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Arbitragem nos conflitos de consumo

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5 COMO A ARBITRAGEM DE CONSUMO PODERIA SER IMPLANTADA NO BRASIL

No Brasil, o sistema de proteção ao consumidor, previsto no Código de Defesa do Consumidor, conforme elucida Casella [20], desde a vigência do Decreto 861/93, posteriormente substituído pelo Decreto Federal 2.181/97, estaria estruturado e teria existência legal, todavia sua operacionalidade ainda carecia ser dimensionada. O autor, já naquela época, apontava a arbitragem como alternativa plausível para viabilizar uma maior efetividade na solução dos conflitos de consumo. Sua proposta, a seguir transcrita, faz menção ao modelo argentino:

Além e ao lado do aparato legal já existente, a proposta de utilização da arbitragem para a solução de controvérsias ligadas ao consumo pode ser alternativa eficiente para o consumidor brasileiro, a exemplo do que foi experimentado e deu resultados na Argentina.

Conforme sugere Evandro Zuliani [21], a solução para implantação de uma arbitragem de consumo que tivesse uma rápida aceitação pelos cidadãos brasileiros, cuja mentalidade ainda é significativamente arraigada pela ideia de credibilidade estatal, a exemplo do modelo argentino, seria fazer uso da estrutura estatal.

A credibilidade nas estruturas estatais em geral e, especificamente, nos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor, conforme elucida Zuliani [22], tem sua origem no protecionismo estatal. Para ratificar sua afirmação, invoca a doutrina de Patrícia Galindo da Fonseca, que justifica a existência dessa característica, argumentando que:

O protecionismo estatal provocava no inconsciente coletivo a convicção de ser o Estado a única instituição apta a solucionar questões envolvendo os seus jurisdicionados.

[...]

As dificuldades de aceitação e assimilação da arbitragem no Brasil devem-se sobretudo, à nossa formação romanista do Direito. A convicção de que só juiz satisfaz os requisitos necessários e se investe de autoridade para julgar problemas jurídicos encontra respaldo no consciente coletivo de nossa sociedade.

Tendo em vista a credibilidade dos poderes públicos, e a consequente necessidade de realização da arbitragem por órgãos ligados ao Estado, como forma de implantar uma cultura arbitral de forma gradativa e metódica [23], uma solução possível seria utilizar a estrutura já existente dos Procon’s, já que, como bem lembra Zuliani [24]

diante das ainda existentes dificuldades de acesso à justiça e a repercussão dos serviços prestados pelos Procon, muitos veem nestes órgãos administrativos a ‘tábua de salvação’ para seus problemas de consumo – sem mencionar os cíveis, trabalhistas previdenciários etc – ledo engano. Na maioria das vezes, desconhecendo os limites da atuação administrativa que não pode ultrapassar a linha da tentativa de mediar o conflito, o consumidor sente a frustração de aguardar período (muitas vezes longo) para então ser orientado a engrossar as filas do já abarrotado Poder Judiciário.

Todavia, como bem afirma o autor,

é fato que a imagem construída pelos Procon decorre, sem dúvida, da expressiva quantidade de acordos realizados, entretanto, em que pese a inevitável demora no encaminhamento da reclamação, se o acordo acontece tudo vai bem, do contrário, a simples recusa do fornecedor (seja de comparecer na audiência seja de compor o conflito com o consumidor) é capaz de por termo ao procedimento administrativo.

É sob essa perspectiva que se faz relevante a instituição de juízo arbitral nos órgãos públicos de defesa do consumidor, estrutura esta que ofereceria inúmeros benefícios, não só para as partes envolvidas, mas também para a sociedade que ganharia em qualidade e eficiência na prestação de um serviço público. [25]


7 REFERÊNCIAS

BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais: a nova mediação processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

BENZRIHEN, María Fernanda. La participación de los consumidores como generador de la cadena de valor del servicio público prestado por el Estado. In: Cuarto Congreso Argentino de Administración Pública – Sociedad, Gobierno y Administracón. Beunos Aires, 22-25 ago. 2007. Disponível em: http://www.ag.org.ar/4congreso/index.htm. Acesso em: 24/05/2009.

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Malheiros, 1998.

CASELLA, Paulo Borba. Arbitragem para consumo. Disponível em: http://www.arbitragem. com.br/artigos2.htm. Acesso em: 14 abr. 2009.

CATALAN, Marcos Jorge. O procedimento do Juizado Especial Cível. São Paulo: Mundo Jurídico, 2003, p. 125.

ETCHEVERRY, Carlos Alberto. A Nova Lei de Arbitragem os Contratos de Adesão: algumas considerações. In Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: n. 21, jan/mar, 1997.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 534

REIS, Nazareno César Moreira. Por que a arbitragem não é jurisdição? . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2101, 2 abr. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/12566. Acesso em: 03 abr. 2009.

