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Ação de usucapião especial urbano coletivo. Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade):

enfoque sobre as condições da ação e a tutela

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4.À guisa de conclusão

O objetivo deste artigo não foi esgotar a analise deste novo instrumento de molecularização do processo, a ação de usucapião especial urbano coletivo, mas apenas traçar algumas linhas que possam influenciar na sua compreensão a partir de um ponto de vista do processo coletivo. Podemos sintetizar o exposto da seguinte forma :

1- O Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana, apresenta-se como instrumento legislativo importante para solucionar muito dos problemas relacionados com o desenvolvimento urbano, especialmente voltado ao direito de morar, e que deve ser interpretado de forma a cumprir o seu escopo social.

2- Os interesses que regula são de natureza notadamente social, e visam atender a antigo reclamo social por uma gestão mais democrática do espaço urbano, como expressão da organização social e instrumentalizar o exercício da democracia participativa, eliminando do meio urbano a o falso domínio, pois domínio que não cumpre a sua função social não è a propriedade constitucionalmente protegida.

3- Regulamentando a direito ao usucapião especial urbano, o legislador bifurcou-o em duas modalidades: a ação de usucapião especial urbano tradicional, com o objetivo de decretação da prescrição aquisitiva de forma particularizada, prevista no art. 9º., para áreas de até 250 m2, e, a ação de usucapião especial urbano coletivo, previsto no art. 10, com o objetivo de decretar a prescrição aquisitiva a favor de uma comunidade de área superior a 250 m2 e globalmente considerada, a isto somados os demais requisitos previstos na referida lei.

4- Fundamental na interpretação da ação de usucapião coletivo é compreender as suas regras a partir de um prisma processual que valorize o paradigma coletivo, sob pena de se transformar o novo instrumento em apenas um mega-litisconsórcio ou exercício de composse, o que não atende aos objetivos do legislador.

5- A ação de usucapião coletivo têm a legitimidade ativa deferida associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados(art. 12, inc. III).

6- O pedido de tutela coletiva deve dirigir-se à aquisição coletiva da propriedade da área considerada como um todo indivisível, mesmo no caso de já terem os condôminos decididos frações ideais diferenciadas, temos que neste caso o juízo apenas deverá homologar esta divisão das frações diferenciadas, após ter decretado por sentença o usucapião da área considerada no todo.

7- A prova do período de ocupação da área coletivamente considerada e não particularmente considerada, por cada um dos eventuais beneficiários, pelo prazo de cinco anos, pode ser comprovado pela existência na área pleiteada pela comunidade, de atividades públicas realizadas neste prazo, tais como terraplenagem, realização de esgoto, instalação de rede elétrica, ou existência de equipamentos públicos, como escolas, postos de saúde, mercados, todos velhos de meia década, dos quais justamente se serve a comunidade, e que estão situados dentro da área reivindicada coletivamente, ou mesmo nos limites da área pretendida.

8 - Basta ao substituto processual, juntar aos autos ata da assembléia que deliberou pela propositura da ação e o estatuto, quando do ajuizamento, para cumprir a exigência legal da autorização específica dos representados. Exigir mais do que isso seria inviabilizar o instrumento, e fazer uma leitura incorreta do novel instituto processual interpretando-o pelo prisma tradicional.

9 – Deveria o legislador não limitar tanto a legitimidade ativa ao ajuizamento da ação coletiva, apenas às associações legalmente constituída, representante das comunidades, devidamente autorizadas, para legitimar entes da administração pública e o Ministério Público.

10 - Embora a legitimidade da ação de usucapião coletivo, seja estrita, como definido no artigo 12, III da Lei 10.257/01, temos como possível a utilização do instrumento da ação civil pública, ou outra modalidade de ação coletiva, a fim de se obter medida jurisdicional com efeito semelhante ao ali permitido pelo legislador, dado que neste caso temos evidente que seria possível se enquadrar o desenvolvimento urbano e o direito de morar como um interesse metaindividual, combinando as regras das leis n. 7.347/85 e lei. 8.078/90, com, as regras do Estatuto da Cidade.

Esta é a leitura que nos foi possível no primeiro embate com este instrumento esperando contribuir para que o instituto seja compreendido de forma a possibilitar uma mais eficaz e expedita tutela coletiva ao direito de morar, pois todo homem ou mulher merece ter o seu castelo.


