Erros são cometidos em razão das tabelas de convergências e divergências - A grafotécnica é bem mais que isso!

18/04/2024 às 16:59
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TABELAS DE CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS NÃO FUNCIONAM – GRAFOSCOPIA PRECISA DE RACIOCÍNIO PERICIAL

Como em um “Teste de DNA”, o resultado das análises grafotécnicas oferece uma margem percentual, neste caso de 100% contra 00% de chance de as assinaturas contestadas analisadas serem CONVERGENTES/DIVERGENTES, cujos resultados foram comprovados textualmente e graficamente.”

Se você já leu isso em um laudo, ele foi feito com uma tabela de convergências e divergências sem amparo na ciência e, certamente, você teve uma decepção com a grafoscopia... Escrevo esse texto para explicar o que ocorreu e do que se trata essa aberração.

A grafoscopia é uma ciência (apesar de muitos questionarem tal título, em razão da subjetividade, tem trilhas em congressos de criminalística), sendo um ramo da documentoscopia e esta, por sua vez, ramo das Ciências Forenses.

A Grafoscopia é uma ciência recente, um dos casos emblemáticos mais antigos foi o Caso Dreyfus (1894) que ilustra o potencial da grafoscopia como ferramenta forense e os perigos de sua aplicação sem os devidos cuidados e rigor científico.

Eu comecei na área em 2013, à época, pouquíssimo se falava a respeito, não tinha a abundância de cursos, havia poucos livros para aprofundar o conhecimento, os quais eu prontamente adquiri, como o livro do Del Picchia e do Falat. Então, vou começar por eles.

Del Picchia esclarece sobre o método Grafocinético (p. 424, 2016):

“Hoje, a Grafoscopia tem seu método próprio, denominado "grafocinético", termo que acabamos por preferir às genéricas denominações anteriores, "método grafotécnico ou grafoscópico". Resultou de estudo aprofundado do grafismo, tendo em vista só os diversos processos de fraude gráfica, como as causas provocadoras de variações. Não se assenta em característicos isolados, como o grafológico (forma dos caracteres), o grafológico (qualidades subjetivas), grafométrico (medições), o sinalético ("connietati" e caligráfico (forma e talhe). Ao contrário, considera todos os elementos, dando-lhes valor consoante o raciocínio pericial. E este se processará sob critério lógico, derivado do profundo estudo das diversas maneiras de produção gráfica. Por outro lado, especial consideração se emprestará aos movimentos que dão origem à escrita.” (grifo nosso)

Os métodos anteriores ao grafocinéticos se fixavam em características, assim, como o mais aceito e avançado, o grafocinético se trata de um confronto grafoscópico entre padrões e questionado, observando todas as características, com a devida valoração e raciocínio pericial.

O mais importante, não são as convergências e divergências, mas o seu VALOR e o raciocínio pericial (a razão daquela característica ser importante ou não).

Até então, a grafoscopia se fixava em características. Em 2020, Samuel Feuerharmel publicou o artigo sobre algarismos exóticos1, em que trazia a porcentagem das características de construção de algarismos dentro da população em geral. Isso foi uma mudança de paradigma na Grafoscopia, além da valoração, também poderíamos utilizar estudos sobre características comuns e exóticas dentre a população.

Com essa caminhada, passamos da avaliação e valoração, ensinada por Del Picchia, para a análise estatística dos casos, ensinada por Samuel Feuerharmel, com os valores obtidos em estudos científicos. Inclusive, o último incentivou muitos alunos a elaborarem estudos estatísticos sobre essas características2 – trazendo um grande avanço à ciência grafoscópica.

Contudo, nem todos levaram a sério a ciência...

Gleibe Pretti decidiu colocar nos modelos de Laudo a Tabela de Convergências e Divergências, embora sem embasamento científico e sem curso de grafoscopia no currículo (até 2023, ele não tinha um curso citado no seu Lattes), resolveu criar um curso e ensinar “tabela de convergências e divergências”, que não avalia e tampouco valora as características encontradas e que vem trazendo muitos erros nos laudos e pareceres da área.

Escrevo isso após terminar uma impugnação a um Parecer errôneo utilizando a referida metodologia fantasiosa que não encontra amparo em qualquer estudo científico. Assim, começo a explicar por que essa tabela e esse tipo de conclusão não têm amparo na realidade e DIVERGE do que é ensinado pela ciência.

