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Financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais no Brasil

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22/03/2009 às 00:00
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RESUMO

Este artigo defende a tese sobre a adoção no Brasil do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais para os cargos do Poder Executivo, Prefeitos, Governadores e Presidente da República e do Poder Legislativo, Vereadores, Deputados Estaduais, Federais e Senadores.

Apresenta argumentos que ainda não foram citados por professores, juristas e autores que já se debruçaram sobre este tema e normalmente fazem comparações entre os sistemas de financiamento empregado em outros países em relação ao Brasil, alguns defendendo o financiamento misto (público e privado) outros contestando a participação de recursos públicos em campanhas políticas.

Em geral a principal argumentação da posição contrária ao financiamento público, refere-se ao desatrelamento dos partidos em relação ao Estado e a inconstitucionalidade que se configura com a transferência de dinheiro público para os partidos políticos, sendo estes, entidades de direito privado.

Os que defendem a participação do financiamento público de forma exclusiva ou não, nas campanhas eleitorais, apresentam como principal justificativa, a redução da influência do poder econômico sobre os partidos e na atuação dos eleitos, nos cargos legislativos e executivos.

Teoricamente todos os argumentos prós e contra ao financiamento público das campanhas eleitorais são relevantes e bem fundamentados, porém ao se deparar sobre a realidade brasileira, enxerga-se um quadro sui generis, onde apesar das recentes medidas tomadas com algum êxito pela Justiça Eleitoral para reduzir os custos das campanhas, ainda observa-se um processo eleitoral extremamente desigual, sob o ponto de vista econômico.

A desigualdade de oportunidade no acesso a cargos eletivos no Brasil, é a principal preocupação deste trabalho, por isso a tese do financiamento público exclusivo é uma proposta que se for implementada no processo eleitoral, visa principalmente a sua democratização econômica.

È consenso entre os partidos que precisa haver uma reforma política e que vários pontos precisam ser alterados, pelo Congresso Nacional, o financiamento público exclusivo é o mais importante e polêmico, porém como esta proposto ainda provoca desigualdade de condições.

A concentração de renda no Brasil alcança uma das maiores taxas do planeta, o que provoca reflexos no processo eleitoral, elitizando a representação política em todos os níveis, a única exceção encontra-se nas Câmaras Municipais das pequenas e médias cidades, onde observa-se uma representação popular mais próxima da realidade do perfil da sociedade brasileira.

A realidade histórica da política brasileira, e os fatos mais recentes envolvendo quase todos os partidos políticos do país e figuras do atual governo e do anterior com escândalos de corrupção, desvios de dinheiro público, lavagem de dinheiro, transferências para o exterior, são argumentos irrefutáveis, da necessidade de uma medida mais extrema para sanear o processo político/eleitoral, e por consequência a administração pública e as suas relações com as organizações empresariais nacionais e estrangeiras, e com as organizações não governamentais, também presentes nos últimos escândalos.

Palavras Chaves: Financiamento Público Exclusivo - Campanhas Eleitorais-

Partidos Políticos – Democratização do acesso ao mandato eletivo


INTRODUÇÃO:

A partir do processo de redemocratização política do Brasil, que se iniciou com a aprovação da Lei da Anistia no ano de 1979 e que se consolidou com a vitória das forças políticas que derrotaram os militares no Colégio Eleitoral, elegendo o Presidente Tancredo Neves, abriu-se assim, o caminho para o retorno das eleições diretas em todos os níveis no país.

Com as eleições diretas restabelecidas na década de 80 e principalmente com a eleição para Presidente da República confirmada para o ano de 1989, cresceu a importância do processo eleitoral para a sociedade brasileira e a necessidade do aprimoramento do seu arcabouço institucional/legal.

