Regime jurídico de Protecção das Comunidades Locais das Áreas de Exploração Mineira em Moçambique

26/03/2024 às 15:07
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Resumo

O artigo tem como tema o Regime Jurídico de Protecção das Comunidades Locais das Áreas de Exploração Mineira em Moçambique. Com este tema pretendemos compreender a protecção dos direitos das comunidades no quadro do regime da protecção jurídica, dos recursos naturais, no geral, em Moçambique, tendo em conta que o solo e subsolo do território moçambicano apresenta diferentes tipos de recursos naturais, entre os quais carvão mineral, gás natural e petróleo cujo se encontram, principalmente nas zonas rurais onde vive a maioria da população moçambicana e, em controverso, com muita deficiência de serviços e infraestruturas sociais. A partir da década 2000 a exploração de recursos minerais, passou a ser dinamizada com a entrada de empresas multinacionais, no entanto, volvidos mais de 20 anos de exploração desses recursos, pouco ou nada mudou, em termos de bem-estar socioeconómico, principalmente das comunidades das zonas de exploração. Este estudo pretende identificar os instrumentos legais de protecção de direitos das comunidades das zonas de exploração mineira a partir das três constituições moçambicanas, procurando compreender a problemática de observância desses direitos nas zonas de reassentamento.

Palavras-chave

  1. Recursos Mineiros 2. Constituição 3. Lei. 4.Direitos

Lista de Abreviaturas

CADHP

CIP

Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

Centro de Integridade Pública

CRM

Constituição da República de Moçambique

CRPM

Constituição da República Popular de Moçambique

DUDH

IESE

WILSA

Declaração Universal dos Direitos do Homem

Instituto de Estudos Sociais e Económicos

Women and Low in Southern Africa Research and Education Trust

Índice

Introdução

1.2. Contexto do problema

1.3. Objectivos

1.2.1. Geral

1.2.2. Específicos

1.4. Metodologia

2.A Protecção dos Direitos das Comunidades no Quadro do Regime de Protecção dos Recursos Naturais em Moçambique

2.1. O enquadramento dos direitos das comunidades nas leis infraconstitucionais

3. A Problemática de Observância dos Direitos das Comunidades nas Zonas de Reassentamento.

Conclusão

Bibliografia

Introdução

O presente artigo tem como tema “O Regime Jurídico de Protecção das Comunidades das Áreas de Exploração Mineira em Moçambique. Essa protecção interessa não só as comunidades abrangidas, mas a sociedade moçambicana, ao Estado assim como aos que exploram ou pretendem explorar os recursos naturais, no geral, tendo em conta que desde a independência de Moçambique, em 1975, o Estado assumiu os recursos naturais como propriedade do domínio público e inclui no artigo 98° da constituição da Republica de 2004, revista em 2018, o que no nosso entendimento significa uma garantia de vantagens económicas e sociais, em particular para as comunidades das zonas de exploração desses recursos

O tema é de natureza transversal enquadrando-se, no ramo de Direito Constitucional, Direitos Humanos, Direito Civil, Direito Comercial, Direito Económico, Direito Penal, Direito Internacional Público e Direito Mineiro. No ramo de Direito Constitucional, a Constituição da República de Moçambique (CRM) de 2004 revista em 2018, preconiza nos artigos 58°, 82°, 109° respectivamente: direito à indemnização e responsabilidade do Estado; direito à indemnização pela expropriação da propriedade individual; direito de uso e aproveitamento da terra, para todos os cidadãos moçambicanos.

O tema enquadra-se, no ramo de Direitos Humanos, conforme a interpretação que fazemos dos artigos 1° e 7° da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) de 1948, conjugado com os artigos 3° e n°1 do artigo 11° do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) de 1966 e artigo 3° da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), de 1981. Estes documentos jurídicos internacionais, são reconhecidos pelo Estado moçambicano desde a Constituição da República Popular de Moçambique (CRPM) de 1975, conforme o parágrafo 2 do artigo 8° e parágrafo 2 do artigo 23°. O artigo 43° da CRM de 2004, revista em 2018, dispõe que em matéria de direitos fundamentais os preceitos constitucionais sobre direitos fundamentais são interpretados e integrados de harmonia com a DUDH e da CADHP.

