámetros –, sino también para el derecho contravencional com sus sanciones punitivas para el castigo de delitos de orden. En verdad, con relación a la objeción que aquí se analiza, se trata por ello de que la propia capacidad de accion delictiva, en principio reconocida, no puede ser suficiente, cualitativamente, para el ilícito de los delitos criminales". (91) HIRSCH adota uma concepção própria dos conceitos de ação, realizando uma negação dos elementos estruturais dos conceitos tradicionais de ação.

Argumenta com base na realidade social, que a aceitação da culpabilidade da pessoa jurídica, da empresa, ou das corporações, é fato, é realidade, e ainda mais, que existe um juízo ético acerca do tema. Num intuito de demonstrar sua teoria, diz HIRSCH que "es recomendable, por ello, considerar las cosas con mayor precisión. Si se observa la realidad social, se adverte que se habla con toda frecuencia de la culpabilidad de una corporación. Se habla, por ejemplo, de la culpabilidad de una empresa química que por dejadez desagua sustancias tóxicas en un río, que ha destruido de esa forma los peces y puesto en peligro el suministro de agua potable. O se habla de la culpabilidad de una empresa, como de la antigua IG-Farben, con relación a la explotación y muerte de trabajadores. También es frecuente la utilización de la palabra ‘culpabilidad’, respecto de la conducta de estados. La cuestión de cuál de las partes de un conflito bélico fue culpable del inicio de la guerra no es sólo un tema de interés histórico. El art. 231 del Tratado de Versalles, en el cual las entonces potencias vencedoras imputaron al Imperio Alemán la culpabilidad por el inicio de la 1º Guerra Mundial, significó un grave reproche, el cual, por su unilateralidad, fue sentido, como se sabe, como la ‘mentira de la culpabilidad por la guerra’, y constituyó una pesada hipoteca para la República de Weimar. Y la culpabilidad con la que el Imperio Alemán se cargó luego realmente, durante la época del nacionalsocialismo, nos es todavía tan próxima, que no es necesario que la exponga con más detalle". (92)

São todas situações de reprovação ética submetidas a um juízo de valor. Para HIRSCH a realização de um juízo de culpabilidade – em face de uma ação de pessoa física em detrimento da pessoa jurídica –, representa um núcleo ético, que no caso da pessoa jurídica é realistamente reconhecido. É a demonstração fática de que a culpabilidade da pessoa jurídica (diante dos casos relatados) não representa algo eticamente indiferente. Numa tradução livre do seu pensamento a afirmação de que, "uma culpabilidade coletiva, uma culpabilidade sumária dos sócios individuais não é o que se deriva, portanto, da culpabilidade da associação. Unicamente é possível uma responsabilidade coletiva, de forma tal que os prejuízos que se derivam da culpabilidade da associação para uma corporação, sejam também perceptíveis mediatamente para seus membros". (93)

GUNTER HEINE, (94) propugnando por fundamentos da responsabilidade penal da empresa, demonstra um pensamento cético quanto aos argumentos de culpabilidade própria da empresa e no campo das sanções referente a aplicação de medidas de segurança, em função de uma premissa da pessoa física. Não consegue admitir uma comparação entre pessoa física e jurídica, portanto, entende ser tais teorias destinadas ao fracasso. Para HEINE o problema central da responsabilidade penal da empresa é gerado na dispersão das atividades operativas, da posse da informação e do poder de função. "Ahora bien, la capacidad de un individuo para obrar como autor desaparece, en las modernas formas de agrupación, en razión de la descentralización y la diferenciación funcional de las compentencias. En la era del lean management o del top quality management, dicha capacidad para obrar como autor puede descomponerse, penalmente, en funciones estratégicas y operativas: una gran empresa moderna adquiere, finalmente, capacidad de actuar mediante la coordenación de diversas tareas más o menos autónomas, relativas a las secciones empresariales y a las divisiones administrativas". (95) HEINE entende que a empresa se encontra fundada numa complexidade tamanha que uma utilização de conceitos que põem em comparação pessoa física e jurídica levaria a uma irresponsabilidade individual de caráter estrutural. (96) Na sua doutrina a empresa possui uma série de mecanismo que geraria: condutas encobertas, indução a erro etc., estabelecendo-se uma espécie de irresponsabilidade individual organizada. (97)

