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O Brasil na nova ordem política e social

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01/10/2000 às 00:00
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III – A INTEGRAÇÃO DO BRASIL

A integração do Brasil ao mercado internacional, a ser levada a efeito pela compreensão eqüitativa da sociedade neste processo, é o grande desafio atual e para os próximos anos.

Muitos dos problemas a serem enfrentados são comuns aos demais NICs da América do Sul: será necessário promover o fortalecimento das bases econômico sociais da democracia, bem como o fortalecimento das bases políticas de desenvolvimento; para tanto será necessário que haja um projeto nacional para o qual ainda existem problemas específicos: a inexistência de referencial de valores sociais e falta de governabilidade estratégica (14).

Para a viabilidade de um novo projeto nacional alguns elementos são emergentes: a formação da idéia de parceria, em substituição à onipresença do Estado, e em substituição à visão patriarcalista com que se dá o relacionamento Estado-sociedade atualmente e desde muito tempo; a implementação de um novo modelo econômico, baseado na integração, aceleração científica e tecnológica, por meio de investimento maciço, central, em capital humano, através de uma proposta de educação para a modernidade (15).

Faz-se necessário superar a década perdida (conquanto se argumente que a década não foi perdida para o Brasil, pois nela se construiu uma democracia de massas no país (16)) e para tanto o caminho seria a substituição do modelo científico tecnológico (Linear) pela interação entre economia e sociedade (Modelo Abrangente).

Reis Velloso aponta as novas bases para alcançar-se a competitividade internacional: o abandono de maniqueismos como economia outward X inward-oriented ou neoliberalismo X intervencionismo, para se aproveitar o que há de melhor em cada um dos modelos; o desenvolvimento intensivo do capital humano; o estabelecimento de relações macroeconômicas globais; desenvolvimento interativo de: a) acumulação (learning-by-doing + learning-by-using + learning-by-interacting), b) aglomeração (upgrading de fatores – geográfica ou setorialmente), c) sinergias [ (público+privado) + (produção+ pesquisa)] + (nacional+internacional), d) externalidades (linkages).

Os riscos para os NICs e o seu potencial para a competitividade internacional sob o novo paradigma se interligam: poderão vencer a barreira se dominarem o paradigma e se elevarem o nível da mão-de-obra, não poderão perder a oportunidade que no momento se apresenta, e deverão se inserir na enorme velocidade dos fluxos mais importantes: dinheiro, informações, conhecimento.

Ao Brasil, ainda segundo Reis Velloso (17), cumprirá, para realizar as conexões estratégicas necessárias à integração ao paradigma da nova ordem, uma série de providências: para a reestruturação industrial – construção de base internacional em informática, telecomunicações e management, desenvolvimento de novas vantagens dinâmicas comparativas, consolidação das já existentes (por exemplo: tecnologia de exploração de petróleo em plataforma, automação bancária, barragens hidrelétricas), melhoria da competitividade na industria de bens de consumo de massa; para aceleração do progresso técnico-científico – considerar-se com maior cuidado a crescente preponderância de software (lato senso) sobre o hardware, e aproveitar melhor o creative catching-up; para a implementação da educação para a modernidade – definir um projeto educacional nacional, equilibrar as diferentes visões educacionais (humanista, cidadã, desenvolvimentista etc.), discutir os modelos neo-sofista, platônico e o humanista "light" de modo a que o sistema educacional se adeqüe à sua função mais importante: transmissão dos códigos de modernidade; para que se estabeleça uma efetiva conexão com as matrizes externas de conhecimento; para consolidar a conexão com o sistema político-institucional.

O Brasil, entretanto, foi até agora o mais perfeito exemplo de acumulação excludente (18), e o combate à pobreza constitui tanto um imperativo ético, no dizer de R. C. de Albuquerque (19), quanto condição sine qua non para o próprio desenvolvimento nacional.

