A atuação do psicólogo jurídico na aplicação do exame criminológico

06/05/2024 às 14:49
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Declaro que sou autor(a)1 deste Trabalho de Conclusão de Curso. Declaro também que o mesmo foi por mim elaborado e integralmente redigido, não tendo sido copiado ou extraído, seja parcial ou integralmente, de forma ilícita de nenhuma fonte além daquelas públicas consultadas e corretamente referenciadas ao longo do trabalho ou daqueles cujos dados resultaram de investigações empíricas por mim realizadas para fins de produção deste trabalho.

Assim, declaro, demonstrando minha plena consciência dos seus efeitos civis, penais e administrativos, e assumindo total responsabilidade caso se configure o crime de plágio ou violação aos direitos autorais. (Consulte a 3ª Cláusula, § 4º, do Contrato de Prestação de Serviços).

RESUMO - O trabalho aqui apresentado teve como intuito demonstrar a atuação do psicólogo dentro do sistema prisional, mais especificamente na realização do exame criminológico com o recluso. Bem como buscar compreender o porquê do não dever de atuar em tal procedimento. A superlotação no sistema prisional nacional agrava ainda mais o trabalho do psicólogo que se torna, muitas vezes ineficaz. Isso porque a demanda de presos é muito maior que a quantidade de profissionais psicólogos atuando no sistema. Utilizou-se para a pesquisas bibliográfica, desenvolvida a partir de materiais publicados em: livros, artigos, dissertações, resoluções. Portanto, chegamos à conclusão de que a atuação do psicólogo no exame criminológico não se faz satisfatório devido a impossibilidade de prever se o condenado irá reincidir em crimes.

PALAVRAS-CHAVE: Exame Criminológico. Exame de Classificação. Psicologia Jurídica.


INTRODUÇÃO

Com o intuito de entender a atuação do profissional da psicologia na realização do exame criminológico, foi realizado um estudo bibliográfico em livros, artigos científicos, legislação vigente e resoluções.

Há algum tempo a função dos psicólogos em unidades prisionais vem sendo aplicada de forma equivocada, sendo que nesse artigo será falado especificamente da atuação do psicólogo no exame criminológico, bem como explicado o que significa tal exame e o que está acarretando ao profissional.

O trabalho apresentado aqui está dividido em dois capítulos, sendo um específico para demonstrar o que é o exame criminológico, diferenciá-lo do exame de classificação, e o segundo para informar a presença do psicólogo dentro desse exame e demonstrar que não se faz pertinente tal presença.

Ainda, a presente pesquisa se faz conveniente pelo fato de a psicologia jurídica tem como subdivisão a psicologia penitenciaria, que é responsável por tratar de diversos assuntos na área prisional.

EXAME CRIMINOLÓGICO E EXAME DE CLASSIFICAÇÃO

Antes de qualquer discussão, tem-se necessidade de definir a psicologia jurídica, tema maior, que abrange o presente trabalho. Para Emilio Myra y Lopes (2010, p. 38) “a psicologia jurídica é a psicologia aplicada ao melhor exercício do direito”

Como estamos iniciando a discussão sobre a realização do exame criminológico pelo profissional psicólogo, se faz de extrema necessidade a correta definição e sua diferenciação do exame de classificação.

Para tanto, o capítulo vem dividido em partes para uma melhor compreensão.

Exame Criminológico

No ordenamento jurídico atual, possuímos uma legislação considerada uma das mais completas do mundo quando se trata do assunto “apenado”.

Entretanto, o exame criminológico não é nada que tenha sido criado a pouco. Pelo contrário, desde que se inventou o sistema de segregação de liberdade foi sentida a necessidade de uma avaliação mais aprofundada do indivíduo.

Nesse norte, ensina Fernanda Rodrigues Orsolini (2003, p. 10) que “Já no século XIX, quando se deu o nascimento da criminologia, é que se vislumbrou a necessidade do exame criminológico [...]”.

A lei maior brasileira que versa sobre as regras do sistema prisional é a Lei de Execução Penal - LEP (Lei 7210/84). Dentro da legislação em estudo, temos o artigo 8º que obriga o exame criminológico:

Art. 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução. (BRASIL, 2008, grifo nosso)

Entretanto, o que a presente lei deixou de comentar foi a forma na qual deve ser realizado o exame criminológico, bem como não esclareceu quem é a equipe que irá realizá-lo.