NOTAS

1.Uma interessante leitura jurídica sobre o fenômeno das regiões metropolitana, como reflexo do nosso federalismo de integração, o artigo do professor Alaôr Café Alves Regiões Metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões: novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro, In Temas de Direito Ambiental e Urbanístico, org, Guilherme José Purvin de Figueiredo. São Paulo : Max Limonad.1998. p. 11 a 44. Ainda uma leitura sobre as relações do direito e propriedade e o direito urbanístico, cf o Vol 2, da Revisa de Direitos Difusos, São Paulo: Adcoas. 200O, especialmente o curto, mas interessante artigo O direito constitucional aa moradia e os efeitos da emenda constitucional no. 26/2000, de Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira e Rodrigo Pieroni Fernandez, que alterou o artigo 6. da CF para incluir o direito de moradia como um direito social, exortando a não deixar ser letra morta a referida emenda, de fato, agora parece que a Lei n. 10.257/01 vem instrumentalizar a referida alteração constitucional, e merece a reflexão de todos nós.

2.A respeito desta interpretação da propriedade e a sua ausência aos direitos de tutela possessória pelo não cumprimento da função social, confira-se GRAU, Eros Roberto. Parecer.In.A Questão Agrária e a Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 200 e 201. Ainda, o artigo do Professor Fábio Konder Comparato. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. In. A Questão Agrária e a Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais.2000. p 145

3.Importante destacar que ao estabelecer o nosso objetivo neste artigo de analisar os contornos processuais deste novo instituto, como decorrente metodologia para facilitar a abordagem, optando por analisar os aspectos predominantemente processuais, não estamos esquecendo de considerar que há pontos de estrangulamento em que ocorrem institutos que embora com aparência de direito processual dado a sua íntima ligação com a ordem material, são de direito material, ou vice-versa, pois não devemos esquecer que a ordem processual não é um fim em si mesma. Tais pontos de estrangulamento ocorrem quando se trata das condições da ação, da disciplina da prova e da responsabilidade patrimonial etc. Esta abordagem e nomenclatura é construída por Cândido Dinamarco. Cf Dinamarco, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, 4ª ed., São Paulo, Malheiros editores, 1994, págs. 45; 183 e 186. Sobre este tema, ainda, Os institutos fundamentais do direito processual In Fundamentos do Processo Civil Moderno, Tomo I, 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, especialmente páginas 92 a 99.

4.LIEBMAN, Enrico Tulio,Manual de Direito processual Civil.Vol. I. 2 ed. tradução e notas Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense. 1995.p.161, nota 106.

5.Dinamarco, Cândido Rangel. Execução Civil.4 ed.São Paulo:Malheiros.1994.p 383.

6.Idem, ibidem.p384.

7.Instituições de Direito Civil, Vol. IV, 2ª. ed, Rio de Janeiro; Forense.1991.p. 28. Válido, ainda, citar a lição de Carlos Alberto Bittar, que "a composse manifesta-se como resultado de ajuste entre os titulares, ou por força de lei, dado o estado de indivisão presente, incidindo sobre cota ideal, ou sobre partes definidas em concreto, na harmonização dos interesses envolvidos". Curso de Direito Civil, vol 2. Rio de Janeiro : Forense Universitária. 1994. p 860.

8.Como nota-se há uma estreita ligação com esta impossibilidade jurídica e a ilegitimidade ad causum, fato natural se considerarmos que todas as condições da ação estão interligadas de maneira bem sutil.

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9.As pessoas que não são de baixa renda, mas ocupem imóvel de até 250 m2, para fins residenciais, sem, oposição, pelo prazo de cinco anos, sem ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural, podem se beneficiar da ação de usucapião especial urbano, prevista no artigo 9º. da Lei 10.257/01.

10.Na realidade, aqui estão presentes os elementos da crítica de Dinamarco, que nestes casos de ações típicas, estas especiais condições previstas pelo legislador não são da ação, mas na verdade ele está traçando os contornos do direito subjetivo a ser tutelado, no entanto, polêmica à parte do renomado autor, o enfoque ora empreendido, atende aos nossos objetivos de análise, daí a sua inserção dentro do tema das condições da ação de usucapião coletivo, especificamente na possibilidade da demanda em razão da causa de pedir, embora concordemos em última análise com o seu posicionamento. Para uma melhor compreensão, sobre este enfoque cf Contra as ações típicas, no capítulo X, Das ações típicas In Fundamentos do Processo Civil Moderno, Tomo I, 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, especialmente páginas 348 e 349.