Durante todo este período até os dias atuais a Justiça Eleitoral, os Partidos Políticos, os Doutrinadores e o Congresso Nacional, a quem cabe legislar sobre Direito Eleitoral, apesar das divergências de pontos de vistas, entendimentos e de interesses, buscaram melhorar e tornar mais permanente a Legislação Eleitoral, afastando os casuísmos do passado, e a insegurança jurídica, preservando e protegendo o interesse público, a verdade eleitoral, a legalidade da decisão provinda das urnas, portanto da legítima vontade popular.

O processo eleitoral brasileiro precisa ser aperfeiçoado em muitos aspectos legais e administrativos, mas não se pode negar que grandes avanços aconteceram, nos últimos vinte anos, tornando a Justiça Eleitoral Brasileira uma referência até para diversos países com alto nível de desenvolvimento político.

Após fim da ditadura militar e o restabelecimento das eleições em todos os níveis no país, a questão do financiamento das campanhas políticas não era o principal motivo de preocupação das instituições envolvidas no processo eleitoral, porém a partir da consolidação da democracia, expansão da liberdade dos meios de comunicação e o crescimento e modernização da Justiça Eleitoral, o tema emerge no contexto político, principalmente sobre a influência do financiamento das campanhas nos resultados das eleições e no comportamento político dos eleitos.

Dentre os aspectos da Reforma Política reclamada pela sociedade o mais polêmico no atual processo eleitoral brasileiro e que causa sérias divergências entre políticos, juristas, doutrinadores e entre a própria população está a questão da implantação do financiamento exclusivamente público dos gastos com as campanhas eleitorais no Brasil.

Este tema complexo e sensível começa a ganhar importância no contexto social e politico, sendo também matéria legislativa que esta tramitando no Congresso Nacional, como parte de um projeto de Reforma Política que se arrasta há muitos anos.

Cabe a sociedade, os partidos, as organizações sociais e públicas interessadas direta ou indiretamente no processo eleitoral, divulgarem a questão e discutirem o tema sem nenhum preconceito, analisando os pontos de vista prós e contras e assim submeterem o tema a uma decisão através do Congresso Nacional ou até mesmo numa consulta direta a população brasileira através de plebiscito.


DESENVOLVIMENTO

O financiamento exclusivamente público de campanha eleitoral consistiria na transferência de recursos financeiros do Estado, para os partidos políticos financiarem os gastos dos seus candidatos nas eleições proporcionais e majoritárias no Município (Vereador e Prefeito), no Estado (Governador, Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual) e para Presidência da República.

Na realidade o poder público financia o processo eleitoral no cumprimento das obrigações administrativas da Justiça Eleitoral, seja durante o período de cadastramento do eleitor, até a votação, apuração e proclamação dos eleitos, através das atividades dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos cartórios eleitorais espalhados por todo o país, onde juízes e servidores do próprio quadro ou cedidos por outras instituições através de convênios, exercem as suas atividades.

Portanto o Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais, possuem autonomia financeira para custear as despesas inerentes ao processo eleitoral e as atividades de rotina exercidas antes e depois das eleições propriamente ditas.

Além de financiar as despesas relativas ao processo eleitoral no campo administrativo/estrutural de responsabilidade da Justiça Eleitora, a União através de dotação orçamentária, repassa para os partidos políticos recursos provenientes do Fundo Partidário conforme estabelece a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, nos seus artigos 38 e 44, III, estes recursos podem ser utilizados nas atividades permanentes ou no processo eleitoral.

Não resta dúvida que no atual modelo, no Brasil, o poder público tem participação no processo eleitoral, contudo durante o período das campanhas eleitorais, a participação de recursos públicos é expressamente vedada (exceto o repasse do fundo partidário), sob qualquer circunstância conforme estabelece a Lei nº 9.096/95.

Para o financiamento das campanhas é permitida a utilização de recurso próprio do candidato ou recurso financeiro doado por pessoa física ou pessoa jurídica nas condições estabelecidas na mesma Lei nº 9.096/95, no seu artigo 30.

