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O pensamento jurídico, a prisão civil, o Mercosul e o método de pesquisa

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2. Os Métodos

"A verdade científica é uma predição, ou melhor, uma pregação. Convocamos os espíritos à convergência, anunciando a nova científica, transmitindo de uma só vez um pensamento e uma experiência, ligando o pensamento à experiência numa verificação: o mundo científico é, pois, nossa verificação. Acima do sujeito, além do objeto imediato, a ciência moderna se funda sobre o projeto. No pensamento científico, a meditação do objeto pelo sujeito toma sempre a forma do projeto."

BACHELARD

Procuramos encontrar novos caminhos para acender mais uma luz no chão; uma pequena chama para iluminar o espaço envolto em dúvidas e perplexidades.

O tempo é agora, síntese do passado que restou e do futuro ainda por se estabelecer. Aparentemente paradoxal, a idéia que se delineia deve ser atemporal e profundamente histórica, simultaneamente.

O espaço é aqui e os Países que integram o MERCOSUL.

Há um vazio na jurisprudência e na doutrina brasileira, que principia no desconhecimento dos Tratados, Pactos e Convenções de Direitos Humanos e culmina com a rejeição de novas idéias. E quando tênues construções metodológicas se avizinham das atividades de estudo, a técnica gessada das fórmulas acabadas não transforma o tema em algo perdido no ar quando ensinar é percorrer a geografia do construir. O estudo requer, em seu mapa cartográfico do saber, o ´construído´ e não a ´indução ao dado´ (como exemplo: a invocação de um precedente jurisdicional anterior à Constituição em vigor - Constituição Cidadã X Constituição de Exceção - desprovido dos fundamentos filosóficos que alicerçaram o Direito Constitucional em vigor). Não se deve, então, conviver com uma atitude de indiferença ou renúncia a uma posição avançada na inovação e mesmo na revisão e superação dos conceitos, contribuindo, abertamente, para fomentar questionamentos e fazer brotar inquietude que estimule o estudo e a pesquisa comprometidos com seu tempo e seus dilemas.[39]

A moldura hoje imposta no País pela doutrina amplamente majoritária e uma jurisprudência iterativa no sentido oposto ao que caminha-mos, reclamam um aprofundamento dos estudos concernentes à matéria.

Recusar essa direção e contribuir para a sua superação significa reconhecer que consciência social e mudança integram a formação jurídica. Representa, ainda, um compromisso com o chamamento à verdadeira finalidade do ensino e da pesquisa jurídica, um desafio que questiona.

O tema, assim posto, pode ser tido como novo, e seu trata-mento quase não existente. Nos poucos pronunciamentos exarados até o presente momento, a matéria, segundo o que se observa nos estudos atuais, tem recebido tratamento superficial e não sistemático, o que implica, não raro, em dificuldade de compreensão do tema à luz dos problemas que quotidianamente os destinatários dessas normas encontram para reclamar sua efetividade.

Basta verificar, em face da literatura especializada contemporânea, que o tratamento deferido à matéria a ser investigada se cinge às considerações clássicas, não permeando as análises uma necessária preocupação com a realidade social emergente em questões dessa ordem.

Certamente há, por conseguinte, uma lacuna que se projeta tanto no campo teórico, por falta de estudos e mesmo de sistematização, quanto no âmbito da prática cotidiana da vida forense emergente das diversas relações sociais que envolvem a prisão civil por dívida.

Até por tais fundamentos o estudo considera a problemática como problema social e como tendência, a análise crítica de seus reflexos na legislação (direito interno) compõem parcela significativa da matéria a ser analisada.

O escopo é de aprofundar uma revisão crítica - principiada e não terminada -, aferindo o alcance e a extensão do comando do artigo quinto, parágrafo segundo da Constituição Federal, em relação à aplicação no cenário nacional do disposto nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, com relevância e desdobramento na prisão civil por dívida (em especial no caso de alienação fiduciária) e a necessidade de órgãos Judiciários supranacionais.[40]

Ainda, se e tanto, que a conclusão da tese tenha como resultado no mundo dos fatos alentar um processo de integração normativa a partir dos diplomas internacionais de Direitos Humanos, fomentando o repensar a respeito de aderir o Brasil à Corte Interamericana de Direitos Humanos,já será cumprida meta de grande envergadura.

Assim, formará como resistência muito viva à transformação e às necessidade que se impõem pelos fatos.

