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Videoconferência no processo penal

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12/02/2005 às 00:00
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3. A videoconferência criminal pelo mundo

Nos últimos cinco anos, vários países inseriram em suas legislações dispositivos que permitem a utilização de sistemas de videoconferência para a produção de provas judiciais, tanto em ações civis, como em ações penais.

Em grande parte, as previsões normativas dizem respeito à coleta de depoimentos de réus já condenados, que são interrogados à distância, com o uso de vídeo-links instalados nas dependências dos estabelecimentos prisionais, ou a utilização da teleconferência para a tomada de depoimentos de vítimas de crimes sexuais ou de vítimas e acusados sujeitos a medidas de proteção.

Nos Estados Unidos da América, tanto a legislação processual federal quanto as de muitos dos 50 estados-federados permitem a utilização de videoconferência em ações criminais.

Já a partir de 1983, passou-se a adotar o sistema de vídeo-links para a coleta de depoimentos de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, de modo a evitar o traumático confrontamento do ofendido, com o ofensor, numa sala de audiência. Um dos primeiros casos em que isto ocorreu foi sem dúvida o do terrorista apelidado de Unabomber.

De fato, em 1996, após ser preso no Estado de Montana, o professor

Theodore Kaczynski, o Unabomber, foi levado para o Estado da Califórnia, onde responderia a várias acusações de terrorismo. Concomitantemente, foi aberta contra ele uma ação penal por um homicídio [4], ocorrido em 1994, em Newark, no Estado de Nova Jersey, do lado oposto do país. Como é de se imaginar, o transporte desse réu, de um extremo a outro do continente norte-americano, exigiria a mobilização de uma expressiva soma de recursos e de um elevado contingente de US Marshals [5]. Em virtude de tais dificuldades e do risco que o deslocamento representava, optou-se pela realização da audiência criminal, por meio de videoconferência, de costa a costa [6].

No Reino Unido, desde 2003, a Lei Geral sobre Cooperação Internacional em Matéria Penal [7], ampliou as hipóteses de coleta de provas por via remota, já previstas no art. 32 da Lei de Justiça Criminal (Criminal Justice Act), de 1998, e no art. 273 da Lei Processual Penal da Escócia (Criminal Procedure Scotland Act), de 1995 [8].

A nova regulamentação, mais abrangente, está nos artigos (sections) 29, 30 e 31 da Lei Geral de Cooperação Internacional em Matéria Penal e permite que testemunhas na Inglaterra, na Escócia, na Irlanda do Norte ou no País de Gales sejam ouvidas por áudio e videoconferência, por autoridades de outros países, e vice-versa.

Na Espanha, a Lei de Proteção a Testemunhas (Ley de Protección a Testigos), a Lei Orgânica do Poder Judiciário (Ley Orgánica del Poder Judicial) e o Código de Processo Penal (Ley de Enjuiciamiento Criminal), permitem a tomada de depoimentos por videoconferência na jurisdição criminal, especialmente para garantir que vítimas protegidas não sejam vistas e/ou ameaçadas pelos acusados.

As alterações introduzidas na legislação espanhola para permitir a teleaudiência criminal decorreram da Lei Orgânica n. 13, de 24 de outubro de 2003, publicada no Boletín Oficial del Estado em 27 de outubro do mesmo ano. Este diploma reformou a Ley de Enjuiciamiento Criminal em matéria de prisão cautelar e introduziu a regulamentação do uso da videoconferência, reformando para este fim a Ley Orgánica del Poder Judicial, ao incorporar um novo parágrafo 3º, ao artigo 229 dessa norma (Lei Orgânica n. 6, de 1º de julho de 1985).

Pela legislação processual penal ibérica, o juiz criminal, considerando razões de ordem pública, segurança ou utilidade, pode lançar mão do sistema de videoconferência para a inquirição de acusados, testemunhas e peritos.

Na França, o art. 706-71 do Código de Processo Penal (Code de Procedure Penale), introduzido pela Lei n. 1062, de 15 de novembro de 2001, dispõe sobre a utilização de meios de telecomunicação no curso do procedimento criminal, para a coleta de depoimentos de testemunhas, o interrogatório de acusados, a acareação de pessoas e a concretização de medidas de cooperação internacional.

No âmbito das Organizações das Nações Unidas (ONU), não há dúvida dos benefícios que a adoção do sistema de videoconferência pode trazer para a produção de provas processuais penais em todo o mundo, especialmente para o combate à criminalidade transnacional.