HEINE diante desse ceticismo expõe os modelos básicos de responsabilidade penal afirmando que, "La multiplicidad de cautelas diversas que mundialmente permiten estatuir la responsabilidad de las empresas, se pueden resumir en tres modelos. En el primero (el acto del órgano como acción incorreta de la empresa), el hilo condutor es la clásica teoría de la identificación: una corporación debe ser identificada con las personas que de manera activa son responsables por ella. En el segundo (organización deficiente de la corporación), se pone en relación un determinado desarreglo social (por ejemplo, un delito económico o un acto de enriquecimiento de la empresa) con una organización deficiente de la corporación. A diferencia del primeiro, no es necesario que se verifique si el acto es obra de un representante de la empresa. Pero, si deben presentarse deficiencias en su organización. En el tercero (principio de causalidad), se renuncia completamente a la prueba de tales errores. Aún más, es suficiente comprobar la organización compleja de una empresa para poder imputarle, como causante, determinados desordenes sociales; por ejemplo la violación de determinados valores limites fijados por el Estado. Los limites entre un modelo y otro no son rígidos" (98)

Quanto ao ato do órgão como ação incorreta da empresa, (99) numa representação de falta própria da organização, o entendimento de HEINE é o de que sua conversão em perturbações sociais não devida, com freqüência, representa a decisão de uma única pessoa senão ao desenvolvimento defeituoso da empresa. Já sobre a organização deficiente da corporação, (100) o ponto de partida desta concepção é a responsabilidade por um dever de vigilância. Não se trata mais de um comportamento pessoal errado a respeito do controle, senão de uma culpabilidade de organização da empresa mesma devido a uma equivocada ponderação dos riscos empresariais. A idéia de HEINE é que concernente ao princípio de causalidade, com respeito a ditos âmbitos especiais, vários países renunciaram completamente a verificar os erros cometidos na ou pelas empresas e exigem a garantia absoluta a respeito das disposições que o Estado ou autoridades competentes estabelecem sobre as empresas, de maneira específica. "Las fronteras de este modelo están delimitadas: debe garantizar únicamente la observancia de las disposiciones estatales. Sin embargo, cada vez está más en boga la idea que, tratándose de la moderna sociedad industrial, el Estado já no puede fijar más de manera definitiva los riesgos. (101)

HEINE procura formular um esboço de sua doutrina da responsabilidade penal da pessoa jurídica, partindo do entendimento da necessidade de estabelecimento de critérios de imputação pautados na teoria da elevação do risco específico do âmbito da empresa. (102) Trata-se da individualização do risco por ramo de atividade empresarial, mais do que isso, de critérios de imputação para os procedimentos empresariais de exploração baseados na tecnologia. É a denominada doutrina da produção de novos riscos técnicos, em que a empresa figura como garante do controle (103) em substituição ao controle ou disposições de segurança. Estipula-se, para uma responsabilidade penal, dois pressupostos: como condição necessária deve existir uma administração incorreta do risco ou atividade de risco defeituosa; (104) e como condição suficiente a materialização do perigo típico da empresa, (105) ou, por exemplo, um perigo comum, um dano ambiental especialmente grave. Numa negação do exame do comportamento individual. "La materialización de los pelogros típicos de la empresa (resultados) han de ser considerados por el condiciones objetivas de punibilidad. Esto puede explicarse por el hecho que el resultado en el derecho penal de las empresas no es producto de un comportamiento dominado por la voluntad de un autor, sino que es percibido como consecuencia de procesos acumulativos de una administración deficiente generada durante largo tiempo. La relación entre esta condición objetiva de punibilidad y la administración defectuosa do risco se rige (en lugar de una causalidad estricta) por una teoria del aumento del risco propio de las organizaciones". (106)

Para HEINE o significado da autoria por parte da pessoa jurídica, recebe a terminologia de domínio de organização funcional-sistemático, (107) no intuito de realizar uma substituição do domínio do fato individual. Quer representar que, quando a empresa não toma a iniciativa a eliminar os riscos, tem-se então o domínio de uma organização defeituosa, o que caracteriza um risco típico da atividade empresarial ocasionando a imputação e a condição objetiva de penalização. "Esto se justifica por el hecho de que no se trata de una coordenación de sucesos puntuales, en función de la experiencia social establecida (como en el derecho penal individual), sino del dominio de situaciones de risgo que parecen ser concretamente previsibles. De acuerdo con esto, han de determinarse también de modo funcional-coletivo el dolo, la culpa y la conciencia de la ilicitude de la empresa". (108) A determinação de tais elementos se aufere numa forma funcional conforme a categoria de empresa. A interpretação de HEINE é a de que os elementos subjetivos do direito penal individual já não se estabelecem como um conhecimento real do autor, senão que se fixam de acordo com critérios sociais. "Finalmente, la categoria de la culpabilidad por la conducción de la empresa, en tanto forma de responsabilidad específica de la empresa, obliga al juez a justificar, a diferencia de lo que sucede en materia civil o administrativa, que ha considerado la ‘individualidad’ de la empresa concreta". (109)

