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Turnos ininterruptos de revezamento

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20/04/2009 às 00:00
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5. DA ESTABILIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TST

Ulteriormente, o Tribunal Superior do Trabalho reviu o consolidou as suas orientações jurisprudenciais e súmulas mediante a Resolução Administrativa Res. 139/2006 publicada no Diário de Justiça em 10/10/2006.

Especificamente quanto ao tema dos turnos ininterruptos de revezamento, a OJ 169 foi cancelada diante da edição da súmula 423 nos seguintes termos:

"Súmula 423 TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. FIXAÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO MEDIANTE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. VALIDADE.

Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não tem direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras."

Interessante ressaltar que o texto da súmula acima transcrita teve origem no julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência suscitado no processo nº TST-E-RR-576.619/1999, sendo relator o Ministro João Batista Brito Pereira, destacando-se por pertinente as seguintes passagens do voto condutor que a toda evidência cristalizam o melhor entendimento atinente ao objetivo da norma constitucional que, antes de tudo, buscou valorizar o princípio da autonomia privada coletiva, em sintonia com o disposto no artigo 8º, incisos III (ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;) e VI (é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;) da Carta Magna:

"A mutação constitucional a que se refere o Professor Uadi Bulos tem origem quando se percebe na sociedade uma mudança na concepção original do Poder Constituinte, in casu o originário, que conferiu a redação ao art. 7º, inc. XIV, da Constituição da República.

Mas não parece que, ao longo desses 18 anos de vigência da Constituição Federal, a concepção em torno de turnos ininterruptos de revezamento tenha mudado. Os processos produtivos de grande escala cada vez mais se orientam no sentido de atenderem à demanda de mercado por intermédio de uma produção sem interrupção dos trabalhos.

De outro lado, desde a promulgação da Constituição da República, os efeitos dos turnos ininterruptos de revezamento sobre o relógio biológico dos empregados são tais e quais àqueles de 18 anos atrás.

Portanto, as questões que se põem à presente controvérsia são: a) por que a opção do legislador constituinte originário de ressalvar, por norma coletiva, jornada de trabalho distinta das seis horas diárias para os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento?

b) por que permitir a fixação de jornada além das seis horas diárias por norma coletiva, se ainda persistirá ao empregador a obrigação de pagar horas extras?

Representatividade Sindical. Opção do Poder Constituinte Originário Nesta ordem, necessário verificar que o Poder Constituinte originário, mediante o art. 7º da Constituição da República, ao tempo em que fixou patamares mínimos para os empregados urbanos e rurais, permitiu margem de negociação à vontade coletiva, depositando no sindicato a responsabilidade pela manifestação dessa vontade, conforme se verifica nos incs. VI e XIII, XIV e XXVI, a seguir transcritos:

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.

Todas as ressalvas contidas aos direitos mínimos dos empregados têm por pressuposto o fortalecimento da representatividade sindical como legítimo titular da manifestação da vontade coletiva, cunhando-se no mundo jurídico o termo flexibilização do direito do trabalho, assim definido por Luiz Carlos Amorim Robortella:

(...) definimos a flexibilização do direito do trabalho como o instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social (destaquei)."

Mais a frente conclui o Eminente Relator:

"Embora o sistema de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento possa, em tese, prejudicar a integridade física e mental do empregado, comprometendo sua saúde e até seu convívio social, essa modalidade se situa no âmbito da flexibilização balizada pelos próprios limites traçados pelo legislador constituinte, que, no art. 7º, cuidou de discriminar aspectos do contrato de trabalho que podem ser flexibilizados, a saber: salários (inc. VI), duração da jornada normal (compensação e elastecimento, inc. XIII) e duração da jornada nos turnos ininterruptos de revezamento (inc. XIV). Por todo o exposto, é de se concluir que conquanto o prestígio e o status constitucional da negociação coletiva inscritos no art. 7º, inc. XXVI, da Constituição da República, não devam servir de fundamento para a flexibilização absoluta dos contratos de trabalho, é irrecusável a prevalência das disposições insertas em acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho que estipulem, para o sistema de turnos ininterruptos de revezamento, jornada superior a seis horas, sem, entretanto, ultrapassar o limite diário de oito horas ou mensal de quarenta e quatro horas.

Assim, há que se admitir como excludente do direito ao pagamento como extras das horas excedentes à sexta diária a expressa previsão normativa de fixação de jornada de oito horas e desde que observado esse limite e o de quarenta e quatro horas semanais. Do contrário, estar-se-ia negando vigência ao texto constitucional inscrito no art. 7º, inc. XIV, no que excepciona a jornada de seis horas na hipótese de negociação coletiva, sem cogitar de qualquer compensação.

Nesse diapasão, o Tribunal Pleno, em 3/8/2006, no julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado nestes autos, decidiu alterar a Orientação Jurisprudencial 169 da SBDI-1 desta Corte, para fixar o entendimento segundo o qual, uma vez estabelecida jornada superior a seis horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não têm direito ao pagamento das sétima e oitava horas como extras." (Grifamos)

Portanto, a edição da súmula 423 por parte do Tribunal Superior do Trabalho consolida o seu entendimento jurisprudencial favorável à validação do processo negocial, desde que respeitados os aspectos materiais e formais, ainda que a jornada em turnos ininterruptos de revezamento venha a ser fixada em 8 horas ao invés do módulo constitucional de 6 horas.

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Neste sentido já se firma a jurisprudência da Colenda Corte, conforme se destaca abaixo:

"HORAS EXTRAS A PARTIR DA SEXTA DIÁRIA – TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO ACORDO COLETIVO – VALIDADE – O Tribunal Pleno desta Corte Superior, julgando o Incidente de uniformização de jurisprudência suscitado no Processo nº TST-E-RR-576.619/1999, no que se refere à flexibilização da jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, converteu a Orientação Jurisprudencial nº 169 da SBDI-I na atual Súmula nº 423, nos seguintes termos: Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não têm direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras. Na presente hipótese, tem-se por indevidas a 7ª e a 8ª horas como extras, haja vista a validade da norma coletiva que estabeleceu a jornada de oito horas diárias em sistema de turnos ininterruptos de revezamento sem previsão de contraprestação de horas extraordinárias. Recurso de revista conhecido e provido." (TST – RR 2.483/2000-342-01-00.6 – 1ª T. – Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa – DJU 01.11.2007). (Grifamos)

"TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO – ELASTECIMENTO DA JORNADA DE TRABALHO POR MEIO DE ACORDO COLETIVO INDEVIDO O PAGAMENTO DAS 7ª E 8ª HORAS COMO EXTRORDINÁRIAS – ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 169 DA SBDI-1 DO TST – O art. 7º, XIV, da Constituição Federal de 1988 estabelece jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, mas permite que a empresa fixe jornada superior a seis horas mediante negociação coletiva. Ressalte-se que o acordo coletivo celebrado entre as partes tem força de Lei, devendo por isso ser respeitado, conforme o disposto no art. 7º, XXVI, da Carta Magna. Dessarte, existindo acordo coletivo no sentido de estabelecer a jornada de 8 (oito) horas para o trabalho realizado em turno ininterrupto de revezamento, não há de se falar em pagamento das 7ª e 8ª horas como extraordinárias, pois, se assim não fosse, não haveria razão de ser da ressalva feita no inciso XIV do art. 7º da Carta Magna. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido." (TST – RR 708.207/2000.0 – 4ª T. – Relª Juíza Conv. Maria de Assis Calsing – DJU 19.12.2006). (Grifamos)

Outrossim, Francisco Antonio de Oliveira [13] ao comentar referida súmula alerta que o tema envolve matéria constitucional e que a interpretação última, final e derradeira, pertence ao Supremo Tribunal Federal e, desta feita, ressalta que "como regra, os tribunais superiores devem evitar transformar em direito sumulado matéria que foge à sua competência última no plano constitucional. Isso pelo simples motivo de que, em sede constitucional, não existe a melhor ou a pior interpretação. Existe apenas a interpretação. Esta há de ser única, isto é, a única interpretação possível, capaz de obrigar a todos (erga omnes). É aquela ditada pela Excelsa Corte. Em sede trabalhista, têm-se como precedentes os ex-Enunciados 316 e 317, que tiveram de ser cancelados em face de decisão contrária da Excelsa Corte."


6. CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, fica claro que há uma tendência dos tribunais regionais e do próprio Tribunal Superior do Trabalho de interpretar o artigo 7º, inciso XIV, de forma restritiva, ora entendendo que a jornada máxima para os turnos ininterruptos de revezamento não pode ultrapassar 36 horas semanais, ora defendendo uma compensação pecuniária para o elastecimento da jornada laboral ainda que licitamente resultado de negociação coletiva, interpretações estas que têm por pedra de toque o fato de que os turnos ininterruptos de revezamento propiciam distúrbios fisiológicos, psicológicos e sociais aos trabalhadores envolvidos.

De outro lado, mais recentemente o próprio TST editou a súmula 423 para concretizar o seu entendimento de que o estabelecimento de jornada de 8 horas em turnos ininterruptos de revezamento não enseja o pagamento da 7ª e 8ª horas como extraordinárias, desde que haja negociação coletiva nos moldes preconizados pelo texto celetista e constitucional.

Por óbvio que este último entendimento de forma efetiva valoriza a Lei Maior e mormente a atuação dos atores sociais quando chamados a exercerem o seu papel na composição dos conflitos coletivos que naturalmente envolvem as relações trabalhistas.

Em assim sendo, considerando que o Supremo Tribunal Federal ainda não teve oportunidade de se posicionar em definitivo quanto ao tema, ora sob análise, e mormente levando-se em consideração as manifestações doutrinárias e jurisprudenciais desfavoráveis ao elastecimento do labor em turnos ininterruptos de revezamento, ainda que, frise-se, o Tribunal Superior do Trabalho recentemente tenha consolidado entendimento favorável à negociação coletiva, enquanto processo legítimo para o eventual estabelecimento dos turnos ininterruptos de revezamento, por medida de cautela, recomenda-se a fixação dos turnos.


Notas

  1. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 211.
  2. DE OLIVEIRA, Francisco Antonio. Duração do trabalho. Jornada de trabalho. Duração e horário. Trabalho extraordinário. Trabalho noturno. Trabalho em regime de revezamento. In: Giordani, Francisco Alberto da Motta Peixoto (Coord.) Fundamentos do direito do trabalho. Estudos em homenagem ao Ministro Milton de Moura França. São Paulo: LTR, 2000, p. 459.
  3. Comentários às Súmulas do TST. 7ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 638.
  4. Direito do Trabalho. 11ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Atlas, 2000, p. 460.
  5. ROSAS, Roberto. Direito Sumular. 12ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 325.
  6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 mar. 2009.
  7. DE OLIVEIRA, Francisco Antonio. Duração do trabalho. Jornada de trabalho. Duração e horário. Trabalho extraordinário. Trabalho noturno. Trabalho em regime de revezamento. In: Giordani, Francisco Alberto da Motta Peixoto (Coord.) Fundamentos do direito do trabalho. Estudos em homenagem ao Ministro Milton de Moura França. São Paulo: LTR, 2000, p. 460.
  8. DE OLIVEIRA, Francisco Antonio. Duração do trabalho. Jornada de trabalho. Duração e horário. Trabalho extraordinário. Trabalho noturno. Trabalho em regime de revezamento. In: Giordani, Francisco Alberto da Motta Peixoto (Coord.) Fundamentos do direito do trabalho. Estudos em homenagem ao Ministro Milton de Moura França. São Paulo: LTR, 2000, p. 460.
  9. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 11ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Atlas, 2000, p. 458.
  10. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2009.
  11. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2009.
  12. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2009.
  13. Comentários às Súmulas do TST. 7ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 695.
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Sobre o autor
Carlos Eduardo Príncipe

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Pós-graduado, em nível de Especialização Lato sensu, em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho. Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado e consultor

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRÍNCIPE, Carlos Eduardo. Turnos ininterruptos de revezamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2119, 20 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12627. Acesso em: 5 mai. 2024.

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