O tema enquadra-se, de igual, no Direito Civil, visto que na exploração de recursos mineiros, em particular, preconiza-se a indemnização das comunidades abrangidas. O tema tem relação com o Direito Comercial, pois a exploração mineira no país, inclui memorando de entendimento, contratos, etc. Também enquadra-se no Direito Económico, por ser da responsabilidade do Estado regular os diferentes assuntos ligados a actividade de mineração. O tema enquadra também no ramo de Direito de Trabalho, pois as normas de direito de trabalho são aplicadas na exploração dos recursos mineiros, assim como Direito Penal, tendo em conta que os actos ilícitos praticados no âmbito desta actividade são regulados pelo Direito Penal e no caso especifico de Moçambique, são previstos nos artigos 334° e 335° da Lei n° 35/2014, de 31 de Dezembro, Lei da Revisão do Cόdigo Penal.

O tema faz parte também, do Direito Internacional Público, tendo em conta que a actividade mineira mexe com as questões ambientais, relacionadas com a poluição atmosférica, da água que em alguns casos ultrapassa as fronteiras, sendo por isso regulado pelos tratados, convenções, declarações, etc. E, por fim, o tema faz parte do Direito Mineiro, pela existência de legislação específica que o regula, desde Leis, Regulamentos, Políticas, etc. relacionadas a exploração dos Recursos naturais, no geral.

Por isso, por ser um tema de natureza transversal, em termos de seu tratamento jurídico, considera-se ser pertinente o seu estudo, para o enriquecimento do conhecimento sobre a exploração mineira, em Moçambique.

1.2. Contexto do problema

Em Moçambique a exploração dos recursos minerais, tem como um dos Objectivos contribuir para o aumento das receitas de exportação, incremento no Orçamento Geral do Estado, para a provisão da matérias-primas à indústria nacional, desenvolvimento sustentável e de longo prazo. Até finais da década 90 a actividade mineira em Moçambique consistia principalmente na produção de pequena e média escala (ouro, carvão, bauxite, grafite, mármore, gemas etc.) e, era directamente controlada pelo Estado através de instituições e Empresas do Estado tendo em conta que na primeira República, a Constituição da República Popular de 1975 (CRPM, 1975), tinha uma orientação socialista com uma economia centralizada e controlada directamente pelo Estado.

Na Constituição da República de Moçambique de 1990 (CRM, 1990), mudou-se o foco político com a introdução do Estado do direito democrático, conforme o paragrafo 3 do preâmbulo, e económico, que segundo o artigo 99°, preconizava três sectores económicos, nomeadamente: do Estado; privado e de cooperativas, possibilitando assim a abertura ao mercado, não só nacional, mas também internacional. Isto trouxe uma nova dinâmica, quer seja em termos políticos como económicos e sociais. E, para área de recursos naturais, com destaque para o alumínio; os mineiros (carvão mineral e areias pesadas) e petrolíferos (gás natural e petróleo) incrementou-se a sua pesquisa com melhor tecnologia, com a entrada progressiva de investidores estrangeiros o que contribuiu para que, a partir da década 2000 o foco de exploração desses recursos melhorasse, com a descoberta de novas jazidas minerais. Isto atraiu a entrada no país de mais investidores, em particular, empresas multinacionais, para a sua exploração. Entre essas empresas destacam-se: o projecto de fundição de Alumínio Mozal I e II, em 2000 e 2004; o projecto de gás natural em Pande e Temane, que iniciou a produção em 2004 e 2009; a produção de areias pesadas de Moma em 2007; o início em 2011 da produção de carvão mineral em Moatize; o início em 2012 da produção de carvão em Benga; a descoberta e exploração do gás natural e petróleo na bacia do Rovuma, a partir de 2010.