O papel a ser exercido, nesse campo, pelos Operadores do Direito, poderá antecipar, em parte, aquilo que virá, com reiterada invocação dos princípios e comandos dispositivos dos diplomas internacionais. Nada obstante, não é possível aceitar passivamente os resultados dessa aferição critica em relação à interpretação majoritária.

2.1 O Método Científico

"A ciência jamais persegue o objetivo ilusório de tornar finais ou mesmo prováveis suas respostas.

Ela avança, antes, rumo a um objetivo remoto e, não obstante, atingível: o de sempre descobrir problemas novos, mais profundos e mais gerais, e de sujeitar suas respostas, sempre provisórias, a testes sempre renovados e sempre mais rigorosos..."

"Embora não possa alcançar a verdade e nem a probabilidade, o esforço por conhecer e a busca da verdade continuam a ser as razões mais fortes da investigação científica."

POPPER

L. R. HUBBARD durante um estudo intensivo de aprendizagem constatou que tentar ler, passando por cima de uma palavra não compreendida, resulta em "anuviamento" mental e dificuldade para entender as passagens seguintes.

Isto é um fato provado e uma regra fundamental de estudo.

A solução é quando se encontrar nesse estado, voltar ao último ponto que compreendeu facilmente e conseguir a definição da palavra por cima da qual passou.

Obter sempre a definição de qualquer palavra ou frase que não compreendemos inteiramente.

Ademais, à tese importa necessidade do esclarecimento de termos ou conceitos utilizados, dando a definição correta ou o ponto de vista adotado.

Excepcionalmente, quando não encontrada uma terminologia apropriada, deve construir um sistema conceptual próprio e adequado, explicitando a operacionalidade do mesmo, razão pela qual há um glossário nesta.

Os procedimentos metodológicos adotados buscam romper com o imobilismo que permeia o meio jurídico. As regras metodológicas são aqui vistas como convenções, seguindo o magistério de POPPER.

Há muitos anos, por ocasião de uma aula de física, segundo recordo, um professor indagou a respeito da veracidade do movimento de um poste.

Em uníssono a resposta dos alunos afirmou que poste não mantém movimento. Ao que retrucou: caso estivesse na lua o poste teria movimento uniformemente variado - aparentemente; caso estivesse - o poste ou observador - sobre um veículo em movimento... E dizia que tudo aparenta em função do referencial.

A partir de então dediquei atenção ao estudo da questão do método, procurando conhecer critérios lógicos para realização da observação.

Artigo titulado O Método Científico, da lavra de John W. CAMPBELL JÚNIOR,[41] afirma que "o Método Científico é solidamente baseado em regras definidas, mas, não obstante é algo que precisa ser vivido para ser inteiramente compreendido. Assim, o Método Científico, embora baseado em certas regras de pronta enunciação, é bem mais do que essas regras." Segundo o prisma do Método Científico em exposição,

...implica atacar prazerosa e alegremente, com todas as armas disponíveis da lógica, toda fenda logicamente possível em sua própria estrutura lógica e teórica. Requer que um homem irrompa adentro por sua teoria cuidadosamente construída, com a energia, vigor e maldade de seu pior inimigo. Implica que o melhor amigo do cientista revise seu trabalho, começando pela premissa de estar tudo errado e fazendo todo o possível para assim prová-lo.

O triunfo intelectual, o brilho quente da vitória na ciência, vem não de produzir uma nova teoria, mas de produzir uma nova teoria que se erga e seja útil, mesmo quando os mais conhecedores fazem tentativas deliberadas para encontrar uma falha.

O Método Cientifico segue o teste de blindagem naval. A produção duma peça metálica blindada de 16 polegadas é rotineira e não dá satisfação especial. Mas a produção duma placa de 16 polegadas de metal blindado tendo um projétil capaz de perfurar 16 polegadas blindadas, com o nariz enterrado na chapa, arqueando-a, contorcendo-a, sem furá-la e quebrá-la - isso é triunfo e satisfação. Não se faz teste de chapas de 16 polegadas com fogo de metralhadora ou com projéteis de 6 polegadas. O teste é feito com as armas mais pesadas e mortais de que se dispõe; então, e só então, teremos algo para nos orgulharmos. Faz-se assim também com a teoria.[42]

O autor enuncia as regras para argumentação que levam à construção duma teoria e que entende podem ser condensadas em três pontos-chave críticos.

Afirma que o problema de aplicação está na sutileza com a qual as violações a tais regras podem insinuar-se.

