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Do cabimento dos embargos declaratórios em face de decisão interlocutória

17/04/2004 às 00:00
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"O jurista há de interpretar as leis com o espírito ao nível do seu tempo, isto é, mergulhado na viva realidade ambiente, e não acorrentado a algo do passado, nem perdido em alguma paragem, mesmo provável, do distante futuro".(PONTES DE MIRANDA, Código 1939, vol. XII, p. 23).

Os embargos de declaração constituem um instrumento concedido às partes para requerer ao magistrado que esclareça obscuridade, contradição ou omissão da sentença proferida. Seu objetivo é de esclarecer ou explicar os pronunciamentos judiciais.

O Código de Processo Civil adotava duas posições quanto aos embargos: a) nos artigos 464 e 465 estabelecia que cabiam embargos contra sentença que contivesse obscuridade, dúvida, contradição ou omissão, e que deveriam ser interpostos no prazo de 48 horas contadas da publicação da sentença; b) nos artigos 535 a 538, determinava que os embargos de declaração poderiam ser pospostos contra acórdão que também contivesse obscuridade, dúvida, contradição ou omissão; todavia, neste último caso, o prazo para propô-los era de cinco dias.

Com o advento da Lei nº 8.950/94 (que alterou o Código de Processo Civil), os embargos foram unificados no artigo 535, e são cabíveis quando houver, na sentença ou acórdão, obscuridade, contradição ou omissão, devendo ser interpostos no prazo de 5 (cinco) dias.

O pressuposto de admissibilidade dessa espécie de recurso é a existência de obscuridade ou contradição na decisão, ou omissão de algum ponto sobre que devia pronunciar-se. "Obscuro é o ato decisório ambíguo, capaz de propiciar interpretações díspares; contraditório é aquele cujas asserções, porque contrastantes, se apresentam de entendimento inconciliável, e omisso é o que silencia acerca de pontos argüidos, hipótese inexistente na hipótese" (EDMS n. 5.884, da Capital, rel. Des. Francisco Oliveira Filho).

Quanto ao objeto, pode-se dizer que, todo e qualquer pronunciamento jurisdicional pode ser objeto de embargos: sentenças, acórdãos ou decisões interlocutórias. Com relação a estas últimas (interlocutórias), há divergência doutrinária sobre cabimento de embargos, porém, nada mais justo esta possibilidade, pois não muito raro, decisões interlocutórias também apresentam obscuridade, contradição ou omissão.

Não se deve, porém, confundi-las com os despachos, que são irrecorríveis (artigo 504, CPC), pois apenas impulsionam o processo.

A decisão interlocutória, segundo estabelece o artigo 162, § 2º, do Código de Processo Civil "é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente."

No dizer de Wambier [1], conceitua-se decisão interlocutória como o pronunciamento do magistrado de cunho decisório, independentemente de seu conteúdo específico (desde que não seja o conteúdo encontrável na previsão dos arts. 267 e 269), e que, por isso, não tem o efeito de encerrar o processo ou o procedimento em primeiro grau."

Nesta mesma linha, Vechiato diz que interlocutória, incidental ou intermediária é a "decisão proferida no curso do processo, sem extingui-lo, resolvendo as questões incidentes ou determinando medidas ordinatórias para o prosseguimento da demanda." [2]

Para Chiovenda [3], interlocutórias são as "que não põem fim à relação processual, mas provêem no curso dela sobre determinado ponto da causa;"

Com base nestes conceitos, ao causídico surge a seguinte pergunta: o que fazer para correção de imprecisões contidas na decisão interlocutória ? Agravar ou embargar ?

O questionamento surge da redação do artigo 535, do Código de Processo Civil:

"Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:

I - houver na sentença ou no acórdão obscuridade ou contradição;

II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal." (g.)

Inicialmente, se fizéssemos apenas uma interpretação "en passant" e gramatical do artigo supracitado, poderíamos dizer que não são admissíveis embargos de declaração em decisões interlocutórias; entretanto, "o jurista há de interpretar as leis com o espírito ao nível do seu tempo, isto é, mergulhado na viva realidade ambiente, e não acorrentado a algo do passado, nem perdido em alguma paragem, mesmo provável, do distante futuro".(PONTES DE MIRANDA, Código 1939, vol. XII, p. 23).

A nosso ver é perfeitamente possível que os operadores do Direito optem pelos embargos declaratórios em face das decisões interlocutórias, desde que, sempre observando os pressupostos de admissibilidade.

Ora, é claro que a parte poderia recorrer ao recurso de agravo, porém, data venia, muito mais simples e célere os embargos declaratórios, tendo uma tramitação muito mais prática que o agravo, que, em alguns casos, pode revestir-se de efeito suspensivo, até decisão final, contribuindo com a demora na solução do feito.

Ademais, se os jurisdicionados têm direito à prestação jurisdicional, "é evidente que essa prestação há de correr de forma completa e veiculada através de uma decisão que seja clara" [4], muito embora esta decisão seja interlocutória.

Para Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery [5], "o ato judicial embargável é a decisão interlocutória, a sentença e o acórdão (...) Embora se refira apenas à sentença e acórdão, os vícios apontados na norma comentada não podem subsistir na decisão interlocutória, que deve ser corrigida por meio de EDcl."

