A Regulamentação Legal do Trabalho Doméstico no Brasil

11/04/2023 às 10:53
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RESUMO

O artigo propõe-se a discutir a regulamentação legal do trabalho doméstico no Brasil, discorrendo sobre sua evolução histórica desde os tempos coloniais, quando era desempenhado basicamente por escravos, até os dias atuais, em que os direitos de referida classe de trabalhadores foram equiparados aos dos demais empregados urbanos e rurais, o seu conceito legal e os principais direitos e deveres dos trabalhadores e empregadores domésticos

Palavras-Chave: Direito do Trabalho. Trabalho Doméstico

 

SUMMARY

The article proposes to discuss the legal regulation of domestic work in Brazil, discussing its historical evolution since colonial times, when it was basically performed by slaves, until the present day, in which the rights of that class of workers were equated to those of of other urban and rural employees, its legal concept and the main rights and duties of domestic workers and employers

Keywords: Labor Law. Housework

INTRODUÇÃO

O trabalho doméstico tem sido uma realidade na história do Brasil desde os tempos coloniais, sendo realizado, originalmente, por pessoas escravizadas, sobretudo do sexo feminino, que eram retiradas das senzalas para trabalhar nas residências de seus senhores.

Com a abolição da escravidão em 1888, muitas mulheres negras foram forçadas a buscar o trabalho doméstico como única forma de sobrevivência, sem qualquer proteção legal, enfrentando condições laborais muitas vezes precárias e degradantes

Foi somente no século XX, sobretudo a partir do período histórico conhecido como “Estado Novo”, que o trabalho doméstico começou a ser de fato tutelado na legislação brasileira, sendo reconhecido como profissão com a promulgação da Constituição Federal de 1934.

Referido processo histórico culminou com a promulgação, já na vigência da Constituição de 1988, da emenda constitucional nº 72, em 2013, e da Lei Complementar nº 150, em 2015, dispositivos legais que estenderam aos trabalhadores domésticos direitos trabalhistas há muito reconhecidos para as demais classes de trabalhadores.

Entretanto, é certo que a despeito de todo o arcabouço legal existente, o trabalho doméstico ainda continua marcado pela ampla informalidade e pelo preconceito, situação que impede a efetiva proteção legal e segurança jurídica de uma vasta gama de profissionais que se dedicam a tais atividades.

De fato, apesar dos avanços na regulamentação legal, ainda há muitos desafios a serem enfrentados na prática. Os empregadores ainda resistem à formalização do trabalho doméstico, o que impede que referidos trabalhadores tenham acesso a benefícios previdenciários como seguro-desemprego e auxílio-doença.

Além disso, há a questão da fiscalização do cumprimento da lei, que muitas vezes é insuficiente para garantir o respeito aos direitos trabalhistas dos empregados domésticos.

Feitas tais considerações preliminares, o presente estudo propõe-se a discutir a situação atual do trabalho doméstico em nosso País, analisando a sua evolução histórica, seu conceito legal e os principais direitos e deveres dos trabalhadores e dos empregadores.

1 EVOLUÇÃO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO

Uma das primeiras menções legislativas ao trabalho doméstico no Brasil data de 1886, quando o Código de Posturas do Município de São Paulo definiu os chamados “criados de servir” como sendo “toda pessoa de condição livre que, mediante salário convencionado, tiver ou quiser ter como ocupação de moço de hotel, hospedaria ou casa de pasto, cozinheiro, copeiro, cocheiro, hortelão, de ama de leite, ama seca, engomadeira ou costureira e, em geral, a de qualquer serviço doméstico” (BRASIL, 1886), impondo, ainda, a proibição dos mesmos exercerem referidas profissões sem a devida inscrição no livro de registro da Secretaria da Polícia.