As regras críticas são:

1.A argumentação pelo apelo à autoridade não tem valor nenhum.

2.A observação, não o relatório do observador, é o dado importante.

3.Nenhuma teoria, não importa quão bem estabelecida ou antiga, pode sustentar-se diante de um fato contraditório relevante.

A interpretação para aplicação (do que se entende o direito, hoje mais do que antes, com base em jurisprudência) implica que a primeira destas regras é a mais freqüentemente violada, muitas vezes sem intenção e sem ser notada.

Todos sabem que apelar para autoridade não é o modo correto de debater um caso, mesmo que a autoridade esteja com a razão. Entretanto, o apelo à autoridade pode ser tão sutil que é extremamente fácil deixar de notar sua introdução.

A sentença precedente, por exemplo, exemplifica deliberada-mente um tipo de "apelo à autoridade" muito fácil passar despercebido, sendo, na verdade, o mais comum de todos esses apelos. "Todos sabem", "obvia-mente", "naturalmente" e expressões semelhantes são as mais escorregadias a esse respeito. "Todos sabiam" há longuíssimo tempo que o mundo era plano e "obviamente" o Sol girava à volta da Terra, como qualquer tolo podia clara-mente ver. A argila comum e o rubi precioso não têm nada em comum - nada, isto é, exceto os mesmos elementos em proporções um tanto diferentes.

E o autor adverte

Contudo, mesmo o mais sutil apelo à autoridade sob a chancela dum Grande Nome é fonte de imensas porções de dificuldade. Não foi culpa de Aristóteles que, durante quase mil anos, a ciência tivesse paralisado devido ao constante apelo a Aristóteles. Ele não proclamou saber todas as respostas - foram os argumentadores acadêmicos que o fizeram. Mesmo hoje, numa época de alguma compreensão do método científico, surgem debates sobre Grandes Nomes - exceto, certamente, que o Grande Nome se tornou um Grande Nome devido a ter se abstido bem cuidadosamente de usar esse método! A sentença "Einstein diz que nada é mais rápido do que a velocidade da luz; isto é teoricamente impossível" contém duas alegações de apelo à autoridade e soa tão eruditamente cientifica que qualquer um pode ser levado a aceitá-la. Dizer que uma coisa é "teoricamente impossível" é, na verdade, apelo à autoridade das teorias presentes. No entanto, uma teoria não é um fato - é um conjunto inteligente de opiniões e nada mais, conforme qualquer cientista entende. No que concerne ao debate do Grande Nome, isso é fácil de localizar e seu valor entra muito prontamente em foco se colocarmos "João da Silva" em lugar do Grande Nome. Pelo método científico, a sentença acima correta - quanto ao seu valor de argumentação - seria "João da Silva diz que nada é mais rápido do que a velocidade da luz; em sua esclarecida opinião, isto parece impossível."

Daí poder-se afirmar que cientificamente, não há qualquer diferença entre as duas declarações, no que diz respeito ao seu valor demonstrativo.

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A declaração de evidência sobre o assunto seria: "Einstein sugeriu, e a experimentação física parece comprovar, que nada é mais rápido do que a velocidade da luz, a teoria física corrente que mais parece ajustar-se aos dados observados indica ser isto impossível."

É, segundo o autor, uma espécie de declaração satisfatória e muito menos dura. Soa fraca, incerta de si ou de qualquer outra coisa.

E é a espécie de alegação - modo de pensar - que vigorou desde a primeira e pequena evidência científica da teoria atômica em 1800 até à fissão atômica em menos de um século e meio. É o cientista - que opera com o princípio de não saber ainda todas as respostas - que está procurando novas e melhores respostas.

Um homem que pensa "Esta é a resposta. Sei que isto é verdade. Aquilo é impossível, porque discorda do que eu sei" não precisa fazer pesquisa. Já sabe as respostas. Não está em perigo de fazer novas e perturbadoras descobertas que podem desordenar sua certeza mental. O cientista, por outro lado, opera com o conhecimento certo de estar incerto, nunca fica desapontado por estarem sendo descobertos novos dados - que está procurando - mostrando que ele estava, na verdade, um pouco enganado.

Ao examinarmos as citações nas teses, dissertações, livros, monografias versando a respeito de temas jurídicos e julgados, a regra é o apelo à autoridade sem qualquer critério de discussão a respeito do valor demonstrativo do que afirma.

Para o jurista - não-cientista - que gosta de trabalhar com Verdades e Certezas e pensa em termos Absolutos, o método de incertezas e probabilidades parece sufocante, de operação insuportável.