Na sociedade brasileira organizada ou não, na imprensa em geral e entre os próprios atores envolvidos com as eleições, percebe-se um sentimento de preocupação com a influência do poder econômico e as conseqüências que esta influência possa causar no resultado final dos pleitos.

As eleições no Brasil, destacando-se a para Presidente da República, Governos Estaduais e do Congresso Nacional são caracterizadas por uma forte participação financeira de grandes empresas privadas como construtoras, bancos, empresas ligadas a áreas de petróleo/combustíveis, aço, cimento, energia, comunicações, transportes, bebidas, que possuem as suas áreas de atuação, normatizadas por agências reguladoras e fiscalizadoras do Poder Público nos Municípios, Estados e União.

Este financiamento privado das grandes empresas historicamente são carreados preferencialmente para os grandes partidos, e em outras oportunidades, os recursos financeiros foram ou são doados apenas para os partidos que estão momentaneamente no poder, o que desequilibrava no passado e continua desequilibrando no presente as eleições no Brasil.

Antes da obrigatoriedade da divulgação dos doadores de recursos das campanhas, era praticamente impossível mensurar-se a participação financeira das grandes empresas, pois estes dados eram mantidos em sigilo pelas legendas partidárias, porém com a mudança da regra e um maior controle sobre as doações, a sociedade passou a ter conhecimento sobre este procedimento.

Ainda existem em menor escala, doações e gastos não contabilizados, porém a transparência e o controle estão mais efetivos tanto por parte da Justiça Eleitoral, pelos próprios contendores nas eleições e pela opinião pública em geral, o que proporcionou uma maior competitividade entre os partidos nos pleitos mais recentes, como pode ser comprovado com o crescimento das bancadas de partidos pequenos e médios, no Congresso Nacional (Câmara e Senado), considerando-se as bancadas eleitas originalmente, excluindo-se o fenômeno das transferências, recentemente abortado pelo principio da fidelidade partidária reafirmado por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Nas eleições municipais por todo o Brasil, comenta-se com freqüência a participação de financiador ou agiota que empresta dinheiro para a campanha eleitoral, recurso este que raramente é contabilizado, portanto o empréstimo torna-se uma dívida pessoal do candidato ou do seu grupo político.

Como muitos prefeitos eleitos através de empréstimos desta natureza não dispõem de recursos próprios para saldar as dívidas, praticam irregularidades administrativas e financeiras desviando dinheiro do erário publico ou realizando contratos através de licitações superfaturadas ou manipuladas com empresas dos seus financiadores ou terceiros também chamados de laranjas.

Estes desvios de recursos das prefeituras visa fazer "caixa", para entre outras finalidades pagar os financiadores.

È espantoso o número de prefeituras flagradas pelos Tribunais de Contas da União, Estados e Municípios, com irregularidades, desvios e improbidades nas suas finanças ou seja nas verbas municipais, estaduais e federai.

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A maior publicidade e transparência nas doações eleitorais e o incremento da fiscalização por parte da Justiça Eleitoral e da sociedade não foram suficientes para inibir a força do poder econômico sobre o processo eleitoral e no seu resultado, fatos que serão comprovados adiante.

A principal crítica ao financiamento privado das eleições é o fato de poder resultar num possível comprometimento da autoridade eleita com o (s) seu (s) financiador (es) e a possibilidade da interferência desta autoridade para favorecer futuro (s) interesse (s) da organização doadora o que não é um fato estranho no contexto da realidade política brasileira.

A proibição da doação de recursos financeiros de pessoas jurídicas ou de grandes empresas seria o caminho para democratizar mais, o acesso ao mandato popular ?

E a doação de pessoas físicas deveria ser mantida, estabelecendo-se limites de contribuição como é feito no atual ordenamento jurídico ?

Deveria ser estabelecido apenas o financiamento exclusivamente público para as campanhas eleitorais no Brasil ?