A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de dezembro de 2003 (Convenção de Mérida), prevê a utilização da videoconferência para tomada de depoimentos de réus colaboradores, testemunhas e vítimas. De fato, nos artigos 32, §2º, e 46, §18, da Convenção de Mérida, há previsão expressa do uso de videoconferência para coleta de depoimentos de réus colaboradores, vítimas, testemunhas e peritos, assim como para a produção de prova processual penal, em procedimentos de cooperação jurídica internacional.

Outro tratado internacional recente, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), que entrou em vigor em setembro de 2003, já previa a utilização de videoconferência em hipóteses semelhantes. É o caso do art. 24, §2º, ‘b’.

Na União Européia, o Tratado de Assistência Judicial em Matéria Penal [9], assinado em Bruxelas em 29 de maio de 2000, autoriza a realização de audiências criminais para a ouvida de réus (mediante seu consentimento), testemunhas e peritos por sistemas de comunicação audiovisual à distância. A convenção aplica-se no espaço jurídico europeu, que hoje congrega vinte e cinco Estados-membros. O artigo 10 dessa convenção dispõe sobre o tema. [10]

O Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia, com sede em Haia, na Holanda, desde sua instalação vem admitindo a oitiva de testemunhas e peritos por videoconferência. Tal se deu no julgamento do bósnio de origem sérvia, Dusko Tadic. O vídeo-link para ouvida de oito testemunhas da defesa transmitiu os depoimentos a partir de Banja Luka, na Bósnia, de 15 a 18 de outubro de 2002. A inquirição foi realizada pelo advogado Michail Wladimiroff e pelos promotores Grant Niemann e Brenda Hollis [11]. Anteriormente, o sistema havia sido utilizado no mesmo caso.


4. Teleaudiência criminal no Brasil

Embora ainda não haja previsão expressa de tal possibilidade no Código de Processo Penal, lei da década de 1940, o nosso ordenamento já prevê hipóteses de utilização do sistema, tanto no nível infralegal (como é o caso das resoluções e portarias de tribunais), quanto no nível legal. Exemplo desta última espécie é o Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004

[12], que introduziu no Brasil a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo [13].

O art. 18, §18, e o art. 24, §2º, alínea ‘b’, desse tratado instituem o uso de videoconferência, entre outras medidas destinas à proteção de testemunhas e a facilitar a cooperação internacional para combate à criminalidade organizada.

Observe-se que, embora se trate de norma de caráter internacional, após a aprovação congressual e a expedição do decreto presidencial, ocorre o fenômeno da integração normativa no plano doméstico, passando a norma convencional a valer como lei federal ordinária no Brasil.

Assim, no campo internacional, o Estado brasileiro se obrigou a instituir legislação nacional que permita às testemunhas e peritos depor "com recurso a meios técnicos de comunicação, como ligações de vídeo ou outros meios adequados".

Daí concluir-se que, para se desincumbir da obrigação que contraiu no plano externo, a União deverá legislar sobre a matéria, introduzindo o sistema de teleaudiência criminal no processo penal brasileiro, de modo a propiciar a inteira execução da Convenção de Palermo.

Malgrado a forte oposição principalmente de associações de advogados, são inúmeras as experiências, Brasil a fora, de utilização válida e regular de sistemas de teleconferência no processo criminal.

O Tribunal de Justiça da Paraíba já pôs em funcionamento nas Vara das Execuções Penais de João Pessoa um sistema de teledepoimentos. O link entre as varas e a Penitenciária do Roger permite aos juízes das execuções realizar o interrogatório de condenados, por meio de videoconferência.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, um dos mais progressistas do País, regulamentou o interrogatório de réus por videoconferência, por meio do Provimento n. 5, de 20 de junho de 2003, expedido pela Corregedoria-Geral. O procedimento foi previsto no artigo 276.

O TRF da 4ª Região também tem realizado sessões por meio de videoconferência. As duas turmas criminais do tribunal, a 7ª e a 8ª, já se reuniram desta forma, em sessão conjunta. A primeira sessão virtual do TRF-4 ocorreu em 16 de outubro de 2003, sob a presidência da desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, com a presença da procuradora regional da República Carla Veríssimo de Carli, representando o Ministério Público Federal.

Outra experiência bem sucedida na região Sul do Brasil, tem sido a de utilização de videoconferência nas sustentações orais perante as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais e na Turma de Uniformização de Jurisprudência (TUJ).

A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (TUJ Nacional), que funciona junto ao Conselho da Justiça Federal, em Brasília, também pode realizar sessões virtuais, assegurando-se o princípio da ampla publicidade. Cada um dos membros da Turma pode participar das reuniões sem necessidade de deslocamento, permitindo-se também a realização de sustentações orais a partir das sedes dos Tribunais Regionais Federais em cinco capitais do Brasil. A matéria está regulada nos arts. 3º e 25 da Resolução n. 330, de 5 de setembro de 2003, do Conselho da Justiça Federal, órgão com sede em Brasília.

