Apontamentos sobre o benefício da compensação pecuniária

03/10/2023 às 22:21
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APONTAMENTOS SOBRE O BENEFÍCIO DA COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA

RESUMO

O presente artigo tem o objetivo precípuo de contribuir com subsídios para a atualização da interpretação a respeito das possibilidades de concessão do instituto da Compensação Pecuniária, um benefício remuneratório criado por lei ordinária em 1989 com o fito de compensar o tempo de dedicação profissional de militares temporários de diversos níveis hierárquicos que se afastam do serviço ativo das Forças Armadas (FFAA) por motivo de licenciamento e, ainda, contribuir para sua subsistência durante o período de recolocação no mercado de trabalho. O artigo analisa a legislação ora vigente e aponta os principais aspectos observados na construção jurisprudencial majoritária que norteia o tema, sem qualquer pretensão de oferecer respostas definitivas sobre o assunto.

Palavras-chave: compensação pecuniária, jurisprudência, benefício remuneratório, militar temporário.

1. INTRODUÇÃO

O trabalho que ora se inicia foi desenvolvido com base em pesquisa legislativa, regulamentar e jurisprudencial com o intuito de apresentar alternativas mais justas, legítimas e compatíveis com o ordenamento em vigor, para permitir a concessão da compensação pecuniária a um maior número de profissionais que dedicam anos de suas vidas em colaboração com as FFAA brasileiras e que acabam excluídos do rol de agraciados com esse benefício pecuniário, por questões administrativas peculiares das próprias Forças Singulares e não abarcadas pelo texto legal.

Em que pese se tratar de assunto relativamente pacificado e não haver alteração legislativa recente que envolva o tema, é objetivo desse breve estudo trazer uma nova abordagem emoldurada por argumentação que permita uma aproximação maior da jurisprudência majoritária com a justiça administrativa e social, a fim de proporcionar segurança jurídica efetivamente legítima para as diversas situações fáticas que o tema abrange.

2. DOS ASPECTOS LEGAIS E REGULAMENTARES

A previsão legal para o instituto da Compensação Pecuniária encontra-se materializada na Lei no 7.963, de 21 de dezembro de 1989, sancionada pelo então Presidente da República José Sarney, há quase 34 anos. Tal dispositivo legal concede um benefício remuneratório denominado “compensação pecuniária”, ao militar temporário pertencente ao efetivo profissional das Forças Singulares, por ocasião de seu licenciamento.

A reduzida lei federal, de apenas 08 (oito) breves artigos, assim dispõe em seu artigo 1º:

“O oficial ou a praça, licenciado ex officio por término de prorrogação de tempo de serviço, fará jus à compensação pecuniária equivalente a 1 (uma) remuneração mensal por ano de efetivo serviço militar prestado, tomando-se como base de cálculo o valor da remuneração correspondente ao posto ou à graduação, na data de pagamento da referida compensação.”

O referido diploma legal, em seu Art. 1º, § 2º, excetua da contagem para o período aquisitivo de concessão do benefício, o tempo passado na condição de “serviço militar obrigatório”.1

Por fim, o artigo 3º traz uma outra importante exceção que, de forma explícita, impede a concessão do benefício para o militar que é licenciado com deméritos: “O oficial ou a praça que for licenciado ex officio a bem da disciplina ou por condenação transitada em julgado não fará jus ao benefício de que trata esta Lei.” (grifo nosso)

Indica a norma contida no citado artigo 3º ser um dos fundamentos para o alcance do benefício da Compensação Pecuniária, pois sugere um argumento de exegese baseado na razão contrária, amplamente utilizado por intérpretes e operadores do Direito. Isto quer dizer que, se o legislador se preocupou em explicitar duas formas de exceção para o recebimento do benefício para aqueles que são licenciados de ofício, parece constituir consectário lógico que outras formas de licenciamento “de ofício” devem ser contempladas pelo instituto da Compensação Pecuniária, ainda que haja aparente contradição com o artigo 1º do diploma legal.

