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Globalização

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2. Fatos gerados pela globalização na sociedade pós-moderna de interesse do Direito penal.

A globalização gera anomias que o Direito penal tem a responsabilidade cientifica de atuar. Se o Direito penal defronta-se com inimigos poderosos que é a falta de vontade política dos governantes mundiais. Sendo esse o motivo que vem impedindo sua maior contribuição no mundo globalizado. Em contrapartida, temos a sociedade desorganizada clamando uma ação mais efetiva do Direito penal. Com certeza, sofrem a influência dos excessos da mídia que no alerta de Bonavides: "a mídia brasileira estava prisioneira no cárcere das elites e que era preciso libertá-la e restitui-la ao povo, ou seja, a legitimidade de sua vontade." (20)

Dentre os fatos, que destaco, como fruto do mundo globalizado é o aparecimento da organização criminosa ou criminalidade supranacional. Acho o último termo mais apropriado para designar essas organizações com a finalidade de praticar atos ilícitos.

Os recursos da informática e os meios de comunicação são os instrumentos determinantes para a atuação da criminalidade transnacional. A criminalidade transnacional atua em diversas atividades ilícitas e lícitas no mesmo espaço de tempo e espaço territorial. Dificultando os aparelhos policial e judicial nos trabalhos de investigação e da atribuição da correspondente punição.

Este tipo de organização inspirado no modelo organizacional das multinacionais. Criando uma rede de proteção que dificulta a identificação dos lideres e do que é ou não lícito nas atividades desempenhadas. Como descreve Faria Costa : "a teia criminosa que se tece para que se consiga um fluxo criminoso que possa desencadear lucros fabulosos não é uma programação artesanal, mas antes um projecto racionalmente elaborado que passa, sobretudo, por três grupos, de certo modo, independentes, mas que, é evidente, têm também pontes ou conexões. Fundamentalmente, os diferentes três grupos assumem-se funcionalmente da seguinte maneira: o grupo central ou nuclear tem como finalidade principal levar a cabo o aprovisionamento, o transporte e a distribuição dos bens ilegais. Ligam-se, aqui claramente, coacção e corrupção para expansão de poder e lucro. Um outro grupo tem como propósito servir de protecção institucional a toda a rede ou teia. É a tentativa de chamar à organização, de forma subtil ou directa, a política, a justiça e a economia, as quais, através do estatuto dos seus representantes, permitem criar bolsas ou espaços onde a actuação política se torna possível. Finalmente, surge um terceiro grupo que tem como fim primeiro estabelecer a lavagem de todo o dinheiro ilegalmente conseguido. Operam-se, por conseguinte, ligações com instituições bancárias, com casinos e ainda com outras sociedades legalmente constituídas. É o grupo que funciona como placa giratória entre o mundo criminoso e o normal e comum viver quotidiano. O que tudo demonstra a forma particularmente racional e elástica deste tipo de organização. Tão elástica e tão fluida que o facto de algumas vezes se destruir um grupo não quer de modo algum significar que toda a rede tenha sido afectada. " (21)

Os atos praticados pela criminalidade transnacional atingem vários bens jurídicos e que refletem no meio social, por exemplo: a ordem econômica, financeira, lavagem de dinheiro, o meio ambiente, tráfico humano, de órgãos humanos, armamento bélico, animais, substâncias entorpecentes, falsificação de dinheiro, obras de artes, prostituição adulta e infantil, patrimônio arqueológico.

Outras figuras criminosas como o terrorismo, o racismo e o genocídio também são do interesse do Direito penal no mundo globalizado.

Os meios de comunicação e os avanços da informática dão asas ao criminoso solitário ou virtual. Que usando desses meios produz resultado criminoso em território distante do lugar da ação inicial. Com enorme potencial de resultado comparado com o ato físico correspondente, por exemplo: um dedo mal intencionado comandado pela mente dos criminosos virtual é capaz de desaparecer com bilhões de dinheiro ou de outros tipos de produtos ou disparar artefatos bélicos contra países.

