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A reprodução não-autorizada de obras literárias na Internet

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19/11/1997 às 00:00
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5. LIMITAÇÕES AOS DIREITOS AUTORAIS


Por outro lado, esse mesmo interesse social, ao fundamentar juridicamente a proteção aos direitos do autor, justifica a necessidade de, em certos casos, haver uma limitação a esses direitos, para que a sociedade possa também favorecer-se com o uso da obra. Essas limitações são exceções que se impõe aos titulares dos direitos autorais quanto a determinados usos, dispostas no próprio direito positivo, baseadas na função social da propriedade intelectual.

Então, dialeticamente, o direito positivo com supedâneo no interesse social dá ao autor o direito exclusivo de utilização econômica de sua obra, e, ao mesmo tempo, com base nesse mesmo interesse social, determina a não exclusividade, em certos casos, em favor da sociedade como um todo.

Essas exceções são prerrogativas taxativas que variam de legislação para legislação segundo o nível de desenvolvimento cultural, econômico e social de cada país. Apesar de algumas convenções determinarem certas limitações aos direitos autorais, possibilita-se que cada país discrimine suas próprias limitações. Dessa forma, estabelece a alínea 2 do art. 9º da Convenção de Berna (1971), que:

"os países da União têm a faculdade de permitir a reprodução de citadas obras, em certos casos especiais, sempre que uma tal reprodução não atente contra a exploração normal da obra nem cause um prejuízo injustificado aos interesses do autor."

Portanto, ao delimitar as exceções a serem toleradas pelos autores, deve-se ter em mente que em hipótese alguma poderia ser retirada desse autor a prerrogativa de poder aproveitar-se economicamente todo o potencial lucrativo contido em sua obra.

Esse argumento é utilizado por aqueles que defendem a cobrança dos direitos autorais de obras publicadas na internet, mesmo sem lucro. Pois, alegam os adeptos desse argumento que ao publicar a nível mundial gratuitamente a obra inteira de um autor, a comercialização desta obra tornaria-se completamente inviável ou, no mínimo, bastante prejudicada.

Tentaremos demonstrar mais a frente que esse argumento, apesar de razoável, não corresponde inteiramente com a verdade. Um bom exemplo disso é o fato de que a maioria dos grandes jornais possuem páginas na internet onde disponibilizam toda a sua publicação diária sem cobrar um centavo sequer. Estes jornais estariam sendo tão benevolentes a ponto de, em favor da informação pública, arriscar toda a venda de seu periódico? Certamente que não.

Vale salientar, outrossim, que esses limites devem ser taxativos. Ou seja, as limitações devem ser categoricamente expostas pelo legislador, para que não ocorra abusos em nome de um pseudo interesse público. Assim, as exceções são numerus clausus e devem ser interpretados restritivamente.

Dentre esses limites podemos citar as decorrentes da natureza da obra, como os textos dos atos oficiais, as notícias, certas obras orais etc; as expressas em convenções internacionais, como o uso privado, o uso para fins judiciários ou administrativos (Conferência de Estocolmo para revisão da Convenção de Berna); as acolhidas pelas legislações de vários países, incluindo-se uma que nos interessa em especial, a saber, o fair use (uso legítimo ou uso razoável, se bem que a primeira tradução pareça-nos mais apropriada) nascido no direito pretoriano norte-americano, que, apesar de constituir o gênero de uma série de limitações ( direito de citação, a licitude das paródias, a reprografia nas bibliotecas etc ) fundamenta-se em um princípio constitucional que é a fonte de todo o direito autoral norte-americano, e que corresponde com a finalidade social:

"to promote the Progress of Science and useful Arts, by securing for limited Times to Authors and Inventors the exclusive Right to their respective Writings and Discoveries."

5.1 O FAIR USE NORTE-AMERICANO E A INTERNET

Como foi dito anteriormente, o uso legítimo constitui uma exceção a prerrogativa que dá aos autores a exclusividade do uso de sua obra.