Em resumo, o legislador se preocupou em excluir do direito ao benefício citado, todos aqueles militares temporários licenciados de ofício por: 1) questões de indisciplina, 2) por condenação com trânsito em julgado ou 3) que ostentavam a condição temporal de “prestador de serviço militar obrigatório”.

Desta forma, fica nítida a intenção do legislador de excluir do rol de beneficiários aqueles licenciados com desonra e aqueles que estavam prestando um serviço obrigatório por força legal.

Ao reverso, também parece clara a intenção de conceder o benefício àqueles que cumpriram seu tempo de serviço voluntariamente e com méritos, ainda que o texto da norma contida no artigo 1º não abarque todas as possibilidades de licenciamento existentes. Ou seja, a contrario sensu, aqueles militares temporários licenciados de ofício por término de prorrogação de tempo de serviço, que não estejam enquadrados em uma das 03 hipóteses excludentes, teriam direito ao benefício da Compensação Pecuniária.

Prosseguindo no estudo dos normativos que regem a matéria, encontra-se em vigor o Decreto nº 99.425, de 30 de julho de 1990, que veio regulamentar a execução da Lei nº 7.963/1989, já sob os auspícios do novo chefe do Poder Executivo eleito – Fernando Collor de Melo.

O citado normativo regulamentador, como é de praxe, não inovou no mundo jurídico, apenas se preocupando em repetir as regras legais e em especificar a composição da remuneração que integra o benefício ora discutido, citando rubricas remuneratórias recebidas a título de adicionais, auxílios ou indenizações que não devem ser consideradas para compor o cálculo da Compensação a ser recebida.

Sentindo a necessidade de regulamentar o novel instituto no âmbito da Força Terrestre, o Secretário de Economia e Finanças do Exército resolveu normatizar internamente a questão, por meio da Portaria nº 010-SEF, de 23 de agosto de 1990.

Tal ato administrativo normativo, além de repetir as regras já incluídas nos atos de regramento hierarquicamente superiores, tratou de elencar as diferentes categorias existentes de militares temporários2 e se ocupou em abordar a possibilidade de parcelamento do recebimento do valor do benefício a ser pago.

Por exatos 30 anos, o Exército Brasileiro manteve em vigor a Portaria acima, até sentir a necessidade, imposta pelo decurso do tempo, de atualizar sua regulamentação interna, em que pese a ausência de atualização da legislação de regência pelo Poder Executivo ou pelo Poder Legislativo.

Desta forma, a Portaria nº 010-SEF, de 1990, cedeu lugar a Portaria nº 071-SEF, de 29 de julho de 2020, que cuidou somente de atualizar e modernizar a redação textual, e prever, ao final, a competência do Secretário de Economia e Finanças do Exército para decidir sobre possíveis omissões nas normas internas que tratam do tema.

3. DA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL

A controvérsia jurisprudencial existe, ainda que modesta, no que diz respeito ao alcance do disposto no artigo 1º da Lei nº 7.963/1989, especificamente naquilo que se refere à modalidade de exclusão do serviço descrita no texto: “licenciamento ex officio por término de prorrogação de tempo de serviço”.

Existem julgados, como a Apelação Cível oriunda do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, datada de 2011, que optam pelo seguinte entendimento:

“APELAÇÃO CÍVEL. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA. MILITAR. APROVAÇÃO EM CONCURSO. INADMISSIBILIDADE.

1. A compensação pecuniária prevista no art. 1º da Lei 7963/89 é devida, unicamente, na hipótese de licenciamento “ex officio” do militar, decorrente do término da prorrogação do tempo de serviço.

2. É ilegítimo, por não encontrar previsão legal (princípio da estrita legalidade administrativa – art. 37, caput, da CF), o pagamento da mencionada compensação pecuniária ao militar temporário dispensado a pedido, em virtude de aprovação em concurso público para outra Força Armada, como é o caso dos autos, em que o autor, outrora militar do Exército, foi exonerado a pedido, tendo em vista aprovação para o cargo de Soldado da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Precedentes.

3- Apelação improvida.”