É impossível que produza, num único século, luz e força elétrica, rádio, televisão, era atômica, a completa ciência da química orgânica, estendendo-se dos corantes às drogas sintéticas, automóveis, aviões, pratica-mente uma civilização inteiramente nova.

A tal teoria, compreendendo que nenhuma teoria é final, completa ou perfeita, um novo conceito é admitido: uma teoria é boa enquanto é útil. Isto é, naturalmente, uma coisa muito agradável se a teoria também parece ser verdade, mas (embora este pensamento possa ser chocante ao leigo) não é absolutamente necessária.

A pergunta realmente importante não é "É verdade?", mas "Funciona?".

Se funciona, podemos usá-la e pretender ser verdade; se é verdade, é um prêmio extra.

A expressão funciona pode, prima facie, ser desconcertante, em especial àqueles que a partir da idéia dos valores éticos do Direito entendem que não seriam submetidos à idéia de funcionabilidade.

Contudo, a verificação de funcionabilidade busca identificar se o ordenamento jurídico (ou a aplicação de tal ordenamento) funciona para instrumentalização da realização de valores (aliás, o que nos parece ser a única razão de um ordenamento jurídico); o que é a essência do presente trabalho.

Esclarece,

Este raciocínio, parecendo a alguns induzir a erro e ser francamente desonesto, é o único método encontrado até agora que produz resultados. Olhe à sua volta: todo produto que foi tocado por máquinas em sua produção é uma demonstração do fato observado de que - assumindo provisoriamente que uma teoria é verdade, concreta, útil - podem ser obtidos resultados. E que ao manter a disposição de descartar ou modificar essa teoria, ao primeiro sinal de fracasso, é realizado progresso.

Se uma teoria é boa somente quando funciona, então a primeira vez que deixar de funcionar - o primeiro fato encontrado que não se ajustar - precisa ser posta de lado e encontrada uma teoria nova e melhor. Só quem insiste na Verdade de uma teoria hesitaria em desfazer-se daquela que não funcionou. E um cientista nunca insiste que uma teoria é Verdade; apenas que é útil.

A mais cuidadosa verificação deve ter lugar quando surge uma contradição aparente. Primeiro: inspecionar a interpretação da teoria. Os conceitos básicos da teoria podem estar certos e a aplicação desses conceitos, errada. A reinterpretação da teoria pode explicar o fato novo. Segundo, e na realidade simultaneamente, lembrar que a observação, não o relato do observador, é o dado, e repetir as observações. O observador pode ter estado errado. Os homens não podem enxergar além do violeta ou abaixo do vermelho; o quinino faz os ouvidos zumbirem, de modo a ouvir o que não está presente, e nenhum homem pode ouvir sons acima de 20 mil ciclos quando estes existem. Sob luz ultravioleta, o globo ocular humano brilha ligeiramente, de modo a ver um obscurecimento de luz que não está presente, mas devido a não se poder ver a luz ultravioleta em si, um observador não verá a fonte do ultravioleta que está ali. Verificar sempre as observações, pois o observador pode estar errado, porém as observações reais, os fatos, nunca estão errados.

Ironizando os pensadores acadêmicos do Direito, ressalta que "uma fonte de muito mal-entendido é a diferença entre impossibilidade teórica e impossibilidade real". E afirma que isto é melhor ilustrado, talvez, "pela velha história do homem que telefonou a seu advogado, explicou um contratempo legal e escutou: ´Não se preocupe com isso; não podem colocá-lo na prisão por esse motivo!´ O cliente respondeu: ´Estou ligando da cadeia.´"

Uma ligeira mudança nisso pode demonstrar o aspecto contrário.

Transformando em dono de circo a pessoa que telefonou em apuros, desta vez o advogado responde: "Isso é sério. Temo que por isso ponham seu elefante na cadeia.[43]"

Em cada caso, a teoria está em conflito com o fato físico; em cada caso, como invariavelmente deve ser pela própria natureza das coisas, a teoria, não o fato, deixa de ter êxito. No entanto, em essência, tudo isto é discussão do método científico de argumentação, de raciocínio. Há na raiz de tudo isto, a técnica científica, o teste final e campo de prova de todo pensamento científico. De modo ideal,[44] o método científico segue sete etapas:

1 . Fazer uma série de observações minuciosas.

A - Essas observações devem ser repetidas e só são aceitáveis como observações se muitas pessoas, seguindo as técnicas prescritas, podem repetir os resultados.