Primeiro ponto: Não aponta as características analisadas. As características são colocadas – nem mesmo são identificadas de quais pontos da assinatura se tratam. Por exemplo: Uma assinatura que tenha dois momentos gráficos, terá, obrigatoriamente, quatro ataques e remates. Na tabela, apenas consta: ataques e remates, conforme:

Ao ver essa tabela, me pergunto qual foi o ataque escolhido, pois não contemplam todos os ataques e remates existentes nos grafismos.

Segundo ponto: Não há valoração. Semelhanças e diferenças podem ser encontradas entre grafismos do mesmo punho, sendo de maior relevância a avaliação da razão daquela característica estar presente.

Qualquer pessoa pode, voluntariamente, modificar seu grafismo ou ter sua escrita feita por terceiro com exímia semelhança. O que o perito deve responder é: Por que essa característica é importante? Por que é segura? Dificilmente seria imitada? Ou é uma característica fácil de ser confeccionada? Não há dificuldade para a sua reprodução?

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Sem essas respostas, a grafoscopia fica relegada a um joguinho de 7 erros que qualquer criança pode fazer.

Nesses dois pontos, a tabela já pode ser combatida e, com ela, a conclusão de porcentagem, que decorre do software criado pelo mesmo idealizador da tabela.

Ademais, a conclusão também merece as devidas ressalvas, conforme: “Como em um “Teste de DNA”, o resultado das análises grafotécnicas oferece uma margem percentual, neste caso de 100% contra 00% de chance de as assinaturas contestadas analisadas serem CONVERGENTES/DIVERGENTES, cujos resultados foram comprovados textualmente e graficamente.”

Não é possível comparar o exame grafoscópico ao teste de DNA, são abordagens totalmente diferentes, principalmente, às possibilidades. O grafismo contempla simulação e disfarce, o que não ocorre no teste de DNA.

Ademais, nem mesmo o DNA contempla resultado de 100%. Os resultados da análise de DNA são frequentemente expressos em termos de probabilidade. Por exemplo, um teste de paternidade pode indicar que a probabilidade de paternidade é de 99,99%, o que já pode ser considerado conclusivo para fins práticos.

No entanto, a expressão em termos de probabilidade já sugere que existe uma margem, mesmo que minúscula, de incerteza. Essa incerteza estatística é inerente à natureza da análise de DNA e reflete limitações no conhecimento atual e na capacidade de interpretar completamente o genoma humano.

Se até o DNA, que tem tanta pesquisa e investimento, bem como, não está suscetível à simulação e disfarce, não chega a 100%, como que uma perícia, em cópia, poderia chegar a tanta certeza? Resta claro que essa certeza toda não pode ser proveniente da ciência, e sim, do efeito Dunning-Kruger. O Efeito Dunning-Kruger é um viés cognitivo no qual pessoas com conhecimento ou habilidades limitadas em uma determinada área superestimam sua própria competência nessa área. Essencialmente, é a incapacidade de reconhecer a própria falta de habilidade, o que pode levar a uma confiança excessiva.

Ante o exposto, busco trazer essa reflexão, muito difundida entre os experts, mas pouco veiculada nas mídias públicas.

Assim, visando amparar pessoas para que, mesmo sem o conhecimento técnico, possam compreender o que vem ocorrendo na área da perícia judicial, em especial, grafotécnica e rebater os equívocos perpetrados por uma “tabela pseudocientífica” que não tem amparo na ciência grafoscópica, contudo, vem sendo disseminada e inunda o judiciário de equívocos diariamente.


  1. https://apcf.org.br/wp-content/uploads/2020/06/Revista_APCF37.pdf

  2. https://s3-site-prod2-ams.s3-sa-east-1.amazonaws.com/revistas/materiais/estudo-da-frequncia-dos-sentidos-empregados-na-produo-da-barra-na-letra-t-como-uma-importante-ferram-1675251548578.pdf

    https://s3-site-prod2-ams.s3-sa-east-1.amazonaws.com/revistas/materiais/estudo-estatstico-da-construo-grfica-dos-numerais-zero-e-oito-isadora-pimenta-de-arajo-1675260322805.pdf︎

Sobre a autora
Jacqueline Tirotti

Perita Judicial, Perita Particular e Assistente Técnica. Whatsapp. 61.9 8130-0097. [email protected], @peritatirotti

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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