(AC n° 371 SP 2004.61.21.000371-1, TRF3-Turma Z, Rel. Leonel Pereira, julgamento: 25/05/2011)

Na esteira da decisão acima, os tribunais tendem, de forma majoritária, a denegar o direito à percepção da compensação pecuniária para militares temporários que se afastam do serviço ativo sem conjugar 02 requisitos peremptórios por eles (tribunais regionais federais e tribunais superiores) eleitos: 1) licenciamento de ofício e 2) término de prorrogação de tempo de serviço.

Ou seja, a jurisprudência majoritária interpreta literalmente o artigo 1º da Lei nº 7.963/1989 de forma a considerar que o militar temporário apenas faz jus ao benefício, caso preencha os dois requisitos, os quais considera CUMULATIVOS.

Desde o ano de 2012, a Força Terrestre adotou uma interpretação Ex vi legis e stricto legis no que se refere ao instituto em comento, fazendo coro à fundamentação constante da maioria dos julgados, na qual foi eleito o princípio da estrita legalidade administrativa, em detrimento de outros princípios constitucionais igualmente relevantes, sem apresentação da salutar ponderação principiológica baseada na proporcionalidade e na razoabilidade e sem levar em conta outras formas de hermenêutica.

Não resta dúvida que uma interpretação literal ou gramatical, fundada na argumentação de estrita legalidade administrativa é convincente e dispensa maiores “malabarismos interpretativos”. Ressalva feita quando se trata de matéria de interesse maior, que possa despertar interpretações jurídico-ativistas.

Além de convincente ao homem médio, a interpretação literal é a mais cômoda para os decisores. Todavia, o princípio constitucional da legalidade não é o único a permear o tema, assim como a modalidade de interpretação literal não a única existente na hermenêutica jurídica.

Quando se trata de princípios, nunca é demais lembrar das lições do jurista alemão Robert Alexy: “princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas” (2008, p 117). E ainda:

“Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção.” (2008, p 93)

Durante a pesquisa da jurisprudência dos tribunais, é possível encontrar julgados mais aprofundados que enveredam em uma tentativa de efetivar conclusões baseadas não apenas na literalidade da lei, ainda que no contexto de questões vinculadas à Administração. Assim, ampliam a interpretação legislativa e constroem decisões no sentido de conceder o benefício àquele militar que é licenciado de forma involuntária.

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Destarte, decisões mais amplas e justas afastam a literal interpretação do trecho “término de prorrogação de tempo de serviço”, dando azo ao provável desejo do legislador de contemplar os militares temporários que se afastam do serviço ativo de maneira involuntária, ainda que o período contratado não tenha sido concluído com exatidão e desde que não haja demérito envolvido nesse afastamento.

“ADMINISTRATIVO. MILITAR. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA. LEI 7.963/89. DECRETO 4.502/2002. LICENCIAMENTO EX OFFICIO. INCAPACIDADE. CARÁTER INVOLUNTÁRIO.

A compensação pecuniária configura uma espécie de indenização ao militar temporário que, ao término de seu tempo de serviço, é licenciado ex officio e objetiva compensar a exclusão involuntária dos quadros das Forças Armadas.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003628-91.2014.4.04.7106/RS RELATORA Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA) grifo nosso.

“ADMINISTRATIVO. MILITAR. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA. LICENCIAMENTO EX OFFICIO. APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO PARA BRIGADA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DESCABIMENTO. INOCORRÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS.

1. A compensação pecuniária instituída pela Lei n° 7.963, de 21 de dezembro de 1989, é benefício destinado a indenizar o militar temporário que, ao término de seu tempo de serviço, é licenciado ex officio. 2. O militar temporário que se afasta da caserna em virtude de concurso público e, posteriormente, é licenciado, não se enquadra nas hipóteses de licenciamento ex offício previstas no art. 121, §3º, da Lei 6.880/80. Referida situação não possui caráter involuntário, essencial para a percepção da compensação pecuniária.” (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5063922-30.2014.404.7100, 3ª TURMA, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 22/10/2015) grifo nosso.