KLAUS TIEDEMANN, (110) um dos mais conhecidos adeptos da responsabilidade penal da pessoa jurídica, formula a proposta de uma culpabilidade por defeito de organização. Mas antes, algumas linhas de sua teoria. TIEDEMANN fala de uma tendência inevitável de uma uniformização legislativa acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica, principalmente, em ambiente de integração. Sua doutrina é de realização do binômio política criminal e dogmática jurídico-penal. Diz que a sociologia ensina que o agrupamento contribui como ambiente e terreno propício a um clima que facilita e incita o cometimento de delitos ligados a sua existência. A criminalidade de empresa (econômico, ambiental, organizado etc.) coloca o direito penal clássico num estado de hipertrofia, de total incapacidade de realizar seus fins nessas matérias. Exigindo, cinco poderes de frente: "1) responsabilidade civil do empregado; 2) medidas de segurança em direito, que moldam o direito administrativo (sistema moderno); 3) sanções de caráter administrativo, financeiro e de outra natureza que formam quase um sistema penal de pagamentos; 4) uma verdadeira resposta criminal em obediência ao princípio que rege o universo das pessoas físicas; 5) medidas de caráter penal, administrativo e/ou civil no sentido de destituição temporária no exercício da função, dissolução da agrupação etc.". (111)

O pensamento de TIEDEMANN quanto a polaridade direito penal clássico e direito penal moderno, é o de que sua distinção de natureza se transforma cada vez mais, com uma intervenção direta no âmbito de funcionamento da empresa. A criminologia crítica exerce uma forte pressão para um controle maior sobre a atuação desses agrupamentos. As sanções existentes não apresentam mais uma solução para o problema de tal criminalidade, não consegue cumprir com o seu papel. TIEDEMAN lembra que, "a multa como espécie sanção, constitui uma medida de direito civil, tal idéia é rechaçada pelos ordenamentos jurídicos modernos. O pensamento na Europa é o de estabelecer medidas punitivas e de repressão. Já as medidas administrativas quase penais têm ou procuram estabelecer o binômio de prevenção e retribuição. Uma das penalidades empregadas deve ser uma diminuição de sua publicidade, e uma restrição em negociar com a Administração pública". (112) TIEDEMANN fala em uma doutrina da identificação (113) – que vem a ser uma racionalidade dogmático jurídico-penal responsabilizar as atuações desses agrupamentos. O que quer significar um salto de qualidade entre os sistemas: dogmático e pragmático.

O pensador da Escola de FREIBURG expressa a idéia de desenvolver uma dogmática jurídico-penal para injetar nova dose de oxigênio na ciência penal, com novos mecanismos de combate a tal criminalidade. É, definitivamente, abandonar o procedimento jurídico-penal clássico e admitir que não há outro caminho que não a construção de uma nova dogmática penal. O que obriga uma incursão ao estudo do que o autor tem chamado de culpabilidade por defeito de organização. A reforma da lei alemã de contravenções administrativas, sendo substituída pela denominada lei de luta contra a criminalidade econômica de 1986, (114) que veio introduzir a multa aplicável a uma pessoa jurídica, fez TIEDEMANN levantar a argumentação de se imputar a ação de uma pessoa física como sendo uma ação própria da pessoa jurídica. A partir daí TIEDEMANN encontra a capacidade de ação da empresa, partindo em busca de uma formulação da culpabilidade da empresa.

A expressão do pensamento de TIEDEMAN é a de que a culpa da pessoa jurídica é a sua própria culpa, não a da pessoa moral, mas da jurídica, o que é uma culpa determinada prevista nos direitos civil e administrativo. Essa culpabilidade própria da pessoa jurídica é fundada na imputação da responsabilidade extra-penal, que sofre transportação. Existindo três modelos: "1) responsabilidade dos órgãos ou responsáveis pela pessoa jurídica para atuação legal, em função da ação ou omissão no mundo dos negócios; 2) por todos os atos das pessoas que atuam em nome da empresa ou em favor de si mesma, concepção pragmática que atua na União Européia; 3) um modelo misto que atua tanto de um lado quanto do outro imputando responsabilidade as pessoas que têm poder ou não, para agir em norma da empresa, introduzindo um responsabilidade parcial". (115) A posição de TIEDEMANN consiste em adotar uma responsabilidade dos órgãos e representantes, com a existência de um membro que exerça controle e vigilância sobre a atuação das empresas no mundo dos negócios, com base no modelo da Convenção de Bruxelas e no Direito alemão, para uma melhor compreensão das infrações cometidas. O entendimento de TIEDEMANN nasce da visão de que uma exigência de culpabilidade na esfera administrativa é de menor significado do que a exigência do direito penal material. Portanto, busca por um conceito de culpabilidade diferente da responsabilidade individual, baseada numa reprovação ética, fundada numa categoria de elementos sociais e jurídicos.