Por outro lado, a primeira referência constitucional ao trabalho doméstico se deu na Constituição de 1934, que reconheceu como profissão, em seu artigo 121, parágrafo 3º, “os serviços de amparo à maternidade e à infância, os referentes ao lar e ao trabalho feminino” (BRASIL, 1934), determinando que os mesmos deveriam ser reservados, de preferência, a “mulheres habilitadas”

Em 27 de fevereiro de 1941, foi promulgado o Decreto-lei nº 3.078, dispondo sobre a “lotação dos empregados em serviço doméstico”, estabelecendo em seu artigo 1º:

Art. 1º São considerados empregados domésticos todos aqueles que, de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências particulares ou a benefício destas. (BRASIL, 1941)

Referido dispositivo, apesar de ainda tratar tal relação profissional como “locação de serviço doméstico”, estabeleceu, em seu artigo 2º, a obrigatoriedade do registro da mesma em carteira de trabalho.

A Consolidação das Leis do Trabalho, veiculada por intermédio do Decreto-Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943, entretanto, representou um retrocesso ao excluir expressamente, em seu artigo 7º, os trabalhadores domésticos dos direitos trabalhistas reconhecidos no diploma legal.

A Constituição de 1946 criou a figura do "empregado doméstico" como categoria profissional. A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, por sua vez, classificou os domésticos como segurados obrigatórios da Previdência Social, e estabeleceu o direito dos mesmos a férias remuneradas de 20 dias uteis, após cada período de 12 meses de trabalho.

Na década de 1980, o movimento sindical começou a se organizar em defesa dos direitos da classe dos domésticos, culminando com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu o direito dos referidos trabalhadores ao salário mínimo, decimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, férias anuais com acréscimo de 1/3, licença-maternidade, licença paternidade e aposentadoria.

Em 2013, a Emenda Constitucional nº 72 alterou a redação do parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal, para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais, incluindo o direito dos trabalhadores domésticos ao seguro desemprego e ao FGTS.

Em 2015, foi promulgada a Lei Complementar nº 150, que regulamentou de forma mais detalhada as relações de trabalho doméstico no Brasil, estabelecendo novos direitos para os empregados domésticos, tais como jornada de trabalho de até 44 horas semanais, com no máximo oito horas diárias, pagamento de horas extras, limitadas a duas horas extras diárias. intervalo intrajornada para descanso e refeição, adicional noturno, salário família, etc. além da regulamentação do trabalho doméstico em regime de tempo parcial

2 CONCEITO

Os trabalhadores domésticos podem ser definidos, basicamente, como aqueles que prestam serviços em residências particulares, realizando tarefas como limpeza, cozinha, cuidado de crianças e idosos, etc.

Trabalho doméstico, por sua vez, é o conjunto de atividades realizadas por uma pessoa em uma residência, com o objetivo de cuidar da casa e de seus moradores, podendo incluir tarefas como limpeza da casa, lavagem e passagem de roupas, preparação de refeições, entre outras atividades necessárias para o funcionamento de uma residência.

O conceito legal de empregado doméstico varia de acordo com a legislação de cada país. No Brasil, a Lei Complementar nº 150/2015, define como empregado doméstico “aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana (BRASIL, 2015).

Passaremos, agora, a analisar cada um dos elementos do emprego domestico estabelecidos no conceito legal.

2.1 Elementos comuns às demais relações de emprego: continuidade, pessoalidade, onerosidade e subordinação.

A continuidade é a característica da relação de emprego que indica que o trabalho deve ser prestado de forma continua, ou seja, não eventual, regular e constante, ao invés de ser pactuado apenas para um projeto específico ou um período do ano. O contrato de trabalho é em regra um contrato de trato sucessivo, que se prolonga no tempo, sem interrupções.

A pessoalidade, por sua vez, determina que o trabalhador deve sempre ser pessoa física, e nunca pessoa jurídica. O contrato de trabalho é celebrado intuiti personae, ou seja, o empregado não pode ser substituído por outra pessoa, sob pena de descaracterização do vínculo

O contrato de trabalho deve ser sempre oneroso, ou seja, caracterizado por uma contraprestação ou remuneração, normalmente em dinheiro. O salário do empregado doméstico deve ser definido no contrato de trabalho, obedecendo ao salário mínimo vigente. Em outras palavras, o contrato de trabalho é uma relação bilateral em que ambas as partes têm obrigações a cumprir: o empregado deve prestar seus serviços de forma adequada e o empregador deve fornecer uma compensação financeira justa.