Este é o grande desafio para o Brasil: integrar esta importante parcela de sua comunidade que até agora permaneceu excluída; integrá-la como produtiva num sistema industrial e de serviços sofisticado, como consumidora num mercado amplo e diversificado, como cidadã numa sociedade pluralista, como pensante em um mundo de idéias. É importante fazermos chegar a todo o sistema produtivo nacional e a todos os segmentos da sociedade as mudanças que já afetam como um todo a economia mundial: a dissociação entre a produção primária e a economia industrial, a diminuição do emprego na área industrial sem redução da oferta agregada de trabalho e, por fim, o desvinculamento entre os fluxos de bens e capitais no mercado internacional (20).

O mundo mudou, mudou muito mais que o mapa político de uma parte da Europa. Mudaram as dinâmicas do mercado, as demandas já não são as mesmas de uma ou duas décadas. Muitas previsões catastrofistas já se dissolveram completamente. É necessário que se tenha no Brasil uma real dimensão desta transformação. Mas que esta dimensão seja alcançada por uma parcela realmente significativa da população que, no momento, ainda tem demandas características de décadas ou mesmo de um século passado.

Uma das formas de se retirar o país e seu povo desta letargia em que ainda, em grande parte, se encontra é realmente fazer com que o nível de expectativas da população como um todo, principalmente os segmentos menos favorecidos, cresça. Aumentar a pressão de demanda. E redirigir a demanda de acordo com as ofertas do mercado internacional moderno. E tudo isso dentro dos novos componentes deste novo e sofisticado mercado do mundo da nova ordem.


IV – O MERCADO DA NOVA ORDEM MUNDIAL

O que tenho ao longo de todo este trabalho chamado mercado é o conjunto de ofertas e demandas em três áreas específicas mas nem sempre dissociáveis: política, econômica e social. Se em uma destas áreas a oferta ou a demanda tenderem a zero, inexiste ali o mercado. As demandas políticas (exemplificando, que é mais fácil que definir) são aquelas por participação no processo decisório, na escolha de dirigentes; as econômicas são aquelas por determinados níveis de renda, por acesso ao trabalho, por participação nos lucros, por capitais; as sociais são aquelas por segurança coletiva e privada, por seguridade social, por acesso aos bens coletivos. Mas muitas vezes estes campos não são estanques, pois uma das vias do processamento de uma demanda social ou econômica é pela a política; outros ordenamentos são possíveis. É por isso que considero que, para o efeito da superficialidade com que se está abordando cada um aspecto, pode-se aqui considerar a demanda e a oferta destas três áreas agregadamente. Considero mesmo que quase sempre se canaliza uma demanda por mais de um canal simultaneamente.

O que importa observar é que houve recentemente uma profunda modificação (e ampliação) nas ofertas deste mercado, em termos globais, e que as demandas se transformaram fundamentalmente.

Do ponto de vista político passou a haver uma oferta muito mais importante de participação, em que se considere que a grande maioria dos países hoje apresenta quadros mais ou menos próximos de democracias pluralista, ou pelo menos bem distantes de sistemas totalitários ou regimes burocrático-militares vigorantes a partir de uma década e antes disso. E nestes casos, de democratização recente, em geral uma das mais importantes demandas passou a ser a da consolidação democrática (21), a manutenção das ofertas de participação nos níveis já alcançados ou em níveis ainda melhores. Estas demandas vão ainda na direção de institucionalização de pactos e outros mecanismos autônomos de estratégias eficazes para contornar os conflitos existentes nas democracias (22). Mas, de um modo geral, no mundo de hoje, se aceita muito mais a dúvida característica do processo decisório democrático (23) como um componente de incerteza num mercado onde não se pode ganhar sempre, e este aspecto é ainda diferente do que ocorria a não muitos anos, em termos globais, em muitos lugares particularmente, e entre nós inclusive. E o que é melhor, têm-se aceito mais e mais as instituições como fórum para processamento das incertezas democráticas.

Do ponto de vista social, tendo surgido demandas diferentes, o mais notável entretanto é que estas demandas têm sido processadas de formas muitas vezes diferentes das que seriam habituais a alguns anos. A via institucional é uma constante, mas nem sempre a via governamental é a escolhida (24). Muitas vezes demandas sociais contrariam interesses econômicos e políticos muitos fortes, e têm, não obstante sido atendidas. A correlação de forças entre os componentes político econômico e social se tornou mais equilibrada, no meu entender, ou, no mínimo, menos desigual.