Para um melhor entendimento, trazemos a fala de Newton Fernandes:

Conforme J.W. Seixas Santos entende-se, por exame criminológico, o conjunto de exames e pesquisas cientificas de natureza biopsicossocial do homem que delinquiu e para se obter o diagnóstico da personalidade criminosa e se fazer o prognóstico; tal exame revelará, sem disfarces, a verdadeira dimensão da personalidade do criminoso, descobrindo sua intimidade psíquica. (FERNANDES, 2002, pg. 245)

No mesmo sentido, Norberto Avena nos diz que:

O exame criminológico é mais restrito, analisando questões de ordem psicológica e psiquiátrica do condenado, visando revelar elementos como maturidade, frustrações, vínculos afetivos, grau de agressividade e periculosidade e, a partir daí, prognosticar a potencialidade de novas práticas criminosas. (AVENA, 2015, p.26)

Por fim, entende-se que o exame criminológico é realizado no início da pena em regime fechado (e facultativo para progressão de regime) e leva em conta os aspectos psicológicos do apenado, bem como o crime cometido. Ainda, tal exame deveria ser realizado por equipe qualificada e não pela Comissão Técnica de Classificação, visto que existem profissionais que não fazem parte do quadro de saúde mental.

Exame de Classificação

Comumente, o que acontece, de forma equivocada, é o magistrado utilizar o exame de classificação, realizado pela Comissão Técnica de Classificação, como se fosse exame criminológico. Sobre a Comissão Técnica de Classificação, os artigos 6 º e 7º da Lei de Execução Penal dizem:

Art. 6o A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório.

Art. 7º A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade. (BRASIL, 2008, grifo nosso)

Quanto a participação do psicólogo na referida comissão, será tratada no próximo capítulo deste artigo.

Apesar de se “confundir” o exame de classificação com o exame criminológico ambos são completamente diferentes. Naquele, a análise é realizada sem associação com o crime em concreto, diferentemente deste que há a verificação do crime cometido para a obtenção de um laudo.

Brilhantemente, o doutrinador Guilherme Nucci faz a diferenciação de forma majestosa dos objetos em estudo:

A diferença entre o exame de classificação e o exame criminológico é a seguinte: o primeiro é mais amplo e genérico, envolvendo aspectos relacionados à personalidade do condenado, seus antecedentes, sua vida familiar e social, sua capacidade laborativa, entre outros fatores, aptos a influenciar o modo pelo qual deve cumprir a sua pena no estabelecimento penitenciário (regime fechado ou semiaberto); o segundo é mais específico, envolvendo a parte psicológica e psiquiátrica do exame de classificação (...) (NUCCI, 2008, pg. 1013)

No exame de classificação, os membros da comissão se unem no sentido de dar seguimento a progressão ou regressão de regime, bem como em conversão de penas. Para tal exame se utilizaria como subterfúgios os resultados do exame criminológico.

Importante frisar que não se utiliza somente o exame criminológico como base no exame de classificação, podendo a comissão entrevistar e ir atrás de informações externas para chegar a um consenso.

ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO JURÍDICO NO EXAME CRIMINOLÓGICO

Como vimos anteriormente, se espera que o exame criminológico deva ser realizado por uma equipe multidisciplinar com qualificação em saúde mental (psicólogo, psiquiatra etc.).

Contudo, o exame criminológico nada mais é que uma análise do indivíduo criminoso, com o intuito de estudar toda a vida do mesmo e “adivinhar” se ele irá cometer novos crimes no futuro.

Por se tratar de um tema controverso, o Conselho Federal de Psicologia se posicionou no seguinte sentido quanto ao exame:

(...) há que se aceitar a impossibilidade da “prognose de reincidência” ou “aferição de periculosidade”, pois a elaboração de uma avaliação se ampara em preceitos institucionalmente determinados a partir do Código de Ética da Profissão, e de outras normativas profissionais, bem como de princípios constitucionais fundamentais, tais como do contraditório, da dignidade humana e da preservação da intimidade e do livre pensamento. Dessa forma, não há como, diante dos saberes psicológicos, determinar aspectos positivos ou negativos quanto a questões sociais, além da impossibilidade de se realizar rotulações (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2015)

Fica claro o descontentamento do Conselho em relação a realização do exame pelo profissional psicólogo.

Não existe a possibilidade de se fundamentar um laudo com base em adivinhações sobre algo que nem se quer aconteceu. Não teria como fazer uma ligação entre o comportamento futuro e o crime cometido sem que o profissional conhece toda a vida do entrevistado e mesmo assim seria somente uma suposição.

Nesse sentido, reza Alexis Couto de Brito:

Além da crítica histórica que aponta o equívoco da previsão do exame, do ponto de vista dos profissionais envolvidos, é quase impossível que o exame tenha aplicação, principalmente pelo diagnóstico que se propõe: prever o futuro (BRITO, 2013, pg. 71)

Na mesma linha Alvino Augusto de Sá, entende:

Já o prognóstico é a parte que segue o diagnóstico e dele se deduz, na qual os técnicos expõem sua proposição sobre os possíveis desdobramentos futuros da conduta do examinado. Induvidosamente, é a parte mais frágil e menos defensável do exame. No exame feito para fins de instrução de benefícios, o prognostico diz respeito especificamente à probabilidade de reincidência. (SÁ, 2010, pg. 193)

Por tudo isso, o Conselho Federal de Psicologia - CFP editou a resolução 012/2011 (liminarmente revogada), vedando a confecção de documentos dando prognóstico de reincidência e aferição de periculosidade. Vejamos:

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Art. 4º. Em relação à elaboração de documentos escritos para subsidiar a decisão judicial na execução das penas e das medidas de segurança:

(...)