B - Devem ser experimentadas variações das técnicas prescritas para eliminar a possibilidade dos resultados observados serem devidos a outro fator que não o pretendido. Como exemplo tosco, suponhamos ser reportado que um ímã atrairá objetos. As demonstrações mostram de fato atrair e levantar bolas de ferro. Esta é a Etapa A acima. Variações no experimento mostram que o imã atrai ferro, mas não cobre, prata, etc. O efeito observado - atração - é real. É preciso variar a experiência original para mostrar os limites verdadeiros do efeito.

2. Combinar todos os dados relevantes, de todas as experiências relevantes, para formular uma hipótese.

A - A hipótese precisa explicar todos os dados observados.

B - Precisa não exigir como conseqüência de seu desenvolvimento lógico a existência de fenômenos que não existem, de fato.

C - Deve indicar, porém, a existência de fatos reais até então inobservados.

3. Usando a hipótese, predizer novos fatos.

A - Uma estrutura lógica, suficientemente ampla para explicar todos os fenômenos relevantes observados, irá necessariamente inferir fenômenos adicionais, ainda não observados. Usar este mecanismo para predizer a existência de algo que, sob teorias anteriores, não existiria.

4. Levar a cabo uma experiência e fazer observações a respeito dos prognósticos.

5. Como resultado da experiência, descartar a hipótese, ou avançá-la agora à categoria de "Teoria".

6. Fazer prognósticos adicionais, mais experiências e colecionar mais evidência de observação, até ser encontrado um fato relevante contraditório.

7. Abandonar a antiga teoria, tornar o total dos novos dados observados e formar uma nova hipótese.

8. Ver a Etapa Três.

Este processo parece, à primeira vista, um sistema completamente circular, não indo a lugar nenhum. Não é...

O avião de passageiros que voa por cima de nossas cabeças atesta isso. Notar que a cada volta ao redor desse ciclo a nova hipótese mostra como obter novos dados, nova evidência experimental, novas informações.

O processo não é circular - circular é o apelo à autoridade (quer como citação de doutrina, quer como citação de jurisprudência, na forma quotidiana da atividade forense sem qualquer critério a não ser pretender justificar o que se pretende).

É uma espiral em expansão e cada novo giro à sua volta percorre um campo cada vez mais amplo de compreensão.[45]

No entanto, segundo o autor, a etapa mais importante de todas - a que levou mais tempo para os homens alcançarem desde que a idéia de conhecimento organizado começou - é a Etapa Sete:

"Descartar a antiga teoria... e começar tudo de novo."

É duro para os homens - que são basicamente animais convencionais, apegados a modelos existentes!... abrir mão da familiaridade confortável, da rotina boa e fácil, daquela Teoria do Tempo Antigo, para embarcar num sistema completamente novo, pedindo uma revisão total de seus pensamentos. É tão fácil e confortável acreditar que a teoria antiga é Verdade e não precisar, nem jamais querer mudar, mesmo que não funcione o tempo todo. Como um par de sapatos velhos que é confortável e familiar, até mesmo se os buracos estiverem aparecendo.

O cientista verdadeiro está numa posição um tanto diferente. Começa com qualquer teoria e acha útil somente enquanto funciona. Se não mais produz resultado, deve ser posta de lado e formulada uma nova e melhor teoria.

E essa é uma teoria antiga e confortavelmente familiar na qual poderá instalar-se e apegar-se por toda a vida. Espere mudança; pode estar certo de não ficar desapontado.

Os conceitos de padrões fixos e dados estáveis[46] são enfrentados quando da aplicação do método citado na presente tese.

A crítica primeira às ciências sociais é a maneira que observa o objeto. As relações sociais das quais defluem o direito o mais das vezes são relegadas a segundo plano, cingindo-se o pensador do Direito a reflexões pseudo-eruditas para, muitas vezes, sustentar um sofisma, a fim de gerar o mecanismo lingüístico para obter credibilidade.[47]

KÖCHE adverte que o sistema educacional vigente, no que tange ao espírito de ministrar os conhecimentos, remonta ao século XVII. Nessa época a ciência era encarada como um conjunto de conhecimentos certos e verdadeiros. O conhecimento científico era o constatado e comprovado experimentalmente. O progresso da ciência era visto como o acúmulo progressivo de teorias e leis que iam se superpondo uma às outras. Era um progresso linear, contínuo, sem retorno, fundamentado em verdades cada vez mais estabelecidas, confirmadas definitivamente.