Todas essas medidas foram implementadas graças à previsão do arts. 8º, §2º, e 14, §3º, da Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Federais.

Destarte, observa-se que, mesmo não havendo ainda lei federal dispondo sobre o tema, são cada vez mais freqüentes e disseminados os casos de adoção do sistema de videoconferência para a produção de provas criminais, ainda antes da aprovação de uma lei processual específica.

Em levantamento realizado em 2004, havia oito iniciativas legislativas tramitando no Poder Legislativo federal a respeito do tema. A principal delas é o projeto n. 1.233/99, do deputado Luiz Antônio Fleury, que possibilita o interrogatório e a audiência a distância, por meios telemáticos.

A principal modificação proposta pelo projeto Fleury visa ao art. 185 do CPP, cujo parágrafo único poderá passar a dispor que "Se o acusado estiver preso, o interrogatório e audiência poderão ser feitos à distancia, por meio telemático que forneça som e imagem ao vivo, bem como um canal reservado de comunicação entre o réu e seu defensor ou curador".

Vida efêmera teve o art. 6º da Medida Provisória n. 28, de 4 de fevereiro de 2002, que dispunha sobre normas gerais de direito penitenciário e dava outras providências. Esse diploma previa o uso de videoconferência no sistema prisional. Todavia, essa medida foi rejeitada pela Câmara dos Deputados em 17 de abril de 2002, em função do obstáculo formal previsto no art. 62, §1º, inciso I, ‘b’, da CF, que proíbe a edição de medidas provisórias sobre direito penal e processual penal.


5. Conclusão

A experiência internacional demonstra e a lógica evidencia: a adoção do sistema de videoconferência para a coleta de provas durante a instrução criminal otimiza e acelera a prestação jurisdicional, pela eliminação da expedição de cartas precatórias, cartas de ordem e cartas rogatórias, além de beneficiar o erário público, poupando recursos hoje despendidos com atividades de escolta e transporte de presos.

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A videoconferência é um instrumento, e não o objeto da prova processual penal. Ou seja, o juízo obterá a prova testemunhal ou pericial através do sistema audiovisual. A teleconferência tem assim natureza auxiliar, não constituindo meio de prova, salvo quando ocorra gravação do evento, para utilização posterior na própria ação penal ou na fase recursal, como prova para memória futura.

Embora haja certas desvantagens no procedimento, como a possibilidade de interrupções da transmissão por falhas técnicas e a perda de contato físico [14] entre os sujeitos processuais, é preciso perceber que os mecanismos tecnológicos permitem grande grau de detalhe nas transmissões. Pequenas reações corporais e faciais e tênues variações da voz podem ser captadas e transmitidas pelas mídias mais modernas. Não há assim razão para temer a impossibilidade de feedback entre o juiz e o interrogado, nos sistemas de videoconferência, cujas vantagens são predominantes, pois:

a)evita deslocamentos de réus, peritos, testemunhas e vítimas a grandes distâncias, com economia de tempo e recursos materiais;

b)evita o cancelamento de audiências em função de características particulares (pessoais e profissionais) das testemunhas, como, p.ex., enfermidades;

c)aumenta a segurança pública, diminuindo o risco de fugas e de resgate de presos perigosos;

d)economiza recursos públicos hoje empregados na escolta e no transporte de presos;

e)permite que policiais civis, militares e federais e também agentes penitenciários atuem em outras missões de segurança pública e de investigação, sem perda de tempo útil em escoltas;

f)acelera a tramitação dos feitos judiciais, eliminando cartas precatórias, cartas rogatórias e cartas de ordem;

g)poupa o trabalho de juízes deprecados e rogados e de seus auxiliares;

h)facilita a obtenção de prova em tratados de cooperação internacional;

i)propicia contato direto das partes e dos advogados com a prova que seria produzida por precatória, por rogatória ou por carta de ordem;

j)privilegia os princípios do juiz natural e do promotor natural e o princípio da imediação;

k)aproxima o processo penal do princípio da identidade física do juiz, porquanto podem ser preservadas provas para memória futura a serem utilizadas pelo juiz processante, qualquer que seja ele;

l)favorece o contato direto do réu (preso ou solto) com o seu juiz, em situações em que isto dificilmente ocorreria;

m)contribui para facilitar a tomada de depoimentos de vítimas de crimes violentos e de vítimas, testemunhas e réus colaboradores, impedindo o confrontamento destes com os acusados;