Por sua vez, Humberto Theodoro Júnior [6] leciona que "qualquer decisão comporta embargos declaratórios, porque, como destaca Barbosa Moreira, é inconcebível que fiquem sem remédio a obscuridade, a contradição ou a omissão existente no pronunciamento jurisdicional. Não tem a mínima relevância ter sido a decisão proferida por juiz de 1º grau ou tribunal superior, em processo de conhecimento, de execução ou cautelar, nem importa que a decisão seja terminativa, final ou interlocutória."

Nesta mesma esteira, Félix Sehnem também entende que "não se pode permitir que a insegurança gerada por defeitos no pronunciamento, que impeçam a sua compreensão e dificultam o andamento do feito, permaneçam sem conserto. Portanto, pode a parte, através de embargos, pedir o esclarecimento ou a complementação de uma decisão interlocutória. [7]"

Como se vê, a posição adotada pela maioria dos doutrinadores é pela da admissibilidade de se interpor embargos declaratórios contra decisões interlocutórias e, a jurisprudência também não desvirtua. Os Tribunais Pátrios têm se manifestado:

"PROCESSUAL CIVIL – DECISÃO INTERLOCUTÓRIA – CABIMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INTERRUPÇÃO DO PRAZO RECURSAL – PRECEDENTES – 1. Recurso Especial interposto contra V. Acórdão segundo o qual não cabem embargos declaratórios de decisão interlocutória e que não há interrupção do prazo recursal em face da sua interposição contra decisão interlocutória. 2. Até pouco tempo atrás, era discordante a jurisprudência no sentido do cabimento dos embargos de declaração, com predominância de que os aclaratórios só eram cabíveis contra decisões terminativas e proferidas (sentença ou acórdãos), não sendo possível a sua interposição contra decisões interlocutórias e, no âmbito dos Tribunais, em face de decisórios monocráticos. 3. No entanto, após a reforma do CPC, por meio da Lei nº 9.756, de 17.12.1998, D.O.U. De 18.12.1998, esta Casa Julgadora tem admitido o oferecimento de embargos de declaração contra quaisquer decisões, ponham elas fim ou não ao processo. 4. Nessa esteira, a egrégia Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de ser cabível a oposição de embargos declaratórios contra quaisquer decisões judiciais, inclusive monocráticas e, uma vez interpostos, interrompem o prazo recursal, não se devendo interpretar de modo literal o art. 535, CPC, vez que atritaria com a sistemática que deriva do próprio ordenamento processual. (ERESP nº 159317/DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 26.04.1999) 5. Precedentes de todas as Turmas desta Corte Superior. 6. Recurso provido." (STJ – Resp 478459 – RS – 1ª T. – Rel. Min. José Delgado)

"Os embargos declaratórios são cabíveis contra qualquer decisão judicial e, uma vez interpostos, interrompem o prazo recursal (...)" (STJ – Resp 111.637-MG – rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira)

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – DECISÃO PRELIMINAR QUE ANALISA A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – POSSIBILIDADE DESDE QUE PRESENTES OS PRESSUPOSTOS DO ART. 535 DO CPC." (TJSC, Embargos de declaração no agravo de instrumento n. 00.011859-1, de Gaspar, Relator Des. Ruy Pedro Schneider)

"RECURSO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA – ADMISSIBILIDADE – Interrupção do prazo recursal de agravo. Preliminar de intempestividade repelida. Inteligência dos artigos 535, I, e 538, caput, do Código de Processo Civil. Toda decisão judicial, inclusive a decisão interlocutória, de que trata o artigo 162, § 2º do Código de Processo Civil, comporta embargos de declaração, cuja só interposição interrompe o prazo doutro recurso." (TJSP – AI 186.589-4 – 2ª CDPriv. – Rel. Des. César Peluso)

Nota-se, portanto, que a jurisprudência de nossos Tribunais é, em sua maioria, pela admissibilidade do oferecimento de embargos de declaração contra qualquer decisão judicial, inclusive as interlocutórias, afinal, posicionamento este mais coerente, caso contrário, permitir-se-ia que as partes ficassem inertes perante decisões omissas, obscuras ou contraditórias, ou muito mais, apostaríamos numa provável procrastinação e eternização do processo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MIRANDA, Pontes de, BERMUDES, Sergio. Comentários ao Código de Processo Civil.

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NOTAS

1WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. vol. I. 3 ed. rev., atual. e ampl. 3ª tiragem. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2000-2001. p. 177.

2VECHIATO JÚNIOR, Walter. Curso de Processo Civil. Volume II. Juarez de Oliveira, 2002, p. 05.

3CHIOVENDA, Giuseppe, LIEBMAN, Enrico Tullio, CAPITANIE, Paolo. Instituições de direito processual civil : as relações processuais a relação ordinária de cognição. 2. ed. Campinas : Book Seller, 2000.

4WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. vol. I. 3 ed. rev., atual. e ampl. 3ª tiragem. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2000-2001. p. 696.

5NERY JÚNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 6ª. ed. rev. e ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002, p. 902.

6THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I, 21 ed. Rio de Janeiro : Forense, p. 587.

7SEHNEM, Felix. Embargos declaratórios. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3681>. Acesso em: 25 fev. 2004.

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Sobre a autora
Rosiane Ferreira Machado

advogada em Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Rosiane Ferreira. Do cabimento dos embargos declaratórios em face de decisão interlocutória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 284, 17 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5094. Acesso em: 19 abr. 2024.

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