Algumas dificuldades de interesse do Direito penal, tanto, nos aspectos substantivo e adjetivo, na era da globalização, são exemplos: definir o lugar do crime, co-autoria material ou intelectual, a clareza dos limites entre o lícito e ilícito, a competência para o julgamento, choque entre as legislações nacionais e até a definição do tipo penal objetivo.

Muitos são os problemas e a busca das alternativas para se aproveitar da dogmática penal no mundo globalizado. Dependendo, repito, muito mais da vontade política dos governantes dos Estados integrados nas organizações internacionais e do poder de pressão da sociedade mundial. Esta é a realidade revelada no quotidiano.

A opinião exposta acima é confirmada pelo investigador Jeffrey Robinson, que ilustra a situação, quando descreve: "Certa feita na ONU propuseram tornar a lavagem de dinheiro um crime internacional passível de extradição. Cerca de oitenta de oitenta países concordaram em ratificar o pacto. Embora esse número correspondesse a menos de metade do total de membros da organização, mesmo assim essa quantidade teria sido ótima. Passados cinco anos, porém, apenas quatro nações preocuparam-se realmente em assiná-lo.

Em discurso proferido na ONU em 1998 sobre o crime transnacional, o Presidente Clinton argumentou que é preciso criar um mundo em que os criminosos não tenham para onde correr nem se esconder. Os Estados-membros concordaram de imediato. Mesmo assim, quase um quarto desses mesmos Estados-membros continuam a proporcionar atividades bancárias secretas, em grande parte voltadas especificamente para apoiar e estimular a ocultação do dinheiro sujo." (22)

Fica patente que, nos dias que vivemos, muitos são os fatos que são de interesse do Direito penal. O próprio ataque terrorista, a falência da Eron - que adquiriu no programa de privatização brasileira empresa de geração e fornecimento de energia e de outras. Que surgem nas atividades do quotidiano, por exemplo, a questão dos transgênicos, da genética, dos crimes econômicos, etc. Sendo que, brevemente, outras poderão surgir, do tipo: É crime inventar um medicamento capaz de salvar milhões de vidas e só cede-los, mediante, a capacidade financeira do doente? É crime o governante que age com imperícia, imprudência ou negligência, fazendo desaparecer com milhões de dinheiro, suficientes para matar a fome de milhões de crianças? A resposta desproporcional do governo americano aos povos: afegão e paquistanês; pode ser encarado como crime? É crime continuar criando condutas penais ou mantendo-as só para valorizar o mercado de consumo e a corrupção? É crime os entes: Estados receberem e guardarem dinheiro ou outros tipos de ativos financeiros sem saber da origem do ativo? É crime fabricar armas que produzem a morte? É crime usar os recursos públicos com o supérfluo diante da miséria de grande parte da sociedade?

Assim, as respostas, também, devem ser compartilhadas por quem sofre os efeitos das ações. O fator da velocidade proporcionada pelos recursos logísticos no mundo presente. Ampliando as possibilidades de surgimento de novos e a adaptação de velhos comportamentos ilícitos. Exige uma ação da dogmática penal.

Para estar preparado, o Direito penal deve manter um fórum permanente de discussão ou um laboratório. Visando estar apto, quase que instantâneo, quando se confronta com os fatos. Mais que sejam alternativas democráticas, eficazes, avalista dos princípios humanitários e da liberdade, sob pena, de perder o prestígio social e sua razão de ser.


3. As posições doutrinárias do Direito penal diante da Globalização.

O conflito na questão da dogmática penal está instalado no mundo acadêmico. Numa ligeira análise, fundamentalmente, o debate gira em torno da funcionalidade, dos limites de atuação e quando deve agir o Direito penal no mundo influenciado pelo processo de globalização.

Uns defendem uma atuação ampla do Direito penal, de caráter expansivo e a inclusão de novos bens jurídicos tutelados por ele. Nesta classe encontra-se Hassemer, Herzog, etc; que entendem que o Direito penal deva ser instrumental do governo: "Este direito de intervenção estaria situado entre o Direito penal e o Direito sancionatório administrativo, entre o Direito civil e o Direito público, com um nível de garantias e formalidades processuais inferior ao do Direito penal, mas também com menos intensidade nas sanções que pudessem ser impostas aos indivíduos." (23)

Na tese acima o Direito penal, não será mais o último recurso do governo como elemento capaz de restabelecer a ordem e inibir (através da pena) o crime no meio social. É sim, o primeiro instrumento que age, antes do fato acontecer, de modo preventivo, como instrumento de contenção e inibidor do crime.