Essa nova demanda para a exploração de recursos naturais obrigou o governo a melhorar a redação legal sobre o conceito de exploração desses recursos no país, principalmente, desde a Constituição da República de Moçambique 2004 (CRM, 2004, revista em 2018). No entanto, depois de mais de 20 anos de exploração desses recursos pelas diferentes empresas multinacionais, ainda prevalece a pobreza extrema das populações o que contrasta com o preceituado na Lei nº 1/2013, Lei do Orçamento, que define no artigo 7° que a percentagem de 2,75% das receitas provenientes da extracção de recursos minerais e petrolíferos, seja para o benefício das comunidades nas áreas onde estes recursos são extraídos. Entendemos que o artigo,7° tem como fim criar mudanças significativas das comunidades das zonas de exploração, em particular: infraestruturas sociais (saúde, educação, água e saneamento, segurança) habitacionais (casas melhoradas e de qualidade) económicas (estradas, pontes, transportes, etc.).

Este estudo pretende identificar os instrumentos legais de protecção de direitos das comunidades das zonas de exploração mineira a partir das três constituições moçambicanas. A identificação destes instrumentos vai possibilitar a compreensão sobre a problemática de observância desses direitos nas zonas de reassentamento.

O estudo pretende, em especial, compreender a protecção dos direitos das comunidades no quadro do regime da protecção dos recursos naturais em Moçambique, tendo em conta que o n° 1 do artigo 98° da Constituição da República de Moçambique de 2004, revista em 2018, estabelece que os recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas interiores, no mar territorial, na plataforma continental e na zona económica exclusiva são propriedade do Estado. O n° 2 do mesmo artigo alude que a Lei define o regime jurídico de bens de domínio público, bem como a sua gestão e conservação. Com base no que foi estabelecido no n°2 do artigo 98°, desenvolveu-se um conjunto de normas esparsas seja para a protecção dos recursos naturais no geral, como para a sua exploração, tendo em conta os direitos das comunidades dessas zonas. Não obstante a existência dessas normas esparsas, em relação aos direitos das comunidades, o estudo revelou que nas zonas de reassentamento, há fraca observância, visto que, as comunidades não são totalmente envolvidas nos processos, quer seja para auscultação, para a desterritorialização das suas áreas nativas como para a definição das novas zonas de reassentamento assim como, para serem esclarecidos sobre o fundo de 2,7% proveniente das receitas de exploração dos recursos mineiros e petrolíferos que lhes devia ser canalizado para o seu desenvolvimento. Em nosso entendimento a não observância rigorosa da Lei, torna vulnerável a população em termos de violação dos seus direitos instituídos em diferentes normas internas sobre a exploração dos recursos naturais, no geral e mineiros em particular.

Tendo em vista o exposto nesta formulação do problema, em particular no que diz respeito a protecção dos direitos das comunidades das zonas de exploração mineira, é do nosso entendimento haver uma necessidade de observância desses direitos, pelo reforço à fiscalização das zonas a reassentar, pelas entidades competentes, respeitando s locais de origem e condições particulares de cada comunidade.

1.3. Objectivos

1.2.1. Geral

Identificar os instrumentos legais de proteção de direitos das comunidades das zonas de exploração mineira à luz da legislação interna;

1.2.2. Específicos

b) Entender a protecção dos direitos das comunidades no quadro do regime da protecção dos recursos naturais em Moçambique;

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c) Analisar a problemática de observância dos direitos das comunidades nas zonas de reassentamento.

1.4. Metodologia

A presente pesquisa seguiu o enfoque qualitativo, alicerçando-se no método interpretativo/hermenêutico, assente em base bibliográfica e legislação este, enquanto procedimento técnico de tratamento das considerações teóricas. Este tipo de pesquisa tem um vasto alcance, visto que forneceu um conhecimento mais objectivo da realidade, no que diz respeito a: identificação dos instrumentos legais de protecção de direitos das comunidades das zonas de exploração mineira à luz da legislação interna; entendimento da protecção dos direitos das comunidades no quadro do regime da protecção dos recursos naturais em Moçambique; problemática de observância dos direitos das comunidades nas zonas de reassentamento. Para optar por este método, baseamos-nos também nas teses de Andrade; Remigio (2019) que defendem que a variedade de métodos na pesquisa jurídica aumenta maiores possibilidade de descobertas dos fenómenos estudados fazendo com que a complexidade desses fenómenos admitam mais de uma abordagem.