Por fim, a subordinação é uma das principais características da relação de emprego, que a diferencia de outras formas de trabalho, como o trabalho autônomo. Ela se refere à situação em que o trabalhador se encontra em uma posição de dependência em relação ao empregador, ou seja, ele está sujeito às ordens e direções do empregador no desempenho de suas atividades laborais.

Essa dependência é caracterizada por diversos aspectos, como a hierarquia existente na empresa, a necessidade de cumprir horários e metas estabelecidas pelo empregador, a obrigatoriedade de seguir as normas e políticas da empresa, entre outros. Em outras palavras, o trabalhador não tem autonomia para decidir como, quando e onde realizar suas tarefas.

É importante destacar que a subordinação não se refere apenas à relação hierárquica entre empregador e empregado, mas também abrange outros aspectos, como a remuneração, o fornecimento de equipamentos e materiais de trabalho, a supervisão das atividades, o controle do desempenho do trabalhador, entre outros.

2.2 Elementos exclusivos do trabalho doméstico: prestação de serviços à pessoa física ou à família, âmbito residencial, finalidade não lucrativa e trabalho em mais do que dois dias na semana

O empregado doméstico não pode prestar serviços a pessoas jurídicas, na medida em que, por definição legal, o destinatário final do serviço deve ser obrigatoriamente pessoa física ou a família, esta última sendo entendida em seu conceito mais amplo, que abarca tanto a família tradicional, unida por lações consanguíneos, como as pessoas ligadas por laços afetivos, que vivem juntas em uma unidade doméstica e compartilham responsabilidades e recursos, como a família homoafetiva.

Por outro lado, O trabalho doméstico é aquele prestado por empregados em ambiente residencial, seja em casas, apartamentos, chácaras, sítios, etc. Portanto, o trabalho doméstico é sempre realizado em um ambiente privado, destinado à unidade familiar

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No contrato de trabalho doméstico não há finalidade lucrativa, uma vez que o empregador não tem como objetivo obter lucro ou vantagens financeiras com a contratação do empregado, não podendo ser caracterizados como domésticos os serviços que tenham natureza comercial ou industrial.

De fato, referido contrato não tem como objetivo gerar lucro para o empregador, mas sim atender às necessidades da casa, como limpeza, cozinha, cuidado de crianças ou idosos, dentre outros.

Por fim, a maior novidade trazida pela Lei nº 150/2015 é a necessidade do trabalhador laborar por mais de 2 dias na semana para ser reconhecido como empregado doméstico, diferenciando-se, assim, do trabalhador autônomo ou diarista.

Referido requisito legal tem sido objeto de criticas pela doutrina, por caracterizar um verdadeiro retrocesso na regulamentação do trabalho doméstico, já que nem sempre os dias de prestação de serviço na semana serão exatos, podendo variar de semana para semana, na ocorrência, por exemplo, de feriados, sem que isto necessariamente descaracterize a relação de emprego.

Portanto, tal situação exigirá um maior critério por parte dos magistrados do trabalho ao analisar cada caso em concreto, devendo os mesmos sempre ter em conta o princípio da continuidade da relação de emprego e da proteção integral do trabalhador

3 DIREITOS E DEVERES DO TRABALHADOR DOMÉSTICO

A Lei Complementar nº 150/2015 estabelece uma série de direitos para os trabalhadores domésticos no Brasil. Esses direitos incluem:

  1. Jornada de trabalho: o trabalhador doméstico tem direito a uma jornada de trabalho de até oito horas diárias e 44 horas semanais, assim como ao pagamento de horas extras com acréscimo de 50% em relação à hora normal de trabalho;

  2. Remuneração: o trabalhador doméstico tem direito a um salário mínimo por mês ou de maneira proporcional ao tempo trabalhado, além de receber horas extras, adicional noturno e adicional de férias;

  3. Férias: o trabalhador doméstico tem direito a 30 dias de férias remuneradas após cada período de 12 meses trabalhados;