n)incrementa o princípio da publicidade geral, permitindo o acesso aos atos judiciais a qualquer do povo, pela Internet ou por outro sistema;

o)otimiza o tempo de advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público;

p)evita prejuízos para a acusação e a defesa, no processo penal, quando da coleta de depoimentos por precatória, quando os atos são acompanhados por membros do Ministério Público designados e por defensores ad hoc, que pouco sabem sobre detalhes do feito e as estratégias e teses do caso concreto;

q)poupa recursos de réus, evitando gastos com diárias e viagens de seus defensores;

r)os sistemas de zoom das câmeras mais modernas permitem tal grau de aproximação do objeto focado, que é possível identificar gestos e expressões fisionômicas do acusado ou da testemunha, que não seriam perceptíveis a olho nu.

Enfim, se uma só vantagem bastasse, poderíamos frisar que o sistema de teleaudiência, além de não prejudicar nenhum direito do réu, facilita a vida de juízes, advogados, membros do Ministério Público, vítimas, testemunhas e peritos e mesmo de acusados que não residam no foro onde deverá ocorrer o ato de instrução processual, redundando em economia de recursos financeiros, públicos e privados.

É falsa a idéia de que a audiência criminal por vídeo-link prejudica o direito à ampla defesa. Quando utilizado corretamente e com os equipamentos mais avançados, o sistema de videoconferência contribui para preservar o princípio da imediação e em alguns casos representa a única possibilidade viável de "comparecimento" (presença eletrônica) do acusado perante o seu julgador.

Desde que se assegure a fluência dos quadros de vídeo; a nitidez das imagens com possibilidade de zoom; o uso de telas amplas de alta definição; a clareza do áudio; o sincronismo áudio-vídeo, de modo a impedir delays, interrupções ou perda de dados; o controle da câmera remota pelo magistrado; um canal reservado de voz para a defesa; scanner e impressora em rede para a transmissão de documentos, entre outros equipamentos, não há razão para temer a videoconferência criminal. O conteúdo transmitido pela rede pode ser acessado por qualquer pessoa, garantindo a publicidade do ato judicial. Possibilita-se a gravação dos eventos para memória futura, com uso processual na própria instância ou no grau recursal, ou em exibições em plenário do júri, tudo de modo a predominância do interesse público e da verdade real, com pleno respeito às garantias individuais no processo penal.

Existem inúmeras formas de minorar ou mesmo eliminar completamente os problemas do interrogatório remoto. Em primeiro lugar, o acompanhamento por advogado ou defensor público e por um oficial de justiça, tanto na companhia física do acusado quanto ao lado do juiz, é um fator que minora sobremaneira muitas das objeções listadas. Depois, é preciso contar com o papel de custos legis do Ministério Público, que não é instituição de acusação, mas sim de promoção da justiça, cabendo-lhe velar pelos direitos individuais indisponíveis do réu, relativos ao processo penal. Veja-se ainda que os interrogatórios podem realizar-se em salas especiais das penitenciárias, com acesso controlado, como em qualquer audiência judicial. Por fim, as razões de segurança, economia de recursos e rapidez dos procedimentos são importantes e devem ser consideradas.

Demais disso, as experiências do direito comparado precisam ser examinadas. Em quase todas as nações da União Européia, há possibilidade de ouvida de testemunhas e peritos à distância, mesmo quando estes encontrem-se noutros países. Esta providência elimina a utilização das burocráticas cartas rogatórias, contribuindo para uma justiça mais rápida, preocupação sempre presente nas lições doutrinárias e nos acórdãos dos tribunais.

Toda essa polêmica cessará quando o legislador federal dispuser plenamente sobre a matéria, na esteira do que já está normatizado no Decreto n. 5.0515/2004, de modo a regulamentar o uso da videoconferência para a realização de teleinterrogatórios, teledepoimentos, telerreconhecimentos, telecomparecimentos, telessustentações e telessessões, tanto pelo Judiciário, quanto pelo Ministério Público e pela Polícia. Enquanto legislação não vem, cabe aos tribunais brasileiros, preenchendo as lacunas do sistema, fazer o direito progredir, sem prejuízo dos direitos e garantias individuais. É o que vem ocorrendo.

Mediante uma interpretação sistemática da Constituição Federal, do Código de Processo Penal [15], da Lei n. 10.259/2001, do Decreto n. 5.015/2004 e de resoluções tribunalícias, entendemos que é possível a utilização ampla, no processo penal brasileiro, de instrumentos de videoconferência. Recentes decisões de tribunais nacionais têm afirmado a validade de teleinterrogatórios e teledepoimentos realizados em várias partes do País. A posição que tem predominado, sem dúvida, é a que admite o procedimento tecnológico, dentro de critérios de razoabilidade e de ponderação de interesses, sempre assegurando-se os direitos à ampla defesa e ao contraditório.