ZUGALDIA ESPINAR (116) fala em capacidade de ação e de culpabilidade da pessoa jurídica como forma de fundamentar sua penalização. O pensador da Escola de GRANADA, entende que o tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica constitui um exemplo de oposição entre dogmática jurídico-penal e política criminal, como já havia escrito em 1980 um artigo denominado: Conveniencia político criminal e impossibilidad dogmática de revisar la fórmula tradicional – Societas delinquere non potest. "Convencido de que el Derecho Penal y, por ello, la dogmática jurídico penal, debía ser el vehículo (no el obstáculo) para realizar los necesarios fines de política criminal en relación a la prevención del delito (con independencia de quienes fuesen sus autores), en em mismo proponía que se determinara en qué delitos y bajo qué condiciones debían imponerse sanciones penales a las personas jurídicas y que, para hacerlo posible, se revisarn los conceptos tradicionales de acción (como comportamento humano), de culpabilidad (como juicio bio-psicológico) y de pena (como castigo retributivo de la culpabilidad)". (117)

Para ZUGALDIA ESPINAR, conforme o desenvolvimento das relações sócio-econômicas, a dogmática corre o risco de ficar falando de ficção como se fosse realidade, ou seja, fora do jogo. "Em mi opinion, la estructura de la teoria jurídica del delito de la persona jurídica vendría a ser análoga – valga el paralelismo que se estabelece con fines esclusivamente ejemplificadores – a la de los delitos impropios de omissión (comisión por omisión): en primer lugar, sería necesario comprobar la realización de una acción o una omisión por parte de la persona jurídica; en segundo término, habría que comprobar que esa acción u omisión ha sido realizada por la persona jurídica de forma culpable; en tecer lugar, habría que comprobar la concurrencia de los critérios que permiten imputar (poner a cargo) de la persona jurídica la actividad de la persona física (v.gr.: relación existente entre la persona física y la persona jurídica, relación de la persona jurídica con la infracción, si la infracción ha supuesto un beneficio para la persona jurídica, necesidad de la sanción a la persona jurídica para prevenir el delito, etc.). (118)

ZUGALDIA ESPINAR analisa a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica partindo de duas premissas metodológicas fundamentais: a) uma primeira, em que afirma que os dogmas da dogmática não são senão decisões e eleições primeiras de cadeias argumentativas não suscetíveis de uma fundamentação última (e, por conseguinte, não excluem outras decisões racionalmente fundamentada). Aqui realiza uma crítica aos estudos metodológicos de GRACIA MARTIN, (119) para quem os conceitos de ação e culpabilidade são únicos, afirmando que tais concepções são – logicamente – possíveis, porém não excluem nem muito menos outros conceitos distintos de ação e culpabilidade; b) uma segunda, em que tão pouco lhe parece metodologicamente correto – como propõe GRACIA MARTIN – perguntar-se pela capacidade de ação e de culpabilidade das pessoas jurídicas partindo de um conceito de ação e de culpabilidade já dado – e exclusivamente válidopara as pessoas físicas: a resposta a questão será inexoravelmente negativa, porém simplesmente porque a pergunta está mal formulada. Pelo contrário, o que procede é perguntar se pode existir um conceito de ação e culpabilidade válido (também ou exclusivamente) para as pessoas jurídicas. (120)

O que faz ZUGALDIA ESPINAR afirmar da necessidade de algumas reformas fundamentais numa adoção do princípio societas delinquere potest quando leciona que, "ahora bien, acepta la formula Societas delinquere potest por exigencia político-criminais y limados dos clásicos impedimentos dogmáticos que la impedían, la articulación de la responsabilidad criminal de las personas jurídicas em nuestra legislación exige todavia despejar algunas incógnitas y remover alguns obstáculos tanto procesales (particularidades del proceso cuando el acusado sea uma persona jurídica) como sustantivos (sistemas de numerus apertus o de numerus clausus, elección del círculo de personas jurídicas – públicas o privadas – que pueden ser penalmente responsables, tipos de sanciones aplicables para que la sanción no sea um capítulo más degastos previsibles, adopción de medidas que impidan que la persecución de la persona jurídica sirva de coartada para la no persecución de las personas físicas que actuaron en su ámbito, concreción de los criterios de imputación del hecho de la persona física a la jurídica, etc) y en estos ámbitos la discusión está lógicamente abierta". (121)

DAVID BAÍGUN (122) é outro dos defensores da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Numa brincadeira que pode representar bem o que acontece no mundo moderno, em palestra no IBCCRIM, chegou a relatar que encontrou um amigo peruano no MAX PLANCK para estudar direito colombiano e brasileiro, quando deveria viajar aos respectivos países. Aqui far-se-á referência a três artigos de sua autoria publicados nos anos de 1995, 1996 e 1997, e abaixo citados.