Sem dúvida, uma maior preocupação com a interpretação de um instituto criado em benefício do Administrado, traduz a correta aplicação da ciência do direito, que ecoa nas palavras do Desembargador Sérgio Cavaliere Filho:

“A Escola da Exegese, da qual Montesquieu foi o seu precursor, colocava os textos da lei acima de tudo. Ensinava que os juízes deviam seguir a letra da lei, porque esta representava a vontade do povo. Uma interpretação demasiado larga pareceria demonstrar que esta vontade não era clara. Suspeitava - se do juiz, pois este poderia deformar o pensamento do legislador. Essa Escola perdeu toda a influência a partir do momento que a sociedade percebeu que o poder judiciário está animado do mesmo espírito democrático do legislador; que os juízes interpretam a lei com o mesmo sentimento de justiça com que fora votada.” (Revista da EMERJ, v.5, n.18, 2002)

Ao destrinchar a legalidade administrativa, é possível escrever um verdadeiro tratado sobre os aspectos que devem nortear a atuação da Administração naquilo que se refere ao estrito cumprimento do dever legal e à interpretação literal e/ou gramatical das normas, de forma a impedir qualquer afastamento daquilo de está contido na letra da lei, prestigiando, assim, o princípio da legalidade administrativa.

Entretanto, o mesmo administrador que interpreta a norma restritivamente, não pode olvidar que diversos outros princípios constitucionais igualmente importantes norteiam as relações entre Administração e Administrado e entre cidadão e Estado.

Por outro lado, a própria jurisprudência, ainda que minoritária, também admite interpretação distinta, sem apego estrito a um único tipo de exegese, conforme a seguir:

“ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO EX OFFICIO. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA - FACTIBILIDADE.

O militar licenciado por conveniência do serviço público faz jus ao benefício da compensação pecuniária previsto na Lei nº 7.963/89.” (EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM EIAC Nº 1998.04.01.010474-7/RS RELATOR Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE)

No excerto acima, admite-se também interpretação adequada à questão legal, uma vez que a “conveniência do serviço” é espécie da qual o “licenciamento de ofício” é gênero, a semelhança do “término da prorrogação por tempo de serviço” (que também é espécie do mesmo gênero).

O “licenciamento de ofício por conveniência do serviço” está previsto no artigo 121, § 3º, da Lei nº 6.880/19803 (Estatuto dos Militares), sendo considerado uma das formas legais de licenciamento de ofício.

Considerando essa abordagem, percebe-se ser possível admitir a concessão da Compensação Pecuniária para militares temporários que são licenciados das fileiras das Forças Singulares, ex officio, por conveniência do serviço e para militares que são licenciados de forma involuntária, desde que sem deméritos.

4. DOS CASOS CONTROVERSOS

4.1 Aprovação em Concursos Públicos

Uma das lides mais recorrentes levadas ao Poder Judiciário é a de militares temporários que são aprovados em concurso público e tomam posse no cargo antes do encerramento do período de serviço militar a que se propuseram.

Após análise da jurisprudência dos tribunais, percebe-se que muitos militares temporários que são aprovados em concursos públicos e, consequentemente, desligados da Força Singular a que pertencem por ocasião da posse no novo cargo, demonstram irresignação pelo fato de não receberem a compensação pecuniária a que fariam jus, buscando socorro no Poder Judiciário.

Como dito alhures, a jurisprudência majoritária tende a negar o direito ao benefício indenizatório estudado, pelos motivos de interpretação literal da Lei nº 7.963/1989 e, também, por ausência de modalidade específica ou previsão expressa para o licenciamento daqueles que enveredam por outros entes da Administração Pública, conforme demonstrado no item anterior.

Entretanto, com o objetivo de afastar a concessão do benefício ao militar aprovado e empossado em cargo público, uma outra parte da jurisprudência emprega argumentação baseada em interpretação teleológica para afirmar que se trata de um benefício assistencial direcionado exclusivamente ao ex-militar que necessita de reinserção no mercado de trabalho, conforme a seguir:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO EX OFFICIO POR APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA. BENEFÍCIO DE NATUREZA ASSISTENCIAL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA QUE DEVE ATENTAR PARA A EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA LEI 7.963/89, SOB PENA DE DESVIRTUAMENTO DA NORMA ESTABELECIDA NO SEU ART. 1º. PRECEDENTES.