Estas perguntas não podem ser respondidas de forma definitiva, por que são complexas e provocam entre si dúvidas de como funcionariam na pratica se fossem realmente efetivadas, em conjunto ou isoladamente.

Surgiriam outras questões, como por exemplo, se as grandes corporações empresariais contribuíssem com todos os candidatos igualitariamente elas estariam comprometendo a todos indistintamente que aceitassem a doação ?

A proibição de doação de pessoas físicas não seria uma agressão ao direito dos simpatizantes ou filiados das legendas de contribuírem financeiramente com a sua agremiação e o pagamento de contribuição não seria uma forma de comprometimento e fidelização do filiado com o seu partido preferido ?

As doações de pessoas físicas e dos filiados só poderiam ser destinadas para a realização de atividades partidárias não eleitorais ?

O financiamento exclusivamente público das campanhas sobrecarregaria o contribuinte brasileiro já bastante sacrificado com uma das mais altas cargas tributárias do mundo? Estaria o contribuinte brasileiro disposto a pagar este ônus ?

Este artigo defende a implantação do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais no Brasil, mesmo considerando ser esta proposta a principio antipática perante a opinião pública, mas a história vivida no país até hoje, consagra esta necessidade de encarar a idéia sem preconceito, como uma experiência nova.

A necessidade de mudar um modelo de financiamento eleitoral, que torna o sistema político e econômico brasileiro refém do poder financeiro, que já é extremamente controlado pela globalização, deve ser assumida por cada cidadão brasileiro que deseja um futuro com uma qualidade de vida digna para todos e um país justo social e economicamente.

Alguns setores da classe política não concordam com esta tese, por que muitos políticos de diversos partidos mantém laços estreitos com o grande capital e outros tantos são representantes diretos dessas corporações, e sabem que teriam suas chances de eleição ou reeleição reduzidas se não puderem contar com os recursos financeiros privados para suas campanhas eleitorais.

Certamente que alguns políticos financiados pelas grandes corporações podem até estar sendo sinceros na defesa contraria ao financiamento público exclusivo, ao alegar que poderia o contribuinte ser poupado deste custo, porém entram em contradição quando não atendem ao desejo da sociedade brasileira por uma reforma que reduza a onerosa carga tributária que torna o Brasil um dos países que cobram mais impostos no mundo.

O financiamento estatal puro fortaleceria em demasia as cúpulas partidárias se a elas fossem delegadas a administração exclusiva dos recursos e a distribuição com os candidatos. Esta concentração de poder não acontecerá se os critérios de distribuição forem previamente definidos em lei ou resoluções, protegendo os candidatos de possíveis favorecimentos de uns em detrimento de outros.

Seriam estabelecidos mecanismos administrativos e legais para que o candidato recebesse o recurso financeiro diretamente da Justiça Eleitoral e a ela prestasse conta sem a intermediação da direção partidária.

Desta forma se o candidato não prestasse contas corretamente a Justiça Eleitoral, tendo por conseguinte suas contas rejeitadas, as sanções previstas na legislação recairiam apenas no candidato, ficando o partido ao qual pertencesse isento de qualquer penalidade.

O financiamento público exclusivo democratizaria as chances entre os candidatos a cargos eletivos por que apesar das medidas moralizadoras e de redução de gastos das campanhas adotadas nas últimas eleições, os custos de campanha no Brasil ainda são altos e proibitivos para a maioria dos cidadãos que desejam disputar pleitos eleitorais.

Não é incomum ouvir-se comentários depreciativos contra pessoas humildes que almejam candidatar-se a cargos políticos, são expressões do tipo: "este cidadão mal consegue ganhar para sobreviver e ainda quer ser candidato", "não tem dinheiro para pagar uma cervejinha é que ser vereador".

Pelo fato do cidadão ser pobre não deve ser negado o direito a ele para ser enfermeiro, médico, carteiro, eletricista, e por que não pode ser candidato a vereador, deputado, presidente ?