Voltando a um ponto que já mencionei, considero que o equilíbrio está mais próximo de ser encontrado entre competição e cooperação, em outros termos, entre "solidariedade" e "interesses" (25). E este equilíbrio se dá no mercado, ou seja, a cooperação, ainda que conceitualmente possa se opor à competição, existe no mercado e o integra como componente de contrabalanceamento, limitando a esfera da racionalidade econômica pura e contribuindo para a consolidação de um mercado socializado.

Este equilíbrio está sendo processado em todas as esferas sociais, desde entre as relações entre Estados e entre blocos, quanto no nível das relações pessoais.


V – PROBLEMAS PARA O BRASIL

Um elemento importante na consideração analítica de um Estado é sua eficiência quanto à capacidade das instituições manterem o mercado em funcionamento (26), ou seja, que nenhuma demanda ou oferta tenda a zero.

Eficiência de um Estado é sua governabilidade, capacidade de obter resultado em suas políticas e intencionalidades. Eficiência também pode, sob a ótica liberal, ser o Estado interferir o mínimo possível no mercado, pois este dispõe de uma série de formas de funcionamento que muitas vezes prescindem completamente da interferência do Estado.

O problema para o Brasil, sobre este enfoque, é que face o problema constitucional brasileiro (mencionemos a questão fiscal, divisão de poderes, sistema e regime como exemplo), o Estado não se tem mostrado apto coordenar o mercado. Toda interferência tem parecido inepta. Toda vez que o Estado brasileiro se abstém de interferir é acusado de omisso. Não há uma definição exata do tipo de Estado desejado, não se compreende quais sãos as competências que a sociedade quer delegar ao Estado e quais quer chamar a si.

Como o problema da indefinição de metas, papeis e estratégias não se limita à esfera do governo, mas se estende pela totalidade das instituições, os mecanismos de automatismo do mercado não funcionam ou não o fazem a contento.

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Não são feitos pactos pois não há quem os faça funcionar. Não se determinam direções, pois não se sabe exatamente o que se pretende.


VI – CONCLUSÃO

Adequar as instituições nacionais ao mercado, significará fazer, em primeiro lugar, com que elas saibam a que vêm. Que conheçam seu papel.

Optar por um Estado com essa ou aquela característica e função, numa democracia, é papel da sociedade. O nosso maior problema será, neste aspecto, fazer com que parcelas importantes de nossa sociedade, que no momento estão completamente excluídos do mercado, venham a participar dele, para que um eventual projeto nacional, possa contar com esta parcela da população que, enquanto excluída, deslegitima qualquer tentativa neste sentido.

Temos a obrigação e o dever de levar a todas as camadas sociais notícia sobre o que ocorre no mundo, para que as pessoas tenham parâmetro para estabelecerem suas expectativas.

Ao adequarmos nossas instituições não estaremos dando nenhum passo na direção do fim de nossa história, não estaremos levando nenhum homem a ser o último da espécie. Estaremos fazendo com que uma parcela que está quase alijada de participação se integre ao processo histórico; estaremos humanizando a parcela de excluídos que, estes sim, muita das vezes se degradam pela linha de pobreza absoluta, situando-se no limite inferior da humanidade ou aquém deste.


NOTAS

1.. VELLOSO, João Paulo dos Reis, FRITSCH, Winston, (coord.) et alii. A Nova Inserção Internacional do Brasil – Rio de Janeiro: José Olímpio, 1994.

2.. JAGUARIBE, Hélio. A Nova Ordem Mundial. In: Política Externa, vol. 1 n.º 1, junho de 1992, p. 5-15.

BATISTA, Paulo Nogueira. Nova Ordem ou Desordem Internacional. In: idem p. 31-41.

MARTINS, Luciano. Ordem Internacional, Interdependência assimétrica e recursos de poder. In: idem, vol. n.º 3, dezembro 1992, p. 62-85.

VELLOSO, João Paulo dos Reis e MARTINS, Luciano (coord.) et alii. A Nova Ordem Mundial em Questão – Rio de Janeiro: José Olímpio 1993.