1. É acertada a negativa de trânsito ao Recurso Especial que não comprova a divergência jurisprudencial, nos termos da disciplina estatuída pelo art. 255 do RI/STJ. Esse fundamento, aliás, nem mesmo foi objeto de atenção pelo Agravo, que se limitou a defender o preenchimento dos requisitos legais sem atacar especificamente a ausência de certidões ou cópias do julgamento trazido a cotejo - documentos que efetivamente não estão nos autos - de modo que incide, na espécie, o óbice da Súmula 182/STJ. 2. A violação ao art. 535 do CPC deve ser afastada na medida em que o acórdão de origem revela motivação suficiente, apta, por si só, a afastar a nulificação buscada nessa via recursal, especialmente porque, não estando obrigado a responder a questionamento das partes, o julgador se desincumbe do dever de fundamentação com a exposição das razões fático-jurídicas que o levaram a determinado juízo de convencimento, tal como se vislumbra na decisão impugnada. Ademais, a pretensão aclaratória está marcadamente orientada por razões de índole meritória, que nem mesmo lograram identificar qual dos vícios processuais - contradição, omissão ou obscuridade - maculariam a decisão impugnada, de modo que os embargos veiculam simples inconformismo em relação ao conteúdo da decisão que desfavoreceu a recorrente. 3. Na origem, o demandante ajuizou ação ordinária buscando a condenação da União Federal ao pagamento da chamada "compensação pecuniária", benefício instituído pelo art. 1º da Lei 7.963/89 em favor dos militares licenciados ex officio. No caso, não há controvérsia sobre ter o demandante sido licenciado do serviço militar para assumir cargo efetivo em função de aprovação no concurso público da Escola de Saúde do Exército, limitando-se o debate a determinar se o licenciamento ex officio constitui motivo suficiente, por si só, para autorizar a concessão do benefício legal. 4. A interpretação dada pelas instâncias recorridas ao dispositivo federal, data venia, não parece ter atentado ao art. 5º do Decreto-Lei 4.657/42, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, uma vez que não foi considerado o elemento teleológico da norma, de natureza nitidamente assistencial. Segundo a Exposição de Motivos nº 62, de 14 de agosto de 1989, o Projeto de Lei nº 3.362/1989 - que propôs o benefício em tela - teve o claro escopo de garantir ao militar licenciado ex officio a percepção de verba de natureza assistencial que lhe assegurasse a subsistência quando do seu retorno à vida civil e da sua readaptação ao mercado de trabalho, do qual esteve afastado durante o tempo de serviço militar. 5. Essa não é, todavia, a situação do demandante, que foi licenciado em virtude de sua aprovação no concurso público da Escola de Saúde do Exército, de modo que em momento algum esteve desamparado para fazer jus ao benefício pleiteado. Entendimento diverso implica não apenas desvirtuar a lógica e a finalidade que iluminaram a criação da compensação pecuniária em questão, como também desconsiderar a natureza assistencial desse benefício, o que fere o princípio da solidariedade social elencado no art. 3º, inciso I, da Carta Magna como um dos objetivos fundamentais da República. 6. Nessa linha são os precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 7. Agravo em Recurso Especial não provido e Recurso Especial provido.” – grifo nosso (STJ - REsp 1298288/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 01/08/2013)

Percebe-se que o julgador acima, além de utilizar a modalidade de interpretação teleológica, buscando a verdadeira mens legis do legislador, ainda “critica” decisões anteriores que não utilizaram esse recurso hermenêutico.

De fato, o instituto da Compensação Pecuniária possui um viés assistencial com escopo de contribuir para a sobrevivência do ex-militar que busca reinserção no mercado de trabalho após seu afastamento das fileiras da Força Armada a que pertencia.