11.Grinover, Ada Pellegrini.Da class action for damages à ação de classe brasileira: os requisitos de admissibilidade.RePro 101. São Paulo: Ed. RT, Jan/mar 2001, p. 21 a 24.

12."O requisito da necessidade concreta da jurisdição significa que a ação não nasce se e enquanto as forças do próprio direito substancial objetivo não se mostrarem incapazes de eliminar a situação lamentada" Dinamarco, Cândido Rangel. Execução Civil.4 ed.São Paulo:Malheiros.1994 p.406.

13.Adequação é o requisito que significa que "o Estado condiciona ainda o exercício da atividade jurisdicional, em cada caso, à concreta correlação entre o provimento desejado e a situação desfavorável lamentada pelo demandante". Idem, ibidem.p. 406.

14.Idem, ibidem.p 397.nota 103.

15.LIEBMAN, Enrico Tulio,Manual de Direito processual Civil.Vol.I. 2 ed. tradução e notas Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense. 1995.p. 155 e 156

16.Idem, ibidem.p.156

17.LIEBMAN, Enrico Tulio,Manual de Direito processual Civil.Vol. I. 2 ed. Tradução e notas Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense. 1995.p.157

18.Para uma compreensão mais sistemática sobre os modelos de legitimidade ativa no campo dos interesses metaindividuais ou coletivos, onde se enquadra o presente instrumento, o nosso artigo Tutela de interesses metaindividuais – Escopo dos sistemas de pressupostos de legitimidade ativa – A contramão da história: Medida Provisória 1.984-24, de 24.11.2000, que acresceu parágrafo único aos artigos 1º. e 2º. da Lei 7.734/85. In Revista dos Tribunais.90/787, maio 2001.

19.Mas apesar dos seus limites é um importante avanço legislativo, inclusive devendo ser criado instrumento semelhante no âmbito rural, a fim de possibilitar o usucapião coletivo de áreas rurais, onde estes conflitos se apresentam com maior ocorrência, e, ainda, para facilitar o procedimento de titulação de áreas de remanescentes de quilombos. Para uma análise e estudo do fenômeno da posse coletiva no âmbito rural, sugerimos o nosso artigo Reforma Agrária – Titulação coletiva de populações tradicionais do Estado do Pará – Elementos de experiência de um novo paradigma. In Caderno de Teses e Comunicações do XXVI Congresso Nacional de Procuradores de Estado. Goiânia : Centro de Estudos PGE/GO.2000, o mesmo artigo no site da Revista Virtual Jus Navigandi (www.jus.com.br), sobre o tema da posse coletiva, ainda, ANDRADE, Lúcia de e TRECCANI, Girolamo Domenico Treccani. Terras de Quilombo, In Direito Agrário Brasileiro, Org. Raimundo Laranjeira. São Paulo: LTr. 1999; BENNATTI, José Heder, e MAUÉS, Antônio Gomes Moreira.Pluralismo Jurídico e as Posses Agrárias na Amazônia In Lições de Direito Civil Alternativo.Org. Silvio Donizete Chagas. São Paulo : Editora Acadêmica.1994; BENNATTI, José Heder A Posse Agrária Alternativa e a Reserva Extrativista na Amazônia In A Amazônia e a Crise da Modernização. Org. Maria Angela D’incao & Isolda Maciel da Silveira. Belém : Museu Paraense Emílio Goeldi. 1994 e ainda o livro do professor Girolamo Domenico Treccani : Violência e Grilagem: instrumentos de aquisição da propriedade da terra do Pará, Belém : ITERPA/UFPa. 2001, p. 60 a 66.

20.Cf Tutela de interesses metaindividuais – Escopo dos sistemas de pressupostos de legitimidade ativa – A contramão da história: Medida Provisória 1.984-24, de 24.11.2000, que acresceu parágrafo único aos artigos 1º. e 2º. da Lei 7.734/85. In Revista dos Tribunais.90/787, maio 2001. A presente concepção será melhor exposta em nosso livro Litisconsórcio, efeitos da sentença e coisa julgada na tutela coletiva. Rio de Janeiro : Forense.2001 (no prelo)

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Sobre o autor
Ibraim José das Mercês Rocha

advogado, procurador do Estado do Pará, mestre em Direito pela UFPA, secretário do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública no Pará, ex-diretor do departamento jurídico do Instituto de Terras do Pará (ITERPA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Ibraim José Mercês. Ação de usucapião especial urbano coletivo. Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade):: enfoque sobre as condições da ação e a tutela. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2406. Acesso em: 7 mai. 2024.

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