Como principal técnica de pesquisa e por estarmos a abordar um campo do Direito, privilegiamos a bibliográfica e a documentação. Assim a primeira tarefa para recolha de dados consistiu em estabelecer um contacto com os documentos a analisar, por forma a se inteirar dos textos e conteúdos, deixando nos invadir por impressões e orientações para a pesquisa pretendida. Assim foram seleccionados documentos relacionados ao tema em estudo. Estes documentos foram obtidos por intermédio de pesquisas em bibliotecas físicas e virtuais, enquanto fontes de informação pretendida, para o objectivo que se pretendia na pesquisa.

Procura-se a partir dos preceitos gerais sobre a exploração dos recursos naturais, perceber qual é o seu tratamento e alcance nas áreas de exploração desses recursos, em particular mineiros, em termos de protecção e observância dos direitos das comunidades das zonas abrangidas.

A Protecção dos Direitos das Comunidades no Quadro do Regime de Protecção dos Recursos Naturais em Moçambique

Conforme nosso entendimento os direitos das comunidades foram instituídos, desde a Constituição da República de 1990 e melhorados na Constituição da República de 2004, revista em 2018. Com efeito o n°3 do artigo 460 estabelecia a terra, como um direito de todos os moçambicanos, reconhecendo a sua importância sócio económica de criação da riqueza e do bem-estar social. O n°3 do artigo 470, conjugado com o artigo 48° dessa Carta Magna, preconizavam que, a Lei estabelecia os termos em que se operava a criação de direitos sobre a terra em benefício dos utilizadores e produtores directos, não se permitindo que tais direitos servissem para favorecer situações de domínio económico ou privilégio em prejuízo da maioria dos cidadãos (n°3 do artigo 47°); na titularização do direito de uso e aproveitamento da terra o Estado reconhecia e protegia os direitos adquiridos por herança ou ocupação, salvo havendo reserva legal ou se a terra tivesse sido legalmente atribuída à outra pessoa ou entidade (artigo 48°). Na Constituição de 2004, revista em 2018, esses preceitos foram enquadrados nos artigos: 79°(Direito de petição, queixa e reclamação; 80°(direito de resistência); 82°(direito à propriedade) 83°( direito à herança); 91°(direito à habitação); 92° (direito dos consumidores); 109° (direito à terra); 111°(Direitos adquiridos por herança ou ocupação da terra). Assim o regime jurídico de tropeção das comunidades nas zonas de exploração mineira, parte dos preceitos gerais constitucionais e enquadrado em diferentes Leis ordinárias .

2.1. O enquadramento dos direitos das comunidades nas leis infraconstitucionais

Os preceitos estabelecidos na Constituição da República de Moçambique de 1990 e 2004 revista em 2018, foram melhor interpretados nas seguintes Leis: Lei n° 16/91 de 03 de Agosto, Lei de Águas; Lei n° 19/97, de 1 de Outubro, Lei de Terras; Lei n° 20/97, de 01 de Outubro, Lei do Ambiente; Lei n° 10/99, de 7 de Julho, Lei de Florestas e Fauna Bravia; Lei nº 1/2013, de 7 de Janeiro , Lei do Orçamento; Lei n° 20/2014 de 18 de Agosto, Lei de Minas; Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro, Lei da Revisão do Código Penal ; Decreto nº 31/2012, de 8 de Agosto, que aprova o Regulamento sobre o reassentamento resultante das actividades económicas.