Na outra vertente do campo das idéias, temos os que defendem a impossibilidade do Direito penal ser o instrumento com "uma função promocional" e "meio propulsor" de colocar e alcançar as finalidades do governo, afirmando que a sociedade sempre foi de risco. Logo, não justificando-se o argumento – o risco; um fator motivador da alteração da dogmática penal.

Creio que o principal ponto de discordância entre as correntes doutrinárias do Direito penal, esta no item: o momento em que o Direito penal deve agir no meio social. Ou seja, prima ou ultima racio ?

Os defensores ilustres como Figueiredo Dias dessa linha de pensamento. Não aceitam o rompimento com o princípio de legitimação do Direito penal, o instrumento que só deve ser aplicado no meio social como ultima ratio. Os defensores desta linha de pensamento precavidos, conscientes das dores e das injustiças humanas que podem ser geradas quando da má aplicação do Direito penal na sociedade. Repudiam a concepção do Direito penal se manifestar como prima ratio.

Na questão da instrumentalidade do Direito penal por parte dos governos. Não vejo divergências reais entre as correntes. Pois, no meu modo de entender, o Direito penal sempre foi usado pelos governantes, uns com maior liberalidade, outros com menos; uns com maior respeito aos princípios outros com menos respeito. Mas sempre o Direito penal foi usado e, nem poderia ser diferente, em razão da dependência financeira que a estrutura de realização do Direito penal sempre teve dos governantes. Nunca foi prerrogativa do Direito penal a independência real e/ou a isenção e/ou a não influência e /ou a pressão dos que controlam o dinheiro. No meu entender, o fato é que na realidade, o Direito penal sempre foi instrumental do governo, é não vislumbro, possibilidade em desconsiderar esta realidade, principalmente, no estágio em que a humanidade se encontra. Logo, as teorias penais que divergem neste aspecto – ser ou não ser instrumental do governo. Caracterizam-se: a primeira teoria ao reconhecer um fato real e dele querer fazer uso de maneira regrada. E a segunda defende um ideal que é a independência do Direito penal diante do governo.

No tocante, a ser ou não o Direito penal um meio de promoção da política estatal, também, não percebo, como o Direito penal manteve-se imune do papel de promotor da política vigente. Ainda mais que, os que formulam, militam e concretizam o Direito penal na sociedade são na sua maioria, advindo da classe média, pessoas que em maior ou menor grau são politizadas, ao menos, recebem as informações e as tendências políticas. Logo, se os executores do Direito penal são entes politizados, a política se manifesta nas ações, não só dos executores como, principalmente, nas dos legisladores. E, aqui, mais uma vez, reconheço que existe um descompasso entre o discurso e a pratica. Explanadas nas teorias, enquanto, a primeira desiste do ideal e aceita ser o promotor da política estatal, desejando conviver com a realidade, o que não significa abandonar certos princípios da dogmática e nem a supressão de liberdades para beneficiar a política do governo. A segunda teoria deseja alçar o Direito penal, a um ponto elevado de tecnicismo e de independência de ação desvinculada das influências externas. O que revela o idealismo da teoria, porém, ainda distante da realidade em face do estágio ocupado pelo ser humano e não por erro dos doutrinadores.

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Quanto a questão da sociedade de risco sempre existir, até vejo pertinência na premissa. Contudo, os recursos tecnológicos, os equipamentos bélicos e até os desastres ecológicos críveis de acontecimento e criados pelo ser humano, nos dias de hoje, possuem um potencial destrutivo, infinitamente superior ao passado. Antes, da bomba atômica, nitrogênio, satélites, e outros avanços na área científica, sejam eles no campo da química, medicina, da engenharia de compactação dos sólidos e segue por aí. A velocidade da destruição era menor que a de agora. Logo, considero que a sociedade de hoje, continua de risco como era no passado, porém, a do tempo presente é de maior potencial. Devendo mencionar as possibilidades de danos dos crimes patrimoniais, em face dos meios de comunicação e de informática.