Para DAVID BAÍGUN o que existe é uma ligação direta no mundo moderno entre as grandes corporações e o Estado, o que faz surgir a perspectiva da atuação criminosa por partes destas empresas, com uma identificação no campo financeiro, primeiramente. Afirma que, "durante os anos setenta aproximadamente 75% a 80% da economia americana ficavam nas mãos das grandes empresas, num número não superior a mil". (123) Numa doutrina de que a integração surge como fator fundamental para a expansão das corporações, tornam-se grupos transacionais. Na sua opinião, trata-se de atuação de pessoas coletivas de ofensividade social muitas vezes irreparáveis. Não são pessoas individuais, são grupos coletivos, o que faz surgir uma problemática para a imputação e a conduta delituosa, figurando como uma impossibilidade de se utilizar o modelo penal clássico.

DAVID BAÍGUN entende que a ação é outro problema que vai cair na teoria da vontade, já que surge de uma decisão (em alguns casos) de uma coletividade. O direito penal convencional é um instrumento inadequado para exercer um controle sobre as condutas da pessoa jurídica. O novo que aparece na sua doutrina, é a proposta de criação de um centro de normas que formule projetos de lei direcionado para tal campo de intervenção. Pois, o centro da discussão se encontra na dicotomia de trasladar teorias e dispositivos do direito penal clássico, ou formular, elaborar uma nova teoria com princípios e instrumentos próprios para tal responsabilização. A idéia de uma controle jurídico-penal da empresa requer uma atitude de abandono do sistema convencional, na sua opinião. Aparece como necessidade político-criminal, pois o sistema convencional está voltado para o garantismo e a proteção dos direitos humanos, o que por natureza vai favorecer tais criminosos econômicos. A doutrina de DAVID BAÍGUN é de uma negação do princípio da intervenção mínima, no seu pensamento, se for utilizado vai favorecer a conduta da empresa, assim como é inadequada a via administrativa. Sustenta que as condutas das pessoas humanas como o diretor da empresa, pode receber uma responsabilização pessoal, enquanto a pessoa jurídica poderá ser responsabilizada por um outro sistema. Cabendo um responsabilização para um sistema e outra para o convencional.

O pensador da Escola de BUENOS AIRES, fala de uma ação epstemológica da pessoa jurídica, é de natureza diferente, não é individual e sim institucional cercada por elementos próprios. Apresenta três que demonstram sua teoria: "1) órgão regulativo ou regulação normativa – identificar o órgão com poderes e competência para tomada de decisões através de votação de seus integrantes; 2) organização – os problemas típicos das grandes empresas como uma comunidade com fins: racionais e reais (Max Weber), isso é produzido nos grandes grupos, na comunicação se refere aos códigos e aos conflitos de poder: horizontal e vertical; 3) o interesse econômico – que é a terceira unidade real, nesses grupos o interesse econômico é sobre determinante: é a ganância, a acumulação, a dominação, o poder. O que move o motor da organização é a ganância". (124)

Um fenômeno interessante identificado por DAVID BAÍGUN é o da alienação. Lembra o autor que é um conceito originário de desprendimento de dominar o produto em relação ao consumidor. Aponta que há um elemento interessante que chama de segunda alienação, também de fectização, reificação, que se produz uma primeira alienação em matéria de incorporação entre produto e produtor, depois uma segunda alienação, que é o desprendimento originário da ganância das organizações que pode ser resumida assim: as relações entre acionistas + ganância + diretores. (125) É um fenômeno da sociedade moderna que se dá por desprendimento do titular originário, jogando a responsabilidade para o titular subsequente, que é o diretor, gerente, supervisor etc. O fenômeno da segunda alienação tem a característica de que a decisão nasce sempre de uma coletividade ou grupo, uma decisão institucional. A situação institucional não pode ser nunca igualada à ação individual, por isso a criação de um novo sistema é imperativo.

DAVID BAÍGUN em poucas palavras delineia sua teoria da responsabilidade penal da pessoa jurídica quando leciona que, "nuestra óptica se apoya en una visión diametralmente opuesta. Debemos abandonar la pretensión de recurrir al sistema convencional y elaborar, en cambio, ante el hecho delictivo protagonizado por el ente delictivo, un nuevo esquema com dos vías de imputación: una, que aprehenda la persona jurídica como unidad independiente y otra, que se dirija a las personas físicas que la integran, aplicando en este segundo supuesto el modelo de la teoría tradicional. El punto de arranque de esta construción se apoya en la naturaleza cualitativamente distinta de la acción de la persona jurídica que, por razones de claridad en la nomeclatura, denominamos acción institucional. Es obvio que el ser humano actúa tanto en la ejecución como en la elaboración de la decisión institucional, pero ésta se halla determinada por otras unidades reales: en primeira línea, la que se genera en el ámbito normativo; en segundo jugar, la que nace de la própria organización y, en tercer término, la que se identifica con el interés económico que gobierna las anterioes. El componente individual no queda apartado del objeto de análisis, pero su tratamiento forma parte del que corresponde al entramado de cada una de ellas, es uno de los vectores de la integración de cada unidad". (126)