Com efeito, alínea c) do artigo 12° conjugado com a alínea a) do n° 2 do artigo 17°, e alínea c) do 29° da Lei de Terras aludem respectivamente: o direito de uso e aproveitamento da terra adquirido por ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo as normas e práticas costumeiras no que não contrariem a Constituição; o direito de prazo indeterminado de uso da terra, adquirido por ocupação pelas comunidades locais; o direito de uso e aproveitamento gratuito da terra para às explorações familiares, às comunidades locais e pessoas singulares que as integram. A alínea b) do artigo 4° da Lei do Ambiente, estabelece o direito do reconhecimento e valorização das tradições e saber local das comunidades, para melhor conservação e preservação dos recursos naturais e do meio ambiente. A Lei de Florestas e Fauna Bravia, Lei n° 10/99 de 7 de Julho, prevê no n° 3 do artigo 15° o direito gratuito de exploração florestal dos membros das comunidades locais para o consumo próprio, de acordo com as suas normas e práticas costumeiras; o direito de livre acesso; circulação e uso dos recursos naturais para subsistência, das comunidades locais, conforme o artigo 180. A Lei nº 20/2014, de 18 de Agosto, Lei de Minas estabelece no artigo 12° sobre o uso e aproveitamento da terra, especificando no nº2 os direitos das comunidades, ao preconizar a extinção dos direitos preexistentes após o pagamento de uma justa indemnização. O nº 1 do artigo 23º da mesma Lei, estipula que o Estado, as instituições e demais pessoas colectivas de direito público tem uma acção determinante na avaliação do potencial mineiro existente, de forma a permitir um acesso aos benefícios da produção mineira e contribuir para o desenvolvimento económico e social do país. A alínea g) do artigo 13º atribui ao governo a competência de proteger as comunidades onde as actividades de exploração mineira estão autorizadas e promover o desenvolvimento sócio económico em prol do bem-estar das mesmas. Este desenvolvimento sócio económico, inclui conforme o nº1 do artigo 20° da Lei de Minas a canalização de uma percentagem das receitas geradas pela extracção mineira às comunidades das áreas onde se exploram os tais recursos.

A percentagem de receitas prevista no nº 1 do artigo 20° da Lei de Minas é melhor clarificada no artigo 7º da Lei n° 1/2013, de 7 de Janeiro, Lei do Orçamento que define que essa percentagem seja de 2.75%, quer seja das receitas geradas pela extracção mineira como petrolíferas, nas zonas onde se localizam os projectos de exploração. O artigo 24° da Lei Minas dispõe sobre a defesa dos interesses nacionais, que inclui entre outros, a segurança alimentar e nutricional das comunidades e ao meio ambiente em geral, que deve ser garantida pelo Estado, nas zonas de reassentamento. Os direitos preexistentes das comunidades são detalhadas no capítulo II da Lei de Minas nos seguintes artigos: o artigo 27°, que dispõe sobre os direitos do Estado, prescrevendo no nº 2, que os direitos preexistentes podem ser extintos a favor do Estado, mediante pagamento de justa indemnização, paga pelos requerentes de exploração mineira. Por seu turno os nºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 30° aludem respectivamente: o direito ao reassentamento e indemnização justa e transparente; assinatura de um memorando de entendimento no âmbito das indemnizações, entre o governo, a empresa e a(s) comunidade(s) abrangida(s), podendo o ato ser testemunhado pelas organizações de base local, se isso for requerido por uma das partes; O Memorando de entendimento considera-se uma das condições primordiais, para a atribuição do direito de exploração mineira; o n°4 do artigo 30° atribui a responsabilidade absoluta ao governo, em termos de garantia de melhores condições que beneficiem as comunidades incluindo o pagamento da justa indemnização. A justa indemnização é melhor interpretada nas alíneas a) a d), do artigo 31° da Lei de Minas.