De fato, no Capítulo 1 (Subject Matter and Scope of Copyright), a Seção Nº 107, esclarece o seguinte:

"Seção 107. Apesar das medidas da seção 106, o uso legítimo de um trabalho de um direito autoral, incluindo tanto o uso por reproduções em cópias ou fitas ou por quaisquer outros meios especificados, por esta seção, para fins de crítica, comentário, reportagens de revistas, ensino (incluindo múltiplas cópias para uso em classe), cultura ou pesquisa, não é infração de direito autoral. Para determinar se o uso feito de um trabalho em um caso particular é uso legítimo, os fatores a serem considerados devem incluir:

1. o propósito e o caráter do uso, incluindo se tal uso é de natureza comercial ou se tem propósitos educacionais não lucrativos;

2. a natureza do trabalho com direito autoral;

3. a quantidade e substancialidade da parte usada em relação ao trabalho com direito autoral como um todo; e

4. o efeito do uso sobre o potencial mercado ou o valor do trabalho com direito autoral."

Desta forma, o fair use exige certos requisitos a serem observados. Não observando algum dos fatores enumerados pela lei, não se tratará de uso legítimo e sim de violação aos direitos autorais.

Chegamos, portanto, ao objetivo de nosso trabalho: as obras literárias disponíveis na internet, sem a autorização do autor, e sem intuito de lucro, devem ser consideradas uso legítimo ou violação de direitos autorais? Para responder a essa pergunta baseamo-nos em grande parte na nossa prática como usuário. Conhecendo por dentro a filosofia da internet e sabendo das dificuldades do controle e regulamentação, consideramos que grande parte das reproduções que ocorrem atualmente de obras literárias deve ser vista como uso legítimo, em que pese o fato de nossa legislação e a maioria das legislações do mundo (com o apoio dos doutrinadores) considerarem essa disponibilização como uma ofensa aos direitos dos autores.

Nossa opinião seria facilmente derrubada se não conseguíssemos demonstrar que essa prática não traz ao titular dos direitos autorais dessas obras um substancial prejuízo. Obviamente, não estaríamos sendo honestos se dissemos que a disponibilização de obras literárias na internet não causa prejuízo nenhum ao titular de tais direitos. Certamente que causa. No entanto, esse prejuízo é bastante pequeno e será compensado com a propaganda que o autor obterá.

Não pretendemos demonstrar matematicamente que a compra de um livro compensa muito mais do que a obtenção desse livro pela internet, tanto pelo aspecto financeiro como pelo fato de ser mais prático ir a uma livraria e comprar tal livro do que capturar (download) pela internet e o imprimir (pois ler um livro completo através da tela do computador é quase impossível). Para comprovar isso basta voltarmos ao exemplo dos jornais que publicam seus periódicos gratuitamente.

Outro grande argumento a nosso favor reside no fato de que as bibliotecas públicas ao disponibilizarem uma infinidade de obras gratuitamente não tornam a comercialização dessas mesmas obras inviáveis. Ora, quem quiser pode dirigir-se a uma biblioteca pública e ler qualquer obra livre de qualquer custo. Mesmo assim as obras literárias ainda são vendidas em larga escala sem o titular dos direitos autorais sofrer aparentemente nenhum prejuízo.

Além disso, o fato de a informação estar disponível gratuitamente a todos incentiva muito mais o desenvolvimento da produção literária, artística e científica do que se as obras fossem acessíveis apenas àqueles que possuem condições financeiras para arcar com as despesas referentes ao pagamento da obra.

5.2 DIREITOS AUTORAIS E O PRINCÍPIO DO LIVRE ACESSO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Assim, os autores devem à comunidade uma espécie de retribuição no sentido de permitir a divulgação de suas obras visando o interesse social no aperfeiçoamento intelectual, na instrução popular, na formação cultural da juventude.

Os que defendem esta mesma opinião, que na maioria nem juristas são, não reconhecem limitação alguma nesta socialização, ou popularização da informação. Para eles, restringir de qualquer forma o acesso à informação e a livre expressão é uma afronta à própria democracia, uma vez que fere o princípio da isonomia e da livre informação. Além do que, nesta fase de globalização da Era da Informática não é mais o "o forte que devora o fraco" ou "o rico que supera o pobre", e sim o bem informado que engole o ignorante.

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Desta visão do direito de expressão surgiu uma campanha internacional, dentro do cyberespaço denominada ribbon blue (fita azul), que no Brasil foi chamada de li-br-dade de expressão. A grande repercussão desta campanha influenciou, inclusive, a decisão da Suprema Corte Americana a declarar inconstitucional o Decent Act, que tentava por limites à pornografia na rede.