Uma síntese da teoria baiguniana pode ser assim esboçada, com palavras próprias: a imputação na tipicidade com tipos únicos, tipos comissivos, há uma vontade institucional diferente do dolo individual, é um dolo diferenciado, uma vontade diferenciada. A ação institucional é uma vontade inerente da própria pessoa jurídica, sem a qual ela não poderá continuar a existir, pois, diferente da individual que seus anseios são outros. DAVID BAÍGUN vai falar de elementos normativos com significação jurídica do tipo – que quer afirmar não caber uma argüição do erro de proibição, em face do campo de atuação da pessoa jurídica que é identificado e determinado. No seu pensamento, o que faz resolver o problema da imputação, não havendo erro de significação jurídica. A pessoa jurídica não sofre de elemento jurídico da justificação, nem do estado de necessidade e da legítima defesa. No âmbito da culpabilidade, o entendimento de DAVID BAÍGUN é o de que não cabe falar de culpabilidade, mas sim de responsabilidade social, e estipula dois elementos: atribuídade – (JIMÉNEZ ASÚA e BACIGALUPO) no sentido de imputação; e, exigibilidade – que significa o respeito, valoração do ordenamento jurídico para a sua atuação econômica lícita

Um ponto controvertido que surge é o do sistema de penas. Existindo uma opinião unânime entre os defensores da responsabilidade penal de que deve ser diferente. Com aplicação de multas, suspensão de atividade por tempo determinado, o controle sobre a administração da empresa por determinado tempo, interdição judicial e obrigação de auditoria, desconstituição da pessoa jurídica etc. Ainda há a chamada terceira via, que é a reparação de danos. DAVID BAÍGUN apresenta pensamento contrário a terceira via, por entender do difícil alcance de um resultado como, por exemplo, o caso da bomba atômica. Definitivamente, demonstra ser não aceitável a doutrina da terceira via.

DAVID BAÍBUN alerta para os problemas que surgem numa teoria da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que vai de encontro aos mais recentes estudos de outro pensador argentino, que é ZAFFARONI. Entende que os problemas residem na necessidade real de um Estado competente, que funcione. DAVID BAÍGUN chega a ironizar quando lembra que o Estado não consegue sequer realizar matérias nucleares como: educação, saúde, moradia etc. Faz a defesa da especialização, quando menciona sobre ser necessário um grupo especializado como advogados, promotores, juízes, economistas, sociólogos etc. E lembrando sempre de um Estado sanado, sem corrupção, e fundamentalmente um sistema processual de investigação de autoria, com estrutura processual capaz de realizar um trabalho investigativo dentro do tempo, pois os vestígios somem de uma maneira célere, a autoria institucional desaparece.

SILVINA BACIGALUPO (127) realiza uma profunda investigação do tema responsabilidade penal da pessoa jurídica, enfocando os problemas fundamentais que lhes são apontados como causas de uma não aceitação da penalização, elabora uma proposição de um novo delineamento da responsabilidade penal da pessoa jurídica, com a formulação de requisitos como exigências numa modelo de garantismo penal. Aqui far-se-á apenas algumas incursões na sua tese, mais precisamente no que denominou de presupostos de la responsabilidad penal de las personas jurídicas desde una perspectiva prelegislativa, (128) numa incursão fundamental do que chamou de proposta lege ferenda. (129) Uma tese (proposta legislativa) que propõe uma série de critérios de permissão a imputação de delito às pessoas jurídicas próprias, de forma a satisfazer as necessidades político-criminais numa luta contra a criminalidade de empresa "la aceptación del modelo propuesto facilita notablemente la posibilidad de considerar a lãs personas jurídicas o a los entes colectivos como posibles sujetos del derecho penal". (130)

A proposta de lege ferenda de SILVINA BACIGALUPO traz uma série de questões pertinentes para uma imputação de injusto à pessoa jurídica: "em primer lugar, a quiénes se debe dirigir la ley penal?, a) a qué colectivos?, b) qué vinculación debe existir entre el que actúa y la persona jurídica?, es decir, cuestiones relativas a los destinatarios de la ley penal. Em segundo lugar, cuáles son los presupostos de la responsabilidade?, a) presupostos de la imputación del representante a la persona jurídica, b) cuestiones de personalidad y realización de ‘propia mano’, es decir, los presupostos de la responsabilidad". (131) A pensadora da Escola AUTÓNOMA DE MADRID lembra que sua proposta se amolda a todos os sistemas de responsabilidade penal da pessoa jurídica existentes, com uma inclinação direta aos sistemas que têm como marco a prevenção geral positiva. Os destinatários da lei penal (requisito primeiro), referente a uma política de determinação da individualidade do ente coletivo, o que quer significar uma diferenciação das pessoas jurídicas existentes no ordenamento jurídico. O que envolve previsões de Direito Civil e Direito Comercial, com as figuras jurídicas de direito privado, direito mercantil e direito público.