O reassentamento como um direito das comunidades, mereceu uma norma especial, para melhor clarificação, através do Decreto nº 31/2012, de 8 de Agosto, que aprova o Regulamento sobre o reassentamento resultante das actividades económicas. A normativa tem como objecto conforme o artigo 2°, estabelecer regras e princípios básicos de reassentamento, que promovam a qualidade de vida dos cidadãos afectados e protecção do meio ambiente. O artigo 4° deste Decreto define 8 princípios sobre o processo de reassentamento, dos quais destacamos:

a) o princípio da coesão social, segundo a qual, o reassentamento deve garantir a integração social e restaurar o nível de vida dos afectados para um nível melhor. Este princípio é em nosso entender a interpretação e aplicação do princípio 15 da Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente e Desenvolvimento, de 1972.

b) princípio de igualdade social. É um preceito humano universal constante dos artigos 1° e 7° da Declaração Universal de Direitos Humanos, conjugado com o artigo 30 e n° do artigo 110 do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais (PIDESC).Estes direitos universais, foram enquadrados desde a Constituição da República Popular de Moçambique (CRPM) de 1975 que insere nos artigos 26° e 29° e melhorados na Constituição da República de Moçambique (CRM) de 1990, artigos 66° e 67° e de 2004 revista em 2018, artigos 35° e 36°. O princípio da igualdade social consta também da alínea f) do artigo 4° da Lei do Ambiente que preconiza a igualdade de acesso de recursos naturais, de homens e mulheres, sem descriminação.

c) princípio de benefício directo, significa dar a possibilidade aos afectados de beneficiarem directamente dos empreendimentos e dos seus impactos socioeconómicos;

d) princípio de equidade social segundo a qual, na fixação das populações afectadas nas novas zonas, deve observar-se o acesso aos meios de subsistência, serviços sociais e recursos disponíveis;

e) Princípio de não alteração do nível de renda, significa que os reassentados não podem ter uma renda inferior à situação anterior do seu rendimento básico;

f) princípio da participação pública, este é um preceito universal constante na Declaração do Rio sobre Ambiente e desenvolvimento, de 1992 que insere no princípio 10 e 22 e no princípio n°19, da Declaração de Estocolmo sobre o meio Ambiente , de 1972 . Na legislação moçambicana este princípio parte do preceito constitucional inserido no n°1 do artigo 48°, da Constituição da República de Moçambique de 2004 revista em 2018, que estabelece o direito à informação, enquadrado em diferentes Leis ordinárias. Em relação a exploração dos recursos mineiros o direito à informação é interpretado de várias formas nas seguintes Leis: Lei n° 19/97, de 1 de Outubro, Lei de Terras que alude na alínea a) do artigo 24°, conjugado com os artigos, 80, 19º e 20° e 30° da Lei n° 20/97 de 1de Outubro, Lei do Ambiente;

Alíneas b) e f) do artigo 3° da Lei n° 10/99, de 7 de Julho,Lei de Florestas e Fauna Bravia e artigos 32º; alíneas a), b) e c) do n° 1 e n°2 do artigo 70° da Lei de Minas, Lei n° 20/2014 de 8 de Agosto, conjugados com o n°3 do artigo 13° da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro, Lei de Terras,

A intervenção do público, nas questões relativas à gestão dos recursos naturais, no geral, e que inclui a protecção do meio ambiente é uma consequência normal do direito à informação. Significa que as comunidades devem ter informações adequadas, sobre os diversos aspectos relacionados a actividade mineira, que inclui o reassentamento, os problemas ambientais consequentes, as diversas acções ou decisões públicas e privadas que tenham implicações para as suas vidas.

g) princípio da responsabilização ambiental, estabelece que, quem polui ou degrada o ambiente tem a responsabilidade de pagar ou compensar pelos danos daí decorrentes. Este princípio, resulta da Declaração de Estocolmo sobre o meio Ambiente, de 1972 que insere no Princípio 22 e da Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, princípio 13.