O conhecimento não-científico era aquele sobre o qual não se poderia acumular provas que demonstrassem sua veracidade.

Esse conhecimento, questionável, duvidoso, deveria ser eliminado daquilo que se chamava ciência, pois a ciência não era vista como produto do espírito humano, produto da imaginação criativa dos pesquisadores.

A ciência era produto da constatação de determinadas leis, observadas e extraídas da realidade. A imaginação criativa atrapalhava a correta visão da realidade e, portanto, deveria ser eliminada por quem quisesse ter uma atitude ´científica´. Fazer ciência era assumir uma atitude passiva, de espectador da realidade.

O sistema educacional absorveu essa concepção de ciência e assimilou o seu dogmatismo. Em relação ao conhecimento, as escolas e os professores se especializaram em ser os transmissores das verdades comprovadas na ciência, ou melhor: em ser os pregadores das doutrinas científicas. Os próprios manuais e compêndios utilizados se encarregam, muitas vezes de mostrar e demonstrar as teorias científicas como um conhecimento pronto, acabado, inquestionável.

Sabemos, no entanto, que a ciência evoluiu. Evoluiu não de uma forma linear, mas sim de uma forma revolucionária, quebrando o dogmatismo de suas teorias e modificando drasticamente a noção de ciência e a própria noção de verdade.[48]

Para KÖCHE, dentro das reformas radicais que sofreu a ciência no início do nosso século pode-se destacar: as explicações científicas não são um mero produto das observações empíricas, mas projeções do espírito humano, de sua imaginação criativa; essas projeções são profundamente influenciadas pela cultura e ideologia do pesquisador, não havendo, portanto, uma objetividade pura desvinculada da subjetividade humana. Prossegue, afirma que o progresso científico não se faz pelo acúmulo de teorias estabelecidas, mas pelo derrubamento de teorias rivais que competem entre si, isto é, uma constante revolução na ciência, ocasionada pela polêmica em torno das teorias; a atitude científica não está em tentar comprovar teorias, mas em tentar localizar os erros de suas teorias utilizando procedimentos críticos.

A seguir formula algumas afirmações:

A ciência não parte da observação dos fatos, mas da problematização teórica da realidade;

O método científico não é prescritivo, mas crítico;

Não há uma única forma de desenvolver a ciência, não há um único método de investigação; e

A verdade não é uma equivalência estática, mas uma aproximação produzida por uma busca constante.[49]

A grande dificuldade da evolução científica é que, segundo KUHN,[50] os cientistas normais, os quais denomina "aplicados", se unem em torno do mesmo paradigma e se constituem em comunidades, cuja principal característica é a de utilizarem instrumentos e métodos de análise próprios e adequados ao paradigma teórico escolhido. Tais comunidades podem constituir verdadeiras "escolas" científicas, uma vez que consistem em grupos de cientistas que se reúnem em torno de uma especialidade, partilhando o mesmo paradigma e a mesma literatura de base. Opondo-se entre si, essas "comunidades científicas" determinam regras, normas, que devem ser seguidas por todo aquele que desejar a elas pertencer. Assim, o valor de um trabalho depende de um consenso, da "unidade do grupo".

Definindo dessa maneira o peso da comunidade científica, a racionalidade da ciência pressupõe a aceitação de um "referencial comum", determinado pelo momento histórico. A essa tese POPPER chamou, criticamente, de "relativismo histórico". Na verdade, a ciência pode ser entendida como uma atividade envolvida num contexto histórico-social no qual se insere a comunidade científica.[51]

É, aliás, em nome dessa mesma comunidade que se pode considerar o discurso da ciência como eminentemente argumentativo, uma vez que tem por objetivo convencer, angariar adeptos dentre os seus prováveis leitores, membros da mesma comunidade. Segundo o raciocínio de KUHN, assumindo o discurso da ciência (ou de uma investigação científica particular) como argumentativo, não podemos acreditar num método adequado para se julgar individualmente uma teoria. Segundo ele, é a comunidade científica que propõe os parâmetros, que escolhe e determina se uma teoria ou se uma experiência é válida ou não.

Fora da comunidade não se faz ciência: as novas pesquisas devem se coadunar com os padrões científicos existentes e aceitos pela comunidade.

Tal visão, com a qual concordamos plenamente, mas procura-mos não assumir, vem explicar o caráter convencional do discurso científico, no qual a liberdade e a possibilidade de criatividade do enunciador se acha limitada por certas regras.