JAMESON, Frederic. Conversas sobre a nova ordem mundial. In: BLACKBURN, Robin (org.) et alii. Depois da queda: O fracasso do comunismo e o futuro do socialismo – Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992, p. 216-34.

3.. VELLOSO, 1993 e 1994; por exemplo.

4.. FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem – Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

5.. HOBSBAWN, Eric. Adeus a tudo aquilo. In: BLACKBURN, 1992. p.93-106.

6. VELLOSO, João Paulo dos Reis e ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcante de (org.). Pobreza e Mobilidade Social – São Paulo: Nobel, 1993.

SALAMA, Pierre e VALIER, Jacques. L´Amérique latine dans la crise: l´industrialisation pervertie – Luçon: Nathan, 1991.

JAGUARIBE, 1992.

7.. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo – Rio de Janeiro: Paz e terra, 1986.

8.. FUKUYAMA, 1992.

9. KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes das grandes potências: transformações econômicas e conflito militar de 1500 a 2000 – Rio de Janeiro: Campus, 1989.

10. Idem, p. 487/Et seq.

11. CARSON, Robert B. O que os economistas sabem: um manual de política econômica para a década de 90 e depois – Rio de Janeiro: Zahar, 1992. p. 222/Et seq.

12. PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e Social-Democracia – São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 241/Et seq.

13. OHLIN, Gùran. O sistema multilateral de comércio e a formação de Blocos. In: Política Externa, vol. 1 n.º 2.

KRASNER, Stephen D.. Blocos econômicos regionais e o fim da Guerra Fria. In: idem.

BRADFORD Jr. Colin I.. Integração Regional e estratégias de desenvolvimento num contexto democrático In: idem.

PAUL, Trân Van-Thinh; Rumo à união econômica e monetária européia. In: idem.

MAHBUBANI, Kihore. Desenvolvimento econômico do Extremo Oriente: a Maré Montante. In: idem.

ALBUQUERQUE, J.A. Guilhon; Mercosul: Integração regional pós-Guerra Fria. In: idem.

PEÑA, Felix. Pré requisitos políticos e econômicos da Integração. In: idem.

BARBOSA, Rubens Atonio; A Integração regional e o Mercosul. In: idem.

VEGA C., Gustavo; Conversações comerciais entre o México, os Estados Unidos e o Canadá. In: idem.

BATISTA, Paulo Nogueira; Conclusões do Colóquio. In: idem.

14. VELLOSO, 1994a.

15. Idem.

16. RICUPERO, Rubens. O programa de estabilização e a crise brasileira. Introdução a: VELLOSO, João Paulo dos Reis (coord.) et alii. Estabilidade e crescimento: os desafios do real – Rio de Janeiro: José Olímpio, 1994.

17. VELLOSO, 1994a.

18. SALAMA e VALIER, 1991.

19.ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcante de. Pobreza e mobilidade social. In: VELLOSO e ALBUQUERQUE, 1993.

20.DRUKER, Peter. As mudanças na economia mundial. In: Política Externa, vol. 1 n.º 3, dezembro de 1992.

21.PRZEWORSKI, Adam. Democracy and the market: Political and economic reforms in Eastern Europe and Latin America – Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

22.PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo, democracia, pactos – Universidade de Chicago: Mimeo, s.n.t., 1987.

23.PRZEWORSKI, Adam. Ama a Incerteza e serás democrático. Novos Estudos CEBRAP, n.º 9, julho de 1984.

24.ELSON, Diane. A economia de um mercado socializado. In: BLACKBURN, 1993.

25.REIS, Fábio Wandeley. Para pensar transições: Democracia, Mercado, Estado. Novos Estudos CEBRAP, n.º 30, julho de 1991.

26. Idem.

      
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Sobre o autor
Públio Athayde

historiador (UFOP) e cientista político (UFMG), professor titular da Faculdade de Ciências Humanas de Pará de Minas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ATHAYDE, Públio. O Brasil na nova ordem política e social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56. Acesso em: 4 mai. 2024.

Mais informações

Este artigo é produto de um curso ministrado no CEPEDERH / UNA (Cetro de Preparação de Recursos Humanos / União de Negócios e Administração) como Professor-Visitante no Curso de Pós-Graduação em Gestão Empresarial.

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