O direito à indemnização é estabelecido no artigo 58° da Constituição da República e, em matéria ambiental inserida na alínea g) do artigo 4° e no nº 1 do artigo 26º da Lei n° 20/97, de 1 de Outubro, Lei do Ambiente, conjugado com a alínea d) do artigo 3° da Lei n° 10/99, de 7 de Julho, Lei da Floresta e Fauna Bravia; artigo 54° da Lei n°16/91 de 03 de Agosto, Lei de Águas e o ponto 2.2 do n° 4, da Resolução n° 5/95, de 03 de Agosto, que Aprova a Política Nacional do Ambiente . A Lei do Ambiente, Lei n° 20/97 de 7 Outubro preconiza, ainda, nos artigos 21°, 26° e 30°, respectivamente: o direito de acesso à justiça; a responsabilidade objectiva, que em termos de criminalização dos seus mentores foi melhor interpretado; participação das comunidades na fiscalização ambiental. A responsabilidade objectiva foi melhor interpretado, nos artigos 354° e 355° da Lei n° 35/2014, de 31 de Dezembro , Lei da Revisão do Código Penal.

Assim, em termos de direitos das comunidades das áreas de exploração mineira, existe um conjunto de normas estabelecidas para a sua protecção.

3. A Problemática de Observância dos Direitos das Comunidades nas Zonas de Reassentamento.

Na pesquisa feita por Frei (2021) nas áreas de reassentamentos, em particular, no distrito de Nacala-a-Velha e Moatize indica que as comunidades foram deslocadas das suas terras para locais distantes, sendo obrigadas a viver novos hábitos e costumes e condições desproporcionais em termos de tamanho e condições agroecológicas da terra; escassez ou falta de água potável assim como, serviços sociais, em particular, hospitais, segurança; falta de serviços económicos como mercados e bancos.

CasteL-Branco (2010) refere que no caso específico das comunidades das zonas de exploração do Distrito de Moatize, estas, o seu custo social tornou-se ainda mais alto, com a expropriação das suas terras. Isto é secundado, na pesquisa de Matos de; Medeiros (2012) que observam que nos reassentamentos promovidos por algumas empresas multinacionais, as comunidades foram reassentadas em espaços onde as condições mínimas de sobrevivência ainda estavam longe de serem as melhores.

Mosca; Selemane (2011) referem, por sua vez, que em relação ao reassentamento compulsório em Moatize, o mesmo foi contestado pelas comunidades abrangidas, visto que, as habitações convencionais ora disponibilizadas apresentavam-se na sua maioria piores do que as casas de construções precárias das comunidades deslocadas.

As observações dos diferentes pesquisadores citados a cima, são corroboradas por algumas organizações da Sociedade Civil como o CIP (2018) que indica que em algumas zonas de reassentamento da província de Tete, as comunidades reassentadas viviam em condições pouco dignas, visto que, “perderam as suas fontes de renda, a agricultura em terras férteis ao serem transferidas de uma região, que era de fácil acesso aos mercados e recursos, à sede do distrito, onde faziam os seus negócios, para zonas mais distantes, algumas delas áridas e desprovidas de água para o consumo humano .

Assim tendo em conta as constatações feitas, tanto por pesquisadores independentes como por via das organizações da sociedade civil, entendemos haver violação dos direitos das comunidades nas zonas de reassentamento, se tomarmos em conta que o artigo 4° do Regulamento sobre o Processo de Reassentamento Resultante das Actividades Económicas, decreto n° 31/2012, de 8 de Agosto, e as alíneas a) e c) do ponto 3 da Política Nacional de Responsabilidade Social das Empresas, Resolução, n° 21/2014, de 16 de maio, estabelecem respectivamente que: na fixação das populações afectadas às novas zonas, deve observar-se o acesso aos meios de subsistência, serviços sociais e recursos disponíveis; a dignidade humana; estabilidade social e direito ao progresso. A não observância desses instrumentos que preconizam de forma clara os direitos das comunidades faz com que, o que era suposto trazer desenvolvimento para as comunidades esteja a transformar-se num empobrecimento total.

Concordamos com Lucas (2011) que afirma que as empresas multinacionais, são mais poderosas que o próprio Estado, o que faz com que suas regras sejam mais fortes e, por isso lhes permita explorar a terra e seus recursos, incluindo a mão-de obra, da forma que melhor lhes convém, para obtenção de maior lucro.