§ 1º. Na perícia psicológica realizada no contexto da execução penal ficam vedadas a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delito-delinquente. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2011)

Coadunando com a posição do CFP, ensina-nos Cristiano Rodrigues de Freitas:

Sabe-se hoje que o que se convencionou chamar de ‘Exame Criminológico’ que, aliás, de exame nunca nada teve, por não ser científico, não é ético. A nenhuma categoria profissional é dado prever o futuro, como ou sem bolas de cristal, com vistas a fornecer prognóstico de condenado (…) como profissionais da Psicologia, não temos fundamentação científica que possa prever se a pessoa que está presa cometerá futuramente outro crime. Ao contrário da bola de cristal, o Exame Criminológico jamais poderá prever o futuro, pois o que é dito na relação do examinado com o psicólogo se estabelece neste contato pontual, no aqui e no agora, como uma foto que apredeende naquele instante. Diante disso, é ético opinar sobre a vida futura da pessoa presa a partir de suposições sobre atos que não aconteceram? (FREITAS, 2013, p. 27/28)

Concluindo, o órgão maior da psicologia que é o CFP tem como uma aberração funcional a atuação do psicólogo no dito “exame criminológico”, pois seria funcionalmente e humanamente impossível prever a conduta do apenado após o término de sua reprimenda.

Não bastante, o psicólogo ao realizar tal exame ainda está sujeito a transgressão das regras éticas da profissão ditados pelo Código de Ética funcional.

CONCLUSÃO

O que se vê atualmente é o magistrado tentando se eximir de responsabilidades quanto a concessão de benefícios para o preso, jogando assim a “bola” para os profissionais da saúde mental.

Não obstante, o magistrado de primeiro grau tem solicitado a realização do exame para a progressão de regime, mesmo não sendo obrigatório, a fim de obnubilar a vida do condenado, fazendo assim com que o judiciário de segundo grau seja acionado pelos advogados e defensores públicos.

Nessa seara, os psicólogos são obrigados a emitirem documentos no sentido de avaliar o interno, somente com o estudo do binômio crime-condenado, fazendo assim que fira a ética profissional.

Ainda, quanto o ferimento do código de ética da psicologia se posiciona o CFP:

O exame criminológico desrespeita diversos princípios do Código de Ética Profissional do (a) Psicólogo (a), podendo se configurar como negligência, haja vista a desconsideração das condições necessárias para a realização de um serviço de qualidade. A Psicologia tem um papel social importante e seria uma indução reducionista ou um erro fazer uma afirmação desprovida de um mínimo de cientificidade. Isso é mais forte ainda quando se trata de uma análise técnico-pericial que vai subsidiar decisões judiciais e um dos bens mais caros, a liberdade. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2015)

A conclusão que se chega, com base nos estudos até o presente momento, é que o exame criminológico não tem condições de determinar se um indivíduo cometerá um novo crime após o término da pena com sua colocação em liberdade, bem como o profissional psicólogo não consegue prever tal fato.

REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto Claudio Pancaro. Execução Penal: esquematizado. 2ed ver. e atual. Rio de Janeiro: Método, 2015.

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações. Brasília, DF, 2008.

BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Parecer técnico sobre a atuação do(a) psicólogo(a) no âmbito do sistema prisional e a suspensão da resolução CFP n. 012/2011. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2016/04/PARECER-T%C3%89CNICO-SOBRE-A-ATUA%C3%87%C3%83O-DO-PSIC%C3%93LOGO-NO-SISTEMA-PRISIONAL-E-A-SUSPENS%C3%83O-DA-RESOLU%C3%87%C3%83O-CFP-N.-12-2011-VERS%C3%83O-FINAL-TIMBRADO-1.pdf>. Acesso em: 20 de nov. 2021.

__________________. Resolução 012/2011. Regulamenta a atuação da(o) psicóloga(o) no âmbito do sistema prisional. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2011/06/resolucao_012-11.pdf>.

FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia Integrada. 2ª Ed; São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

FREITAS, Cristiano Rodrigues et al. Fragmentos de discursos (não tão amorosos) sobre o Exame Criminológico: Um livro falado. Rio de Janeiro: Conselho Regional de Psicologia 5ª Região, 2013.

MIRA Y LOPES, Emilio. Manual de psicologia jurídica. Leme: CL EDIJUR 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

ORSOLINI, Fernanda Rodrigues. A importância do exame criminológico e a execução penal. Presidente Prudente: Faculdade Integrada Antônio Eufrásio de Toledo, 2003.

SÁ, Augusto Alvino. Criminologia clínica e psicologia criminal. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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