Contudo, tal motivação deve ser levada em consideração na formação da opinião do julgador de forma sistemática e em ponderação com os demais objetivos e fundamentos do instituto em estudo. Caso contrário, todos os licenciamentos de ofício por término de prorrogação de tempo de serviço deveriam ser analisados casuisticamente, exigindo que a autoridade competente concedesse o benefício apenas para aqueles que não apresentassem meios de subsistência imediatos ao licenciamento.

Ou seja, o viés assistencial do instituto deve ser interpretado de forma contextualizada, a fim de não limitar sua aplicação a casos particulares, conforme o alvedrio do decisor, tudo com fundamento no direcionamento hermenêutico existente no Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Salienta-se que o esforço meritório de estudo árduo nos momentos de folga ou lazer, muitas vezes durante anos, conjugando o trabalho e as demais obrigações, acaba não sendo valorizado pela sociedade e pelo Sistema e os profissionais que, em regra, se esforçam acima da média para lograr êxito em concorridos concursos públicos, deixam de receber uma indenização criada para auxiliar e premiar aqueles que cumprem seu dever com mérito, durante o serviço temporário nas Forças Armadas de seu País.

Seguindo esse diapasão, não é demais pontuar que os servidores militares são privados de diversos direitos trabalhistas e previdenciários, conforme os ditames da Constituição da República de 1988. Nesse contexto, destaca-se a ausência do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, criado com o objetivo de proteger o trabalhador demitido, mediante a abertura de uma conta vinculada ao contrato de trabalho para que o empregador deposite uma quantia mensal determina por lei.

Por fim, roga-se pela utilização ponderada do nobre princípio constitucional da razoabilidade, nas situações em que o militar temporário toma posse em cargo público faltando poucos dias para o término do seu contrato de prorrogação de tempo de serviço.

Nesses casos, é possível considerar, inclusive, o locupletamento injusto e ilícito da União, em situações nas quais o tempo de serviço constante de um contrato de prorrogação anual deixa de ser preenchido por apenas alguns dias, devido a imposição da data de posse em novo cargo público pela própria Administração Pública, incluindo as próprias Forças Armadas.

4.2 Aprovação em Processos Seletivos na Própria Força Singular

Outra situação que merece revisão interpretativa é a questão dos militares que se submetem a processos seletivos da Força Armada a que pertencem, utilizando qualificação profissional exigida para concorrerem a cargos que permitem uma ascensão hierárquica, e deixam de receber a justa indenização, mesmo permanecendo na Força a que pertenciam, ocupando graduação ou posto superior.

Essa anomalia acontece quando um militar ocupante de graduação mais baixa, concorre a uma função que contempla graduação ou posto mais elevado, conforme o processo seletivo correspondente, sendo convocado para ocupar esse novo cargo em período que não coincide com o término da prorrogação do tempo de serviço a que se propôs.

Ocorre que, a renovação do tempo de serviço do militar temporário, em regra, tem duração de 12 meses. E alguns processos seletivos convocam aqueles aprovados, dentre civis e militares temporários, para ingressarem na Força em datas diversas.

Assim, ainda que o militar temporário permaneça na Força por todo o tempo restante permitido por lei e, ao final, seja licenciado de ofício por término de prorrogação de tempo de serviço, ele não recebe o abono referente ao período em que prestou o serviço em graduação ou posto inferior, simplesmente porque foi licenciado no dia exatamente anterior à nova convocação para exercer graduação ou posto superior ao que ocupava antes de se submeter ao novo processo seletivo.

A Administração Militar, teoricamente, interrompe o serviço do militar aprovado em novo processo seletivo publicando o ato administrativo de seu licenciamento e imediatamente convoca esse mesmo militar para ocupar um novo cargo superior. Na prática, não há solução de continuidade na prestação do serviço pelo militar temporário, pois é licenciado e convocado no dia seguinte ao seu licenciamento.

A situação administrativa acima descrita é o fundamento da Administração Militar para denegar o pagamento INTEGRAL da Compensação Pecuniária àquele que completa o tempo de serviço permitido por lei.

