Nem meu apartamento nem o Condomínio estão regularizados no RGI. O Cartório pode exigir a regularização antes da Usucapião?

24/04/2024 às 17:56
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A REGULARIZAÇÃO de imóveis via Usucapião é um procedimento que se completa com o registro no Cartório do Registro Imobiliário (também conhecido como RI ou ainda RGI). Chamo atenção para o fato de que, diferentemente, a AQUISIÇÃO se dá já com o preenchimento dos requisitos - independentemente de registro ou mesmo sentença, como consta claramente da legislação. Assim reza o artigo 1.238 do CC ilustrando a espécie "Usucapião Extraordinária":

"Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, ADQUIRE-LHE A PROPRIEDADE, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis".

Como se vê acima, a Lei não exige reconhecimento por sentença e muito menos registro para a AQUISIÇÃO. O que se tem - e é preciso observar bem - é que o reconhecimento via sentença (que possui nítido caráter declaratório) servirá de TÍTULO para REGISTRO no Cartório de Imóveis. A necessidade do reconhecimento por Sentença é, por verdade, para - dentro do devido processo legal - apurar a certeza e conferir segurança àquela aquisição, materializando aquele reconhecimento através de um TÍTULO (já que não existe "Escritura de Usucapião") servindo esse título para ingresso e registro no Cartório do RGI, onde então a atualização da matrícula será feita (ou mesmo sua abertura) e com isso o novo proprietário passará a gozar da segurança jurídica conferida pelo RGI e sobretudo dos poderes de disposição, oponibilidade e publicidade quanto ao seu novo direito real. Cabe pontuar que em vez da Sentença poderá o interessado optar pelo procedimento EXTRAJUDICIAL, nos moldes do art. 216-A da LRP/73, quando então nem mesmo sentença haverá, sendo feito nos termos da referida Lei, com regulamentação pelo atual PROVIMENTO CNJ 149/2023 o reconhecimento da aquisição da propriedade imobiliária via Usucapião sem a necessidade de Processo Judicial:

"Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado (...)"

Um ponto importante a ser destacado diz respeito às muitas EXIGÊNCIAS que o Cartório do RGI pode fazer para reconhecer a Usucapião Extrajudicial em favor do pretendente.

Como sempre destacamos aqui, o Oficial do RGI não pode a seu bel-prazer e mero capricho lançar exigências sem estar amparado na legislação. Trata-se do PRINCÍPIO DA LEGALIDADE [ESTRITA] que invariavelmente deve embasar todo exame de legalidade feito pelo Registrador e seus prepostos, que inclusive por Lei estão sujeitos às penalidades previstas na sua Lei de Regência (inciso I, art. 31 da LNR). O ilustre Registrador LUIZ GUILHERME LOUREIRO (Registros Públicos - Teoria e Prática. 2023) assim define o inafastável princípio registral:

"Na esfera do direito registral, o princípio da legalidade pode ser definido como aquele pelo qual se impõe que os documentos submetidos ao Registro devem reunir os requisitos exigidos pelas normas legais para que possam aceder à publicidade registral. Destarte, para que possam ser registrados, os títulos devem ser submetidos a um exame de qualificação por parte do registrador, que assegure sua validade e perfeição. (...) A legalidade em matéria registral aplica-se a todo procedimento registral, mas tem seu ápice no denominado 'exame de qualificação', no qual o registrador faz o controle da legalidade do título submetido a registro".

Considerando a legalidade, portanto, que deve iluminar o exame de legalidade a ser feito pelo Oficial do RGI em todos os títulos que lhe são apresentados, especialmente em casos complexos como o reconhecimento de USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL, seria então pertinente a exigência que condiciona o reconhecimento da Usucapião sobre apartamento nos casos onde nem a unidade nem o edifício possuam assento prévio no fólio registral? Entendemos que não.

A bem da verdade, como se viu acima, a Usucapião se aperfeiçoa com a mera reunião dos requisitos legais. Trata-se, por óbvio, de questão complexa que exigirá, sem dúvidas, estudo e atualização constante por parte dos Cartórios, já que a matéria recentemente extrajudicializada (o que ocorreu com o advento do CPC/2015) apresenta complexidades e peculiaridades que extrapolam a rotina a que estavam acostumados muitos Registradores e seus prepostos. A realidade de muitas localidades apresentará imóveis edificados mas ainda não regularizados no RGI por diversos motivos (regularização essa que pode nem mesmo acontecer, em muitos casos). Importa salientar, sem prejuízo dessa irregularidade sanável, que a Usucapião se imporá com o preenchimento dos requisitos que a Lei exigir para a espécie pretendida, sendo irrelevante que juridicamente esteja instituído e registrado o Condomínio Edilício e as unidades de apartamento.

Importa salientar que a regulamentação atual disposta no § 4º do art. 417 do Provimento CNJ 149/2023 acolhe expressamente a possibilidade de usucapião sobre unidade estabelecida em Condomínio irregular (inclusive sem "habite-se"), com todo acerto:

"§ 3º. A abertura de matrícula de imóvel edificado independerá da apresentação de habite-se.

§ 4º. Tratando-se de usucapião de unidade autônoma localizada em condomínio edilício objeto de incorporação, mas ainda não instituído ou sem a devida averbação de construção, a matrícula será aberta para a respectiva fração ideal, mencionando-se a unidade a que se refere".

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Do julgado abaixo, de extrema didática, podemos retirar os trechos da lavra do ilustre Desembargador do TJRJ, Dr. HELENO RIBEIRO PEREIRA NUNES:

"(...) O condomínio edilício é entidade que possui existência legal com o registro de sua convenção condominial, consoante o disposto no artigo 1.332 do Código Civil. Entretanto, a regularidade registral do condomínio e do apartamento não é requisito para o reconhecimento legal da usucapião. A unidade habitacional é coisa corpórea e suscetível de prescrição aquisitiva, com evidente exteriorização do poder fático sobre o bem. Desta forma, existindo posse pro diviso, pode sim haver usucapião, e, por conseguinte, posse com animus domini do condômino. Assim, o fato de o imóvel usucapiendo estar situado em condomínio irregular não configura obstáculo legal para o reconhecimento da prescrição aquisitiva, que, como dito alhures, constitui forma originária de aquisição da propriedade, sem qualquer relação jurídica de causalidade que ligue o domínio atual ao anterior estado jurídico. A prescrição aquisitiva tem por finalidade estabelecer a segurança da propriedade e a tranquilidade da vida social, além de sanar vícios preexistentes à aquisição do domínio".

Ratificando tudo que foi esposado acima, a jurisprudência reiterada do TJRJ inclusive com julgado recente acima citado, senão vejamos:

"TJRJ. 0202864-58.2019.8.19.0001. J. em: 18/04/2024 - CONSELHO DA MAGISTRATURA. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. ARTIGO 48, § 2º, DA LEI DE ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO JUDICIÁRIAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA REGISTRAL INSTAURADO PELO OFICIAL DO CARTÓRIO DO 5º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO RIO DE JANEIRO. PRETENDIDO O REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE ATA NOTARIAL PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. PROCEDÊNCIA DA DÚVIDA. REGULARIDADE REGISTRAL DO CONDOMÍNIO QUE NÃO CONSTITUI ÓBICE AO REGISTRO DO ATO EM EXAME, CONFORME PRECEDENTES DESTE E. CONSELHO DA MAGISTRATURA. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DAS DIRETRIZES ESTABELECIDAS PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA PARA O PROCEDIMENTO DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO DE IMÓVEIS. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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