  4. 13º salário: o trabalhador doméstico tem direito a receber o 13º salário, que deve ser pago em duas parcelas;

  5. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS): o empregador deve depositar 8% do salário do trabalhador doméstico em uma conta do FGTS;

  6. Segurança e saúde: o empregador deve garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável para o trabalhador doméstico;

  7. Licença-maternidade: as trabalhadoras domésticas têm direito a 120 dias de licença-maternidade remunerada;

  8. Seguro-desemprego: o trabalhador doméstico tem direito ao seguro-desemprego em caso de dispensa sem justa causa

Os trabalhadores domésticos também têm deveres a cumprir, que incluem:

  1. Cumprir com suas obrigações contratuais, como horários de trabalho e tarefas designadas pelo empregador;

  2. Cuidar adequadamente dos bens e do patrimônio do empregador;

  3. Manter sigilo e confidencialidade sobre assuntos pessoais do empregador.

  4. Zelar pela segurança e saúde do empregador e de seus familiares;

  5. Seguir as regras e regulamentos estabelecidos pelo empregador;

  6. Respeitar as normas de segurança no trabalho e utilizar corretamente os equipamentos de proteção individual fornecidos;

  7. Não utilizar o tempo de trabalho para realizar atividades pessoais.

É importante ressaltar que a Lei Complementar nº 150 também estabelece que é proibido discriminar os trabalhadores domésticos por motivos de raça, cor, sexo, idade, religião, opinião política, estado civil ou deficiência. O não cumprimento dessas normas pode levar o empregador a pagar multas e indenizações ao trabalhador.

Em resumo, os trabalhadores domésticos possuem direitos garantidos por lei, que visam proteger e assegurar condições dignas de trabalho. É importante que empregadores e trabalhadores conheçam os seus direitos e deveres para que possam estabelecer uma relação de trabalho justa e equilibrada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho doméstico é uma atividade importante e essencial para a manutenção dos lares e das famílias no Brasil e em todo o mundo, mas que normalmente é visto como um trabalho inferior ou menos importante do que outras formas de trabalho remunerado.

A evolução histórica da regulamentação legal do trabalho doméstico culminou com a edição da Lei Complementar nº 150/2015, estabelecendo os direitos e deveres dos trabalhadores domésticos no país, garantindo condições justas e seguras de trabalho.

Entretanto, é certo que apesar das conquistas históricas, ainda há muito a ser feito para garantir a plena proteção dos direitos dos empregados domésticos no Brasil, na medida em que referido ramo de trabalho é marcado sobretudo pela informalidade e precariedade.

De fato, a formalização do contrato de trabalho doméstico é importante para a proteção social do empregado, garantindo os benefícios legais e previdenciários que contribuem para a sua qualidade de vida. A formalização da relação trabalhista também evita problemas jurídicos para ambas as partes envolvidas, evitando ações judicias e conflitos futuros.

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Neste contexto, a fiscalização, por parte das autoridades competentes, da formalização do contrato e do cumprimento da legislação trabalhista assume primordial importância, para garantir o respeito aos direitos trabalhistas dos empregados domésticos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15/03/2023

________. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15/03/2023

_________. Decreto-Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 15/03/2023.

________. Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Dispõe sobre a profissão de empregado doméstico e da outras providencias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15/03/2023.

________. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15/03/2023

_______. Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015. Dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico; altera as Leis no 8.212, de 24 de julho de 1991, no 8.213, de 24 de julho de 1991, e no 11.196, de 21 de novembro de 2005; revoga o inciso I do art. 3o da Lei no 8.009, de 29 de março de 1990, o art. 36 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, a Lei no 5.859, de 11 de dezembro de 1972, e o inciso VII do art. 12 da Lei no 9.250, de 26 de dezembro 1995; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15/03/2023

Sobre o autor
Marcello Espinosa

Procurador do Município de Diadema-SP. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Gestão Pública pela EAESP da Fundação Getúlio Vargas. Advogado militante na área do contencioso cível no Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

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