À luz dos princípios de envergadura constitucional da Razoabilidade e do objetivo fundamental constitucional de construir uma sociedade justa, tal interpretação merece ser revista, pois a interrupção que caracteriza a posse em cargo superior pelo militar temporário que se esforça para ascender profissionalmente e contribuir de forma mais qualificada com sua força de trabalho ao País, acaba recebendo uma “punição pecuniária” por questão absolutamente formal que não deveria ensejar uma limitação ao direito remuneratório materializado pela Compensação Pecuniária.

Em lamentável resumo, a Administração Militar “penaliza” com uma redução no valor desse benefício assistencial aquele profissional que se esforça mais e que se destaca positivamente, alcançando cargos que exigem mais qualificação para o exercício das funções a ele atribuídas e agregando valor à força de trabalho da Instituição Militar.

Por fim, sob o viés da interpretação teleológica da Lei nº 7.963/1989, os militares que foram obrigatoriamente licenciados para reingressar imediatamente na Força Armada em posto ou graduação superior, devem receber a Compensação Pecuniária completa referente aos anos de serviços prestados, pois se trata de benefício assistencial que proverá a subsistência do ex-militar enquanto busca inserção no mercado de trabalho privado ou público.

Em suma, a fundamentação para utilização da vertente assistencial do benefício deveria permitir sua concessão integral na situação exposta acima, vez que não há motivação lógica, sistemática ou teleológica para afastar essa justa interpretação.

5. CONCLUSÃO

Como apresentado anteriormente, o artigo 1º da Lei nº 7.963/1989 é objetivo ao mencionar quem tem direito a receber o benefício estudado. Tal regra, reza que o militar temporário que foi licenciado de ofício por término de prorrogação de tempo de serviço fará jus à compensação pecuniária.

Entretanto, como é de sabença, os legisladores pátrios nem sempre aprovam projetos de leis com o rigor técnico que os textos mereciam, assim como não atualizam oportunamente diplomas legais que se tornam obsoletos pelo decurso do tempo e por mudanças legislativas paralelas.

Aliado à característica legislativa citada, deve-se levar em conta os 34 anos de existência da Lei n° 7.963/1989, sem qualquer atualização por parte do Poder Legislativo Federal.

Como ingrediente fundamental a sustentar o raciocínio interpretativo ora apresentado, deve-se atentar para o artigo 3º, que demonstra clara preocupação do legislador em excetuar as situações, naquele época existentes, de licenciamentos de ofício que não seriam meritórios para a concessão do benefício remuneratório da Compensação.

É natural que as exceções apresentadas sejam motivos para essa exclusão, pois materializam deméritos a serem reprimidos como forma de manter os padrões morais exigidos para a vida na Caserna, excluindo aqueles que são licenciados de ofício por motivo de indisciplina ou por condenação judicial com trânsito em julgado.

A subsequente interpretação jurídica é notadamente consequência da modalidade teleológica de interpretação legal, na qual o intérprete do direito considera a intenção do legislador ao redigir a norma.

Nesse caso, leva-se a crer que, por contrariedade, as formas de licenciamento ex offício que não afetam a moral e os bons costumes ou são moralmente legítimas deveriam ser contempladas pelo benefício da Compensação Pecuniária, sob pena de cometimento de abomináveis injustiças (descritas no item 4) que desmerecem profissionais que se esforçaram para bem cumprir seu papel nas FFAA.

Além dos aspectos voltados para a legitimidade, a razoabilidade, a proporcionalidade e a justiça, ainda deve-se levar em consideração o viés assistencial e substitutivo de direitos trabalhistas exclusivos da iniciativa privada, para interpretar as normas de regência sem prejuízo ao militar temporário.

Ainda que a Administração Militar esteja restrita a agir sob a tutela exclusiva da Legalidade e ao Administrador não caiba decidir fora do espectro delimitado pelo ordenamento pátrio em vigor, esse mesmo Administrador não deve assumir postura interpretativa restritiva naquilo que se refere a institutos criados para reconhecer o esforço de brasileiros que prestam serviços meritórios de forma temporária nas Forças Singulares.