Se este cidadão pobre pode em tese, estudar numa escola pública da primeira série do 1º grau até a universidade e ser formar com seus estudos custeados pelos impostos, por que não ter a sua campanha também paga pelos cofres públicos ?

Apesar do crescimento da presença feminina no mercado de trabalho no Brasil, em geral, as mulheres ainda recebem remunerações menores que os homens, e este são um dos fatores que desestimulam uma maior participação das mulheres nos pleitos eleitorais.

O financiamento público exclusivo das campanhas estimularia as brasileiras a disputarem eleições, pois é comum o pequeno números de mulheres exercendo funções nos parlamentos e cargos executivos derivados de eleição.

A adoção em lei de cota mínima para o preenchimento de vagas nas disputas pelas esferas de poder não são suficientes para estimular o interesse feminino. A garantia de financiamento público exclusivo possibilitaria uma maior competitividade, equidade e possibilidade de êxito nas eleições.

Os custos de campanha são vultosos, além disso a maioria dos candidatos dispõem de poucos recursos financeiros, principalmente os candidatos vinculados a áreas populares, lideranças comunitárias, servidores públicos, operários, trabalhadores em geral, camponeses, pequenos produtores rurais, sem-teto, sem-terra etc...

As grandes empresas normalmente só financiam as campanhas de candidatos conhecidos, muitos notórios e com vários mandatos, outros vinculados aos seus interesses ou candidatos que são seus representantes diretos assumidos ou não.

Portanto o financiamento público exclusivo poderá contribuir para trazer para as Prefeituras, Governos, Câmaras, Assembléias e para o Congresso Nacional um número mais expressivo de mulheres e de representantes das camadas sociais, populares, com menor poder aquisitivo mais possuidoras de liderança política e de participação ativa no meio social.

Este mesmo raciocínio vale para pessoas negras ou afros descendentes que também possuem uma representação bastante diminuta nas casas legislativas, governos municipais, estaduais e até mesmo nos tribunais brasileiros onde ainda não se realizam eleições para a escolha dos seus dirigentes.

A primeira vista a implantação do financiamento estatal exclusivo não seria bem recebido pela opinião pública brasileira que tenderia a se posicionar majoritariamente contra, em virtude do baixo índice de aprovação da classe política seja no Executivo, como no Legislativo nas três esferas de poder.

Esta reação contrária da sociedade é natural e compreensível, por que o exercício da atividade política no Brasil esta aviltado, e constantemente envolvido com escândalos de corrupção, improbidade administrativa, má aplicação, desvio de dinheiro público, porém as instituições responsáveis (Policia Federal, Ministério Público, Poder Judiciário, entre outras) estão combatendo essas práticas criminosas que são amplamente divulgas pela imprensa brasileira diariamente.

Não estaria nesta questão ou seja no financiamento das campanhas um dos motivos que possibilitam a chegada ao poder de figuras descomprometidas socialmente, que almejam os cargos e mandatos para gerenciar negócios e interesses seus e do seu grupo financiador que normalmente são contrários aos interesses públicos.

O caso atual do empresário Daniel Dantas é um exemplo perfeito desta perversa realidade.

A sociedade e o país pagam caro, com a corrupção generalizada na administração pública e este sacrifício da sociedade é muito maior do que o pagamento das campanhas.

É sempre bom reafirmar que o financiamento público exclusivo não pode ser considerado como uma solução mágica para todos os problemas, este procedimento deve ser testado e mantido se alcançar o êxito pretendido.

No artigo intitulado "Financiamento Eleitoral e Pluralismo Político" (Fernando Trindade), o autor declara:

"Se o partido político representa setores, parcelas da sociedade, seu financiamento (inclusive eleitoral) deve ser feito por essas parcelas da sociedade, e não pelo Estado", tal entendimento, salvo melhor juízo, despreza um aspecto importante: é que os impostos são arrecadados no conjunto formado por cidadãos e organizações empresariais, portanto como estas "parcelas da sociedade", fazem parte do conjunto, contribuiriam para os partidos indistintamente, através do financiamento público exclusivo, não havendo privilégio no financiamento privado direto, como acontece atualmente.