ZULIANI, Evandro. Arbitragem e os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 251, 15 mar. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/4987. Acesso em: 14 abr. 2009.


Notas

[...]

VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;

  1. O salário mínimo brasileiro, por força da Medida Provisória nº 456/2009, de 30/01/2009, é de R$ 465,00 desde 01/02/2009.
  2. O artigo 4º da Lei de Arbitragem define cláusula compromissória como "a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato".
  3. O compromisso arbitral consiste na renúncia das partes à jurisdição estatal. As partes escolhem um árbitro a cuja decisão devem submeter-se. O compromisso arbitral tem lugar após o surgimento de conflito de interesses entre as partes, podendo ser firmado antes da instauração de processo judicial ou mesmo quando este já foi iniciado.
  4. De acordo com o artigo 7º da Lei 9.099/95, juízes leigos são auxiliares da Justiça recrutados entre advogados com mais de cinco anos de experiência. Estes, quando designados árbitros, devem dirigir o processo consoante o disposto no artigo 25 da Lei 9.099/95, ou seja, "com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica". Deve ainda o árbitro proferir a decisão reputada mais justa, equânime e que mais bem atenda aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. Note-se que, nos Juizados Especiais, o árbitro deve ser escolhido entre os juízes leigos. Entretanto, quando arbitragem ocorre fora do âmbito dos Juizados Especiais, a Lei de Arbitragem, em seu artigo 13, prescreve que pode ser árbitro qualquer pessoa capaz que desfrute da confiança das partes, sendo possível a nomeação de mais de um árbitro, desde que o número deles seja ímpar.
  5. CATALAN, Marcos Jorge. O procedimento do Juizado Especial Cível. São Paulo: Mundo Jurídico, 2003, p. 125.
  6. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
  7. Conforme o art. 54 do Código de Defesa do consumidor, "contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo."
  8. De acordo com o artigo 9º, caput, § 1º e 2º da Lei 9.307/96, há duas modalidades de compromisso arbitral: O judicial, que diz respeito a litígios que já vêm sendo discutidos na Justiça, e que, portanto, deve ser celebrado por termo nos autos; e o extrajudicial, que tem lugar quando ainda não há demanda ajuizada. Nesse caso, o compromisso celebra-se por escritura particular assinada por duas testemunhas ou por escritura pública.
  9. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 534
  10. Cf. ETCHEVERRY, Carlos Alberto. A Nova Lei de Arbitragem os Contratos de Adesão: algumas considerações. In Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: n. 21, jan/mar, 1997.
  11. REIS, Nazareno César Moreira. Por que a arbitragem não é jurisdição? . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2101, 2 abr. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/12566 . Acesso em: 03 abr. 2009.
  12. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 110.
  13. BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais: a nova mediação processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 147.
  14. Lei 9.099/95, art. 9º: "Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória".
  15. Apud ZULIANI, Evandro. Arbitragem e os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 251, 15 mar. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/4987. Acesso em: 14/04/2009.
  16. CASELLA, Paulo Borba. Arbitragem para consumo. Disponível em: http://www.arbitragem. com.br/artigos2.htm. Acesso em: 14/04/2009.
  17. BENZRIHEN, María Fernanda. La participación de los consumidores como generador de la cadena de valor del servicio público prestado por el Estado. In: Cuarto Congreso Argentino de Administración Pública – Sociedad, Gobierno y Administracón. Beunos Aires, 22-25 ago. 2007. Disponível em: http://www.ag.org.ar/4congreso/index.htm. Acesso em: 24/05/2009.
  18. CASELLA, Paulo Borba. Arbitragem para consumo...
  19. BENZRIHEN. La participación de los consumidores...
  20. CASELLA, Paulo Borba. Arbitragem para consumo...
  21. ZULIANI, Evandro. Arbitragem e os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 251, 15 mar. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/4987. Acesso em: 14 abr. 2009.
  22. ZULIANI. Arbitragem e os órgãos integrantes...
  23. ZULIANI. Arbitragem e os órgãos integrantes...
  24. ZULIANI. Arbitragem e os órgãos integrantes...
  25. ZULIANI. Arbitragem e os órgãos integrantes...
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Sobre a autora
Yvana Savedra de Andrade Barreiros

Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA), Especialista em Língua Portuguesa (PUCPR), Graduada em Direito (UnicenP), Graduada em Comunicação Social - Jornalismo (PUCPR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARREIROS, Yvana Savedra Andrade. Arbitragem nos conflitos de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2235, 14 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13322. Acesso em: 5 mai. 2024.

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