Na qualidade de jurista, no entanto, ao analisar a questão da liberdade de expressão e os direitos autorais na internet percebemos logo uma limitação óbvia, ou seja, a proteção aos direitos morais do autor, tais como a inderrogabilidade do direito de inédito, a eficácia do direito de arrependimento e o direito à conservação da integridade da obra. Não se trata de limites à proteção, mas limites a liberdade de expressão. São os direitos morais do autor inalienáveis e irrenunciáveis. Toda produção literária, artística e científica que seja criação do espírito estão protegida pelo escopo dos direitos morais do autor, inclusive as que já pertencem ao domínio público, que neste último caso cabe ao Estado zelar por essa proteção. Nesse sentido, nos lembra MANSO:

"E, evidentemente, neste particular, não cabe falar em limitações, visto que, a não ser em casos e situações muito especiais, as prerrogativas não patrimoniais, de ordem moral, devem ser mantidas na esfera de decisão dos autores. Daí porque não será admissível, sob condição alguma, qualquer que seja a finalidade da reprodução reprográfica, qualquer, a qualidade de seu usuário e qualquer, a de quem fornece a cópia, quando a obra ainda não tenha sido publicada, e até mesmo que tenha havido divulgação ou uma edição limitada." (Manso, Eduardo Vieira. Direitos Autorais, p. 253)

5.3 AS EXCEÇÕES NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO

A lei 5.988/73 adotou uma série de limitações aos direitos dos autores. Estas limitações estão quase na totalidade dispostas no capítulo IV, que dispõe em três artigos apenas (art. 49, art. 50 e art. 51) as limitações aos direitos do autor, nos seguintes termos:

"Art. 49. Não constitui ofensa aos direitos do autor:

I- a reprodução:

a) de trechos de obras já publicadas, ou ainda que integral, de pequenas composições alheias no contexto de obra maior, desde que esta apresente caráter científico, didático ou religioso, e haja a indicação da origem e do nome do autor;

b) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, sem caráter literário, publicados em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;

c) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;

d) no corpo de um escrito, de obras de arte, que sirvam, como acessório, para explicar o texto, mencionados o nome do autor e a fonte de que provieram;

e) de obras de arte existentes em logradouros públicos;

f) de retratos, ou de representação da efígie, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representadas ou de seus herdeiros;

II- a reprodução, em um só exemplar, de qualquer obra, contanto que não se destine à utilização com o intuito de lucro;

III- a citação, em livros, jornais ou revistas, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica;

IV- o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada, porém, sua publicação, integral ou parcial, sem autorização expressa de quem as ministrou;

V- a execução de fonogramas e transmissões de rádio ou televisão em estabelecimentos comerciais, para demonstração à clientela;

VI- a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar, ou para fins exclusivamente didáticos, nos locais de ensino, não havendo, em qualquer caso, intuito de lucro;

VII- a utilização de obras intelectuais, quando indispensáveis à prova judiciária ou administrativa;

Art. 50. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária, nem lhe implicarem descrédito.

Art. 52. É lícita a reprodução de fotografias em obras científicas ou didáticas, com a indicação ou nome do autor, e mediante o pagamento de retribuição eqüitativa a ser fixada pelo Conselho Nacional de Direito Autoral."

Desta forma, apenas esses casos enumerados pela lei poderão ser alegados como meio de defesa para a livre utilização das obras intelectuais.

Vemos, portanto, que a legislação não considera a disponibilização pública de obras literárias sem o intuito de lucro como uma limitação ao direito do autor. No entanto, permite a reprodução em um só exemplar, de qualquer obra, contanto não se destine à utilização com o intuito de lucro.

Para que a disponibilização de obras literárias na internet sem a autorização do titular não constitua ofensa aos direitos autorais, necessário se faz que a legislação inclua esse dispositivo no rol das limitações aos direitos do autor.

Por enquanto, tendo em vista que não há essa permissão legal, a solução viável que encontramos para que não haja uma diminuição nas informações disponíveis na internet, é a mesma do caso da home-page do Vinícius de Moraes: se houver alguma ameaça jurídica por parte dos titulares de alguma obra, tentando restringir a liberdade de expressão na internet, o melhor seria tentar comover a comunidade cibernética e transferir essa página para um site em outro país não unionista.

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Sobre o autor
George Marmelstein Lima

Juiz Federal em Fortaleza (CE). Professor de Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, George Marmelstein. A reprodução não-autorizada de obras literárias na Internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1792. Acesso em: 30 abr. 2024.

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