Outro aspecto citado pelo mesmo autor que merece análise é:

Importante também consignar que o financiamento público, ao proibir qualquer forma de financiamento privado, contribui para velar, esconder a relação do partido com os setores da sociedade cujos interesses representa, obscurecendo, assim as relações entre a esfera pública e a esfera privada da sociedade, quando o que se deve favorecer é a publicidade dessas relações.

As relações do partido com a sociedade deve consubstanciar-se através do seu programa/ estatuto, pelos projetos e votos dos seus parlamentares nas casas legislativas, pelas ações administrativas dos seus dirigentes executivos no exercício do poder e não pela lista de contribuintes financeiros

Caso seja implantado o financiamento público exclusivo se estará experimentando um novo modelo que se apresentar falhas, poderiam ser corrigidas ao longo da sua execução ou até mesmo retirado do ordenamento jurídico do processo eleitoral se os seus objetivos não forem alcançados.

O financiamento público não pode ser considerado como ‘remédio’ para todos os males do processo eleitoral, é hipocrisia tentar vender esta idéia com esta justificativa, ratifica-se que a intenção de tal proposta e perseguir um maior equilíbrio na disputa entre os candidatos, acabando ou reduzindo em muito a influência do poder econômico.

Com a adoção do financiamento eleitoral exclusivo, em nenhuma hipótese o controle dos recursos deverá ser responsabilidade do Executivo Federal mas, sim, da Justiça Eleitoral, através do Tribunal Superior Eleitoral, Tribunais Eleitorais Regionais, com o acompanhamento e fiscalização do Ministério Público Eleitoral e da Receita Federal.

O financiamento público exclusivo não é adotado na maioria dos países, pelo contrário em alguns países é até proibido, permitindo-se apenas a contribuição privada, como é o caso da Venezuela, mesmo assim nada indica que não possa ser implantado no Brasil pelo menos a titulo de experiência por dois ou três pleitos e posteriormente ser reavaliado por todos envolvidos diretamente no processo eleitoral, tendo em mente que a sociedade sempre dará a última palavra ou diretamente através de um referendo ou através do Congresso Nacional, para sua implantação ou suspensão.

A sociedade brasileira deve discutir o tema e sobre ele decidir democraticamente, deve ter a sensibilidade e consciência para perceber que as lideranças e autoridades devem ser escolhidas no seu próprio seio, pelas idéias e programas, propostas políticas e administrativas, pela história de vida, pelo carisma e empatia, pela juventude ou experiência, pelo compromisso assumido e pela palavra cumprida, jamais pela força do dinheiro.

A força do poder econômico no processo eleitoral distorce a representação popular de sobre modo nas casas legislativas, pois cria um funil apertado que seleciona grande parte dos eleitos pela capacidade econômica direta ou através de padrinhos ou patrocinadores.

O exemplo mais emblemático da participação do poder econômico cristalizou-se no pleito eleitoral de 1988, quando foi eleita uma Assembléia Nacional Constituinte, que no seu conjunto de 500 deputados e senadores, havia apenas 10 sindicalistas e lideranças populares entre os eleitos.

Na atual composição do Senado Federal, temos a presença de diversos senadores suplentes exercendo o mandato, alguns deles foram os financiadores da campanha do titular como tem sido divulgado constantemente pela imprensa de todo o pais.

Estes "senadores financiadores" assumem um cargo legislativo sem ter um voto, ou seja, praticamente compraram um mandato e se tornaram mais um exemplo deplorável que caracteriza o abuso do poder econômico no processo eleitoral.

Outra situação atualíssima, que