Minha dúvida é a questão: do tempo. Ou seja, deve o Direito penal ser prima ou ultima ratio?

E surge como alternativa a opinião de Silva Sánchez propondo "um modelo sancionatório que atenda às ingentes aspirações e demandas da sociedade atual e que seja dotado de um grande poder de intervenção e de regulação..." repele, em princípio, qualquer intento de flexibilizar regras de imputação ou princípios de garantia." (24)

É evidente, que as propostas dogmáticas de Direito penal sofreram e, até hoje, sofrem ataques de cunho doutrinário. Ficando nítida a impossibilidade da dissociação entre a política e Direito penal. Por maior isenção que procure o doutrinador praticar no desenvolvimento da idéia. Como ser humano integrado no mundo, não consegue imunizar a idéia da política, no instante, de pensar o Direito penal.

O que penso, que certamente não é original, é o Estado assumir o papel de promotor dos cientistas penais. Fomentando-os das possibilidades de colocarem as idéias no campo da práxis. Não se trata de anarquismo ou marxismo (nada contra as teorias). Trata-se de regular certos distritos eleitos e onde a sociedade aceite a passar pela experiência. Como existem as zonas territoriais isentas de pagamento de tributos originários pela produção de certos bens – zona franca. Seriam zonas livres para a concretização das experiências no campo social. Assim o Direito penal e suas expressões encontrariam a possibilidade de serem testadas no meio social. Quantas zonas livres de experiência social serão necessárias? Quantas fossem as teorias. Isso poderia ser estendido para todos os campos do saber da área social, por exemplo: economia, política, sociologia, medicina, pedagogia, enfim, todas que sejam pertinentes e de interesse no progresso do ser humano. O que objetivam estas zonas livres de experiências sociais facultada a vontade da sociedade local. Testar a teoria e o grau de eficácia, satisfação social, custos operacionais, enfim, tudo o mais que seja pertinente. Por um tempo determinado e suficiente para se coletar os dados. Estes minis laboratórios sociais forneceriam os elementos concretos da teoria. Antes de levar a idéia para um coletivo maior.

A idéia exposta acima, com certeza, será chamada por alguns como fruto dos delírios do signatário do presente trabalho. Porém, penso que a proposta pode propiciar alguns avanços, são eles: o aprofundamento da democracia, pois, as zonas livres de experiências sociais são facultativas, depende da vontade da sociedade; por ser um número menor de sujeitos a difusão e o debate da idéia será maior, diferenciando-se do modelo atual; trará uma maior margem de segurança na avaliação da eficácia e viabilidade da proposta; evitará a necessidade do apoio dos governantes para se colocar na pratica a idéia (atualmente é o único meio, os defensores das propostas necessitam encontrar dirigentes que permitam e estimulem a adoção da proposta no meio social).

No desfecho do assunto enfocado, a minha limitação intelectual e pouca erudição, não me deixa alternativa, que não seja o ato de transcrever uma mensagem pertinente. A mensagem é a seguinte:

Os chineses contam que certo dia Zizhang procurou Confúcio por toda a China. O país vivia um momento de grande convulsão social, e ele temia derramamento de sangue. Encontrou o mestre junto de uma figueira, meditando.

-Mestre, precisamos urgentemente de sua presença no governo- disse Zizhang - Estamos à beira do caos.

Confúcio continuou meditando.

- Mestre, ensinaste que não podemos nos omitir – continuou Zizhang.- Disseste que somos responsáveis pelo mundo.

- Estou rezando pelo país- respondeu Confúcio.- Depois irei ajudar um homem ali naquela esquina. Fazendo o que está ao nosso alcance, beneficiamos a todos. Apenas tentando ter idéias para salvar o mundo, não ajudamos sem a nós mesmos. Existem mil maneiras de se fazer política- não é preciso ser parte do governo.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Guilherme Augusto Vicenti. Globalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 256, 20 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4991. Acesso em: 8 mai. 2024.

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