Parece, também, explicar a fidelidade a certos métodos considerados de qualidade cientifica, utilizados pelo cientista no momento da investigação.

Em relação à evolução de uma ciência, KUHN é de opinião que os períodos de crise, que precedem as chamadas revoluções científicas, que provocam o aparecimento de novas teorias.

Esses períodos críticos se caracterizam, segundo ele, pela proliferação de versões teóricas ou de paradigmas concorrentes, com o intuito de criar uma alternativa mais adequada. Prossegue, afirma que se resiste à mudança resistindo à crítica de um paradigma tradicional, cuja aplicabilidade nem se questiona. Diz que na maioria das vezes não é o paradigma que está sendo julgado, mas o próprio cientista.

Argumenta, ainda, em favor da lentidão das transformações científicas, lembrando que a descoberta se inicia com a percepção da anoma-lia, isto é, "...com o reconhecimento de que a natureza violou o paradigma - induziu expectativas que governam a ciência normal".[52]

A conclusão na citada obra de CORACINI é que essa visão de uma ciência institucionalizada explica não apenas a lentidão com que progridem os conhecimentos científicos, como também o aspecto convencional dos discursos e, sobretudo, a tarefa do cientista.

2.2 O Método Filosófico

Abrir-se para além desse horizonte é uma opção de sentido que se afasta das concepções didáticas meramente ilustrativas, no qual nos aventuramos; é um caminho de sacrifícios e eleição de finalidade que não convive com a inércia e com a repetição, uma tarefa de risco, pois expõe aquele que pesquisa e é o que assumimos como compromisso desta tese.

Trata-se de "descobrir e interpretar os fatos que estão inseridos em uma determinada realidade",[53] a pesquisa não há de ser neutra, eis que tem um quadro de referência.[54] É implícito que as relações materiais fundam a base do modo de pensar a sociedade, suas leis e regras.

Localiza-se, no enfrentamento da questão proposta, um ponto de partida.

Essa perspectiva, conforme Luiz Edson FACHIN, "funda uma crença quase sempre inabalável na educação jurídica, distante de um adestramento dogmático embaisamado pela exegese estrita do direito instituído, voltada para os fatos sociais, rente à vida e às circunstâncias.[55]"

Esse elo inicial está exposto na aula inaugural que em 1993 foi proferida na Universidade Federal do Maranhão pelo professor Agostinho Ramalho MARQUES NETO, o qual, após reconhecer que o Direito é a "síntese de múltiplas determinações", bem fez ver que "modelos mecanicistas ficam sempre aquém da compreensão desse processo em sua dialética real", para concluir que o "Direito é fruto de conquistas sociais", e por isso nele há algo de emancipatório.

Aliás, nesse passo, como o fez o professor Alberto VENÂNCIO FILHO no Seminário que a UnB dedicou em maio de 1981 à personalidade extraordinária de Francisco Clementino de SAN TIAGO DANTAS, que esse ponto de partida é congruente com as suas idéias, em especial quando afirmou que "nada falseia mais o espírito jurídico, nada o afasta mais perigosamente do seu verdadeiro sentido, do que a convicção, favorecida pelos longos períodos de estabilidade, de que a vida social deve ajustar-se aos conhecimentos jurídicos, em vez de se adequarem estes àquela."

Na mesma esteira, parecendo que suas palavras foram proferidas há poucos dias, disse ainda SAN TIAGO DANTAS que "só se consideraria, pois, em crise, uma Faculdade em que o saber houvesse assumido a forma de um precipitado insolúvel, resistente a todas as reações. Seria ela um museu de princípios e praxes, mas não seria um centro de estudos."

A partir de tais fundamentos acreditando que esse é o desafio que não confunde estudo e pesquisa com confinamento intelectual realizamos o trabalho.

Fernando PESSOA, do alto de sua sensibilidade, captou isso na palavra de Alberto CAIEIRO que em seus "Poemas" disse:

 "Procuro despir-me do que aprendi. Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, desembrulhar-me e ser eu... É preciso esquecer a fim de lembrar, é preciso desaprender a fim de aprender de novo."

Pensar longe da mera exegese.

Distante da superficialidade como não fizeram os bacharéis de então que nos primeiros anos do século se dedicaram a um verdadeiro "torneio de mandarins" em torno da redação de uma lei, como o foi com o projeto do Código Civil, pouco importando realmente o conteúdo, dando valor ornamental à inteligência, ao talento como prenda, numa erudição desinteressada e descomprometida.