Conclusão

As principais conclusões a que o estudo chegou tendo em conta que o objectivo geral deste estudo era de identificar os instrumentos legais da protecção de direitos das comunidades produzidos no país à luz do direito interno e internacional são:

1. Em relação aos instrumentos legais de protecção de direitos das comunidades das zonas de exploração mineira à luz da legislação interna um o estudo revelou haver um conjunto de normas legais, que definem direitos para as comunidades das zonas abrangidas pela exploração mineira. Estes Direitos incluem entre outros o reassentamento condigno, que significa a garantia de infraestruturas habitacionais, sociais, económicas e de segurança assim como, de segurança alimentar, em particular a terra (fértil).

2. Em relação a protecção dos direitos das comunidades no quadro do regime da protecção dos recursos naturais em Moçambique, o estudo identificou bastante legislação, para todas as áreas de exploração desses Recursos desde Leis, Regulamentos, Políticas.

4. No que concerne a problemática de observância dos direitos das comunidades nas zonas de reassentamento, concluiu-se, com base nas pesquisas feitas haver pouca ou fraca observância desses direitos, principalmente nos processos e zonas de reassentamento.

Face a estas constatações, no que diz respeito a problemática da observância dos direitos das comunidades, nas zonas de reassentamento, o estudo tem como as seguintes sugestões:

  1. Que as Instituições de fiscalização da Lei reforcem a fiscalização e façam cumprir os direitos das comunidades;

  2. Que em todo processo de reassentamento, para além dos representantes do governo e das empresas, membros da sociedade civil e as próprias comunidades, sejam rigorosamente envolvidas;

  3. Que os mecanismos de comunicação e participação das comunidades, sejam cada vez mais melhorados.

Bibliografia

Legislação

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  3. REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Assembleia da República. Lei nº 19/97, de 1 de Outubro, Lei de Terras, Maputo, in Boletim da República I Série n ° 40, de 1 de Outubro.

  4. _________________________Lei 10 /99 de 7 de Julho, Lei de Florestas e Fauna Bravia, Maputo, in Boletim da República I Série n°27, de 7 de Julho.

  5. _________________Lei nº 20/97, de 1 de Outubro, Lei do Ambiente, Maputo, in Boletim da República I Série n°40, de 1 de Outubro.

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Doutrina

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10.CIP (2018). Num contexto de crise das commodities Desafios de um país potencialmente rico em recursos minerais. Estabelecendo as bases para evitar a “maldição dos recursos” em Moçambique no novo “super-ciclo” dos preços das matérias-primas. Disponível em: https://cipomoz.org. acesso em 1/2/2024.

11.FREI, Vanito Viriato Marcelino. Mineração e Formação Sócio Territorial do Moçambique Colonial. Revista ISSN 2176-9559, V. 12, n.23, 2021. disponível em: https://ojs.edu.br. Acesso em 18/3/2023

12.LUCAS, Ana Glória. IESE (2011). Impactos sociais de exploração de minerais. O caso de D V L MBILD D A Vale Moçambique L.DA. disponível em: https://www.iese.ac.mz/~ieseacmz/lib/noticias/2011/JVunhjane ITIE Fev2011.pdf. acesso em 2/2/2023.

13.MANUEL, Nélio. A exploração mineira e a expropriação das comunidades locais caso da Vale no distrito de Nacala-a-Velha, Moçambique disponível em: http://portal.amelica.org/ameli/journal/236/236987006/html/ acesso em 31/1/2024.

15.MATOS DE, Elmer Agostinho Carlos de; MADEIROS Rosa Maria Vieira (2012). Exploração Mineira em Moatize, no Centro de Moçambique: Que Futuro Para as Comunidades Locais.

16.MOSCA, João; SELEMANE, Tomás. El dorado Tete: os megaprojetos de mineração.

Maputo: CEDIMA, 2011.

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