Como quer que seja, no atual momento normativo, é mais prudente que o juiz processante opte pela anuência em lugar do império. Se houver consenso prévio, o ato judicial remoto poderá se realizado pelo juiz, sem qualquer risco processual. Não havendo prejuízo ao réu ou qualquer outra nulidade circunstancial, o teleinterrogatório será válido. Ainda que não haja concordância prévia do réu em ser assim interrogado, o ato será legítimo, se não houver irresignação posterior pela defesa, que logre demonstrar a existência de gravame ou o não atendimento da finalidade do ato.

Como se vê, a partir de uma simples palavra, "presença", e do singelo verbo "comparecer", os juristas conseguem construir todo um edifício de polêmicas e querelas. A interconexão das pessoas, facilitada pela convergência tecnológica e pela telemática, não encontra igual na história da humanidade. O ciberespaço é um conceito inteiramente novo que traduz uma realidade inimaginável há pouco mais de cinqüenta anos, mesmo para visionários como William Gibson ou Isaac Asimov. É hora de rever conceitos e assimilar as novas situações propiciadas pelas tecnologias da informação. Interagir, mesmo à distância, é a regra na sociedade cibernética.

"Estar presente" hoje não significa apenas estar no mesmo ambiente físico. Há algo mais num panorama em que as linhas do horizonte a cada dia mais se ampliam. A presença virtual é também um "estar aqui" real. O ciberespaço permeia todos os ambientes do planeta onde exista um computador, um telefone celular, um pager ou um equipamento eletrônico de comunicação. Afinal, como ensinou o inigualável Albert Einstein, os conceitos de tempo e espaço são relativos. No mundo cibernético, "estar aqui" é também "estar aí" e "estar lá".

Enfim, é hora de olhar para frente e não repetir erros do passado. Registra a crônica forense a polêmica que se deu nos anos 1920, quando começaram a ser adquiridas as primeiras máquinas datilográficas para uso judicial no Brasil. Conta-se que alguns juristas de então eram contrários a esses singelos aparelhos de escrever, que hoje caíram em desuso. Os doutores da época, ciosos de princípios jurídicos só por eles vislumbrados, alertavam para o risco da redação de sentenças com máquinas deste tipo, porque, alegavam, com elas não havia segurança da autoria dos atos judiciais. Felizmente, ninguém deu ouvidos a esses senhores da lei e hoje já podemos usar computadores


Notas

1 Direitos que caracterizam o contraditório.

2 A defesa alegou a ocorrência de nulidade, por violação ao contraditório, devido processo legal e ampla defesa, no interrogatório do réu, tomado por videonconferência em 22 de maio de 2003. O habeas corpus n. 428.580-3/8-00, impetrado perante o TJ/SP foi negado pela 1ª Câmara Criminal, e adveio o RHC ao STJ, também não concedido.

3 Aliás, este dispositivo revela que o comparecimento pessoal do réu não é sempre obrigatório, podendo ele fazer-se substituir por advogado constituído.

4US vs. Theodore John Kaczynski, ação por violação aos artigos 844, 924 e 1716, do título 18 do US Code, perante Corte Federal do Distrito de Nova Jersey.

5 Agentes federais encarregados da escolta e captura de presos, entre outras atividades. Criada em 1789, o US Marshals Service é a agência criminal mais antiga dos EUA. Fonte: http://www.usdoj.gov/marshals.

6 Fonte: www.courttv.com

7 Crime (International Co-operation) Act 2003, Chapter 3.

8 www.legislation.hmso.gov.uk/acts/acts2003/20030032.htm

9 Denominada em Portugal como "Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Européia".

10 http://www.gddc.pt/cooperacao/materia-penal/textos-mpenal/ue/rar63_2001.html

11 Fonte: www.courttv.com

12 O decreto que introduz tratado internacional é integrado no Brasil como lei federal.

13 Embora tenha sido adotada em Nova Iorque, em 15 de dezembro de 2000.

14 Mas não do contato audiovisual.

15 Especialmente, o art.3º do CPP.

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Sobre o autor
Vladimir Aras

Professor Assistente de Processo Penal da UFBA. Mestre em Direito Público (UFPE). Professor da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Procurador da República na Bahia (MPF). Membro Fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAS, Vladimir. Videoconferência no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 585, 12 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6311. Acesso em: 5 mai. 2024.

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