Por todo os exposto no presente trabalho, conclui-se que, em respeito à incansável busca pela justiça social, ainda que em sede da Administração Pública, faz-se necessária um reanálise da interpretação estabelecida para o instituto remuneratório da Compensação Pecuniária, de forma a abandonar premissas que levam à restrição de norma criadora de benefício extremamente justo para aqueles cidadãos que dedicam parte de suas vidas a contribuir com as atividades das Forças Armadas do Brasil.

Por fim, de legi ferenda, suplica-se para uma atualização legislativa que contemple o pagamento da Compensação para aqueles que são licenciados por aprovação em concursos públicos para outros entes da Federação ou na própria Força Armada a que pertencem.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoConstituicao/anexo/CF.pdf> Acesso em: 02 set. 2023.

_______. Lei nº 7.963, de 21 de dezembro de 1989. Concede compensação pecuniária, a título de benefício, ao militar temporário das Forças Armadas, por ocasião, de seu licenciamento. Brasília, DF, 1989. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1989_1994/l7963.htm>. Acesso em: 02 out. 2023.

______. Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964. Lei do Serviço Militar. Brasília, DF, 1964. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4375.htm>. Acesso em: 20 set. 2023.

______. Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980. Dispõe sobre o Estatuto dos Militares. Brasília, DF, 1980. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6880.htm>. Acesso em: 20 set. 2023.

______. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Brasília, DF, 1942. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm>. Acesso em: 20 set. 2023.

______. Decreto nº 99.425, de 30 de julho de 1990. Regulamenta a Lei nº 7.963, de 21 de dezembro de 1989, que concede compensação pecuniária, a título de beneficio, ao militar temporário das Forcas Armadas, por ocasião de seu licenciamento. Brasília, DF, 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99425.htm>. Acesso em: 1º out. 2023.

EXÉRCITO. SECRETARIA DE ECONOMIA E FINANÇAS. Aprova as Normas para Pagamento de Compensação Pecuniária a Militar Temporário ou Praça não Estabilizada, por Ocasião de seu Licenciamento. Portaria nº 071-SEF, de 29 de julho de 2020 (EB90-N-02.004), 1ª Edição. Brasília, DF, 2020. Disponível em: <http://www.sgex.eb.mil.br/sistemas/boletim_do_exercito/boletim_be.php>. Acesso em: 20 set. 2023.

FILHO, Sérgio Cavalieri. A Finalidade do Direito e a Realização da Justiça. Revista da EMERJ, v.5, nº 18, 2002.


  1. O Serviço Militar consiste no exercício de atividades específicas desempenhadas nas Forças Armadas e compreenderá, na mobilização, todos os encargos relacionados com a defesa nacional. Todos os brasileiros são obrigados ao serviço militar, conforme a Lei nº 4.375/1964 (Lei do Serviço Militar).

  2. A citada Portaria se baseia na Lei nº 8.071, de 17 de julho de 1990, que dispõe sobre os efetivos do Exército Brasileiro em tempo de paz, considerando militares temporários: a) os oficiais da reserva não remunerada, quando convocados; b) os oficiais e praças de quadros complementares admitidos ou incorporados por prazos limitados, na forma e condições estabelecidas pelo Poder Executivo; c) as praças da reserva não remunerada, quando convocadas ou reincluídas; d) as praças engajadas ou reengajadas por prazo limitado; e) os incorporados para prestação do Serviço Militar Inicial.

  3. Art. 121. O licenciamento do serviço ativo se efetua:

    I - a pedido; e

    II - ex officio.

    …..

    § 3º O licenciamento ex officio será feito na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada:

    a) por conclusão de tempo de serviço ou de estágio;

    b) por conveniência do serviço; (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

    c) a bem da disciplina; (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

Sobre o autor
Eduardo Biserra Rocha

Assessor para Assuntos Jurídicos no Exército. Bacharel em Direito pela UFRJ. Especialista em Direito Público pela UGF. Especialista em Direito Militar pela UCB. Especialista em Administração Pública pela UNESA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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