O que se propõe, dentro da política da Instituição, está demarcado, por si só, na geografia do ensino e da pesquisa, que requer em seu mapa cartográfico do saber o "construído" e não a indução ao "dado".

Não se pode, então, conviver com uma atitude de indiferença ou renúncia a uma posição avançada na inovação e mesmo na revisão e superação dos conceitos, contribuindo, abertamente, para fomentar questiona-mentos e fazer brotar inquietudes que estimulem o estudo e a pesquisa comprometidos com seu tempo e seus dilemas. Esta busca questiona os meios de efetivação das tutelas - no ordenamento jurídico - dos princípios e normas de Direitos Humanos - em especial liberdade e consumidor (funcionam?).

Aos cientistas da era pós-moderna não podem se eximir dos novos desafios; de perseguirem, com determinação, a única meta viável que resta, qual seja, a de trazer à tona as instabilidades que se escondem até mesmo naquilo que, pela força de uma longa tradição, parece, para cada um de nós, o mais rigoroso de todos os discursos, a saber, o nosso próprio metadiscurso, desestabilizando, dessarte, todo o discurso de metanarração.

Aderimos a Will DURANT, quando discorre a respeito do Método Filosófico, buscando aplicar na elaboração da tese.

A ciência parece avançar sempre, enquanto a filosofia sempre parece perder terreno. Entretanto, é só porque a filosofia aceita a tarefa árdua e perigosa de lidar com problemas ainda não abertos aos métodos científicos, problemas como bem e mal, beleza e feiúra, ordem e liberdade, vida e morte.

Tão logo um campo de investigação produz conhecimento suscetível de formulação exata, recebe o nome de ciência. Toda ciência começa como filosofia e termina como arte; surge em hipótese e flui em direção da realização.

A filosofia é uma interpretação hipotética do desconhecido. . . ou do que é sabido sem exatidão. . . é a trincheira da frente no cerco à verdade.

A ciência é o território capturado; e à sua retaguarda estão as regiões seguras em que o conhecimento e a arte constróem nosso mundo imperfeito e maravilhoso.

A filosofia parece imobilizada, perplexa; porém, apenas por deixar os frutos da vitória às suas filhas, as ciências, passando, ela própria, divinamente descontente, ao incerto e inexplorado.

Vamos ser mais técnicos? Ciência é descrição analítica, filosofia é interpretação sintética.

A ciência deseja esclarecer o todo por partes, o organismo pelos órgãos, o obscuro pelo conhecido. Não indaga os valores e possibilidades ideais das coisas, nem sua significação total e final.

Contenta-se em mostrar sua realidade e operação presentes, estreitando seu olhar resolutamente para a natureza e processo das coisas, como são.

O cientista é tão imparcial quanto a Natureza no poema de Turgenev: está tão interessado na perna duma pulga quanto nas agruras criativas de um gênio.

O filósofo, porém, não se contenta em descrever o fato; deseja averiguar sua relação com a experiência em geral e dali chegar ao seu significado e mérito; combina coisas em síntese interpretativa; tenta reunir, melhor do que anteriormente, aquela grande observação do universo que o cientista inquisitivo desmembrou analiticamente.

A ciência diz-nos como curar e como matar; reduz a taxa de mortalidade a retalho e depois, na guerra, mata por atacado; mas só a sabedoria — desejo coordenado à luz de toda experiência — pode dizer-nos quando curar e quando matar.

Observar processos e construir meios é ciência. Criticar e coordenar fins é filosofia.

E, nestes dias, porque nossos meios e instrumentos multiplicaram-se além de nossa interpretação e síntese de ideais e finalidades, nossa vida está cheia de som e fúria, sem nenhum significado. Pois um fato não é nada, exceto em relação ao desejo; não é completo, exceto em relação a um propósito e a um todo.

A ciência sem a filosofia, fatos sem perspectiva e avaliação, não nos podem salvar da devastação e do desespero.

A ciência dá-nos o conhecimento, porém só a filosofia pode proporcionar-nos sabedoria.[56] -grifo meu –

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Sobre o autor
José Sebastião Fagundes Cunha

Desembargador do TJPR Presidente da 3ª Câmara Civil Tributário / Relações de Trabalho Doutor pela UFPR Pós-Doutor pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, José Sebastião Fagundes. O pensamento jurídico, a prisão civil, o Mercosul e o método de pesquisa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -335, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3094. Acesso em: 2 mai. 2024.

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