SILVINA BACIGALUPO faz menção as sociedades em fase de constituição e sociedades de fato, diz que "las sociedades en fase de constitución y las sociedades de hecho deberán ser consideradas sujetos destinatarios de la ley penal toda vez que de hecho se encontren organizadas en forma semejante al de una persona jurídica". (132) Admitindo também uma responsabilidade penal no caso de transformação da sociedade, num entendimento que a transformação não exclui a imposição de uma sanção penal àquela que é considerada nova sociedade, figurando como imperativos o momento da ação se anterior ou não a transformação e a identidade da pessoa coletiva, esta última sob exame do caso concreto.

Após o cumprimento do primeiro requisito, surge, então, os pressupostos de responsabilidade, pressupostos de imputação penal, que figuram como determinantes para um sucesso da responsabilidade penal das pessoas coletivas, assim como de fundamental importância para o magistrado no momento da aplicação da pena. É ponto fundamental, pois, envolve o âmbito de pessoas com capacidade de representação "El âmbito de personas que dentro de la estructura de una sociedad tienen capacidad para representarla juridicamente se encuentra determinada por la ley. En este sentido, se debe considerar con capacidad de respresentación y, por lo tanto, con capacidad de dar lugar a responsabilidad penal las aciones llevadas a cabo por un órgano o un miembro del órgano de representación de las personas jurídicas, por la Junta General directiva de una sociedad sin capacidad jurídica o por un socio con capacidad de representación de una sociedad civil. En este sentido, según lo establecido por la ley, las acciones antijuridicas deben ser cometidas en la ‘esfera de direción’ de una sociedad, puesto que ésta está integrada por los miembros que ostentan capacidad de representación jurídica. En concreto se estabelece lo seguiente". (133)

SILVINA BACIGALUPO expressa uma idéia de determinação da culpabilidade fundada na questão político-criminal de prevenção geral positiva, "una vez establecidos los presupostos de comprobación de la antijuridicidad del hacho, es necesario establecer también los presupostos de la culpabilidad de la persona jurídica. Como ya se ha tenido oportunidad de exponer, un modelo de culpabilidad basada en aspectos de prevención geral positiva facilita notablemente la cuestión. En este sentido, habría que afirmar la existencia de culpabilidad y, por lo tanto, la necesidad de imponer una pena cuando saí lo exija el restablecimiento de la vigencia de la norma". (134)

JEAN PRADEL (135) fala que com o novo Código Penal francês, em vigência desde 1º.03.1994, consagrando a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, perguntou-se tratar de uma evolução ou revolução. "lembramos somente que, ao menos, na França, a doutrina majoritária é favorável a que as pessoas jurídicas possam ser penalmente responsáveis, o que foi, antes de tudo, um elemento que pesou na decisão dos autores do novo Código Penal". (136) Uma questão apontada como fundamental é a da necessidade de dolo/culpa do órgão da pessoa jurídica ou dolo/culpa da própria pessoa jurídica, que surge como espinho da dogmática jurídico-penal, e como fundamento próprio da responsabilidade.

JEAN PRADEL fala da existência de dois sistemas no direito francês: "o elemento subjetivo de uma infração (dolo ou culpa) somente se concebe em uma pessoa física que pode, e somente ela, ter um comportamento reprovável de sorte que a pessoa jurídica, incapaz ela mesma de dolo ou culpa, somente pode ser responsável por reflexo ou ricochete; ou, ao contrário, consideramos que a pessoa jurídica, tendo vida própria, pode cometer um crime mediante culpa ou dolo distintos do elemento subjetivo das pessoas físicas. Enfim, é necessário escolher entre a tese do ricochete da responsabilidade da pessoa física sobre a pessoa jurídica e aquela da culpa distinta do ente jurídico, que teria um comportamento diverso daquele de seu dirigente". (137)

O entendimento de JEAN PRADEL é o de que o Código Penal francês recepciona a tese (primeira) da culpabilidade da pessoa humana, o que faz entender que a pessoa jurídica recebe uma culpabilidade por reflexo. A disposição contida do art. 121-2 (138) do Código Penal francês, consagra a tese do ricochete, assim se apura a culpabilidade da pessoa jurídica. Na doutrina de JEAN PRADEL se discute, ainda, três outras questões: "a) incidência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade beneficiando a pessoa física; b) sentido a se dar à expressão ‘por sua conta’; e, c) efeitos da dissolução ou de uma mudança de estatuto da pessoa jurídica após o cometimento da infração". (139)

Quanto a primeira, envolvendo exclusão de ilicitude e culpabilidade, JEAN PRADEL fala que existe "uma corrente doutrinária que entende que um ente jurídico poderá ser condenado mesmo que seu dirigente tenha sido declarado irresponsável e em apoio à sua tese ela cita dois exemplos: veja-se, primeiro, o caso de uma estação de depuração de uma comuna que conduziu à poluição de um rio, porque as finanças municipais não permitiram a sua manutenção conveniente; o prefeito não pode ser condenado porque, para ele, esta situação se constituiria em caso de coação irresistível, em virtude da exigüidade das finanças municipais. Segundo exemplo: a absolvição de um diretor, acometido de graves problemas mentais, não impede a condenação da pessoa jurídica que não foi diligente ao ter conservado ao posto diretivo um doente mental". (140)

O posicionamento adotado por JEAN PRADEL é o de que a questão encontra resolução em si mesma, pois, trata-se de um problema genérico da escolha entre dolo/culpa, já que a pessoa jurídica é responsabilizada juntamente com o seu responsável estatutário, no caso deste está sob a égide de uma exclusão de ilicitude, logo ela também será atingida.

Quanto a segunda, a expressão ‘por sua conta’ contida no art. 121-2 como forma de responsabilização é dessecada por JEAN PRADEL em três situações distintas e com o apontamento da situação adequada: "a) para simplificar as coisas, é preciso primeiramente indicar os três casos que são manifestamente estranhos à expressa por sua conta da pessoa jurídica. Se, inicialmente o órgão ou representante age em seu único interesse ou no interesse de um terceiro, a pessoa jurídica não pode ser responsável, podendo mesmo ser vítima; veja-se, por exemplo, o dirigente de uma sociedade que desvia fundos em seu proveito próprio ou em proveito de terceiro. A solução é a mesma em um segundo caso: aquele do dirigente que age no interesse de uma minoria dos membros da pessoa jurídica ou no interesse dos empregados, e não no interesse do ente jurídico em geral. A terceira hipótese de não implicação da pessoa jurídica é aquela em que a pessoa física agiu no interesse geral, no interesse do Estado; b) em outros casos, ao contrário, a pessoa jurídica será implicada porque a infração foi cometida por sua conta. Neste sentido, o caráter bastante vago da expressão levou a doutrina a dizer que é preciso não se perder em conjecturas sobre a interpretação desta condição, pois as situações de responsabilização da pessoa jurídica são muito diversas". (141)

Quanto a terceira e última, versando sobre dissolução ou mudança de estatuto da pessoa jurídica, que envolve um fator fundamental para resolução da problemática que é momento da ação, JEAN PRADEL com base no art. 1844-8 do Código Civil francês, expressa o entendimento de que na hipótese do momento da ação ter ocorrido após a dissolução da pessoa jurídica não há interesse de processá-la, já que segundo as regras do diploma civil francês a dissolução ocasiona em liquidação. Já na hipótese da conduta ter sido realizada antes da dissolução, o interesse do Ministério Público processa-la sofre uma diminuição pela previsão do art. 133-1 do diploma penal francês, que determina uma paralisação da execução penal, prevendo exceção para aplicação algumas penas como, por exemplo, multa, custas judiciais e, eventualmente, confisco de seus bens.

Restando, portanto, como interesse a questão da mudança estatutária. Diz JEAN PRADEL que, "esta modificação pode primeiramente ser moderada: a pessoa jurídica muda de estrutura jurídica. Uma sociedade anônima se transforma em sociedade de responsabilidade limitada ou vice versa. Esta pessoa jurídica continua subsistindo. Como expressa o art. 1844-3 CC, a transformação regular de uma sociedade em uma sociedade de outra forma não leva à criação de uma nova pessoa jurídica. Há o mesmo com a prorrogação ou qualquer outra modificação estatutária. A substância da pessoa jurídica subsistindo, nada impedirá, por exemplo, de processar a sociedade de responsabilidade limitada por uma infração recentemente cometida pela sociedade anônima. Não poderíamos admitir que, através do viés de uma mudança estatutária da pessoa jurídica, seus dirigentes pudessem riscar com um traço de caneta o passado penal desta pessoa jurídica". (142)

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Sobre o autor
Luciano Nascimento Silva

professor universitário, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal), bolsista de Graduação e Mestrado da FAPESP e de Doutorado da CAPES, pesquisador em Criminologia e Direito Criminal no Max Planck Institut für ausländisches und internationales Strafrecht – Freiburg in Breisgau (Alemanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luciano Nascimento. O Direito Penal Econômico como Direito Penal da Empresa.: O dualismo jurídico-criminal: "societas delinquere non potest" vs. "societas delinquere potest". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 608, 8 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6415. Acesso em: 20 mai. 2024.

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