Mesmo há anos quitada a Promessa o comprador não transfere o imóvel para seu nome, me causando prejuízos. E agora?

06/05/2024 às 14:55
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QUANDO FALAMOS em Adjudicação Compulsória o cenário que se descortina quase sempre é daquele que comprou, quitou o preço (o promissário comprador) e não recebeu a Escritura no contrato preliminar avençado com o vendedor (na verdade, promitente vendedor), todavia haverá casos onde por quaisquer razões - e quase sempre a alegação é financeira, sob o argumento dos altos custos cobrados pelos Cartórios - o promitente comprador não busca a realização da Escritura, deixando principalmente todos os impostos e demais taxas eventualmente incidentes sobre o imóvel ainda em nome do Vendedor. Fácil notar que a irregularização imobiliária pode causar diversos prejuízos ao vendedor, como por exemplo a possibilidade de responder a processos de Execuções Fiscais, Penhoras etc., dentre outras situações que certamente extrapolam o mero aborrecimento e podem ser indenizáveis.

A bem da verdade, reza o artigo 490 do CC que, salvo exceção, as despesas de Escritura e Registro serão do comprador:

"Art. 490. Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição".

Portanto, quitado o preço avençado na Promessa, caberá ao Promitente vendedor outorgar a Escritura em favor do Comprador, porém cabe a este último, a rigor, arcar com os custos da Escritura e do Registro, além do Imposto de Transmissão ("ITBI") como certamente vai reger a legislação tributária municipal aplicável.

No contexto de irregularidade imobiliária face à não realização da Escritura necessária ao registro da Compra e Venda objeto da promessa poderá o Promitente Vendedor valer-se da Adjudicação Compulsória de que trata a Lei, na modalidade ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA INVERSA, como legitima art. 440-C do Provimento CNJ 149/2023 quando regulamenta a ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL:

"Art. 440-C. Possui legitimidade para a adjudicação compulsória qualquer adquirente ou TRANSMITENTE nos atos e negócios jurídicos referidos no art. 440-B, bem como quaisquer cedentes, cessionários ou sucessores".

Nesse mesmo sentido e também confirmando o disposto no § 1º do art. 216-B da LRP, o artigo 1.258 do NCN/2023 vigente no Estado do Rio de Janeiro, com melhor redação inclusive:

"Art. 1.258. São legitimados a requerer a adjudicação, o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários ou seus sucessores, bem como o PROMITENTE VENDEDOR, representados por advogado".

Não restam dúvidas de que uma variedade de prejuízos consideráveis poderão pesar sobre o Promitente vendedor (até então proprietário já que a regra no direito brasileiro é de que enquanto o registro da compra e venda não for feito permanece como proprietário o alienante apontado no RGI - art. 1.245, § 1º do CCB) enquanto a transferência não for devidamente formalizada, como aponta o ilustre Especialista, Dr. LUIZ ANTONIO SCAVONE JR (Direito Imobiliário. 2020):

"É possível exemplificar: o proprietário do imóvel responde pelos danos decorrentes da ruína em razão da falta de manutenção, o que se afirma com suporte no art. 937 do Código Civil, responsabilidade esta que encontra sua origem na 'cautio damni infecti' do Direito Romano, que autorizava o pretor a exigir caução do proprietário que não preferisse o abandono. Há outras consequências da natureza 'propter rem' da obrigação, como aquelas decorrentes dos tributos vinculados ao imóvel e obrigações pelo pagamento do consumo de água. Por todas essas razões, o interesse processual do promitente vendedor é evidente, evidentíssimo, aliás".

Por tais razões, resta evidente a possibilidade da Adjudicação Compulsória (inclusive pela via Extrajudicial) na modalidade INVERSA, sendo inclusive possível deduzir (somente na esfera Judicial) eventual condenação do Réu por danos morais quando for o caso, como confirma a jurisprudência fluminense:

"TJRJ. 01714857020178190001. J. em: 28/01/2020. CIVIL. PROCESSO CIVIL. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA INVERSA. IMÓVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CESSÃO DE DIREITOS. Ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória porque a Ré, promitente cessionária com título registrado dos direitos aquisitivos do imóvel prometido a venda pela Autora, se RECUSA a firmar a ESCRITURA definitiva e o REGISTRO do bem. (...). Tratando-se de ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA INVERSA pela qual a alienante pretende obrigar a adquirente a regularizar o domínio do imóvel objeto de promessa de compra e venda e cessões de direitos aquisitivos, possível aplicar a contrário senso o mesmo entendimento para autorizar a Autora exigir da Ré a celebração da Escritura Definitiva. A Ré, promitente cessionária, está devidamente legitimada nos termos do artigo 69 da lei nº 4380/64, de vez que é detentora de direito real sobre o imóvel, embora titular de promessa de cessão de direito, pois satisfeitas as obrigações definidas na promessa de cessão e seu título está devidamente registrado, de modo que reúne condições para cumprir a obrigação. Manifesto o interesse processual da Autora ao mover a presente ação em vista dos DIVERSOS TRANSTORNOS, causados inclusive por COBRANÇAS relacionadas ao bem alienado, pelo fato de ainda constar como proprietária. A INÉRCIA em diligenciar a celebração da Escritura Definitiva não acarreta a perda do direito de exigir a regularização do imóvel porque o negócio jurídico jamais perdeu a eficácia e validade, na medida em que envolve direito real relativo ao exercício pleno da propriedade, que deságua no e viabiliza o pedido da obrigação de fazer, consistente na transmissão do bem formal e definitivamente para a Ré. A alegada DIFICULDADE FINANCEIRA não afasta o dever da Ré em regularizar o registro de propriedade do bem imóvel adquirido em prejuízo da Autora. O comportamento negligente da Ré EXTRAPOLOU o mero aborrecimento e provocou DANO MORAL passível de reparação. Valor da indenização arbitrado de acordo com as condições do evento, a capacidade das partes, o dano e sua repercussão, sem perder de norte o princípio da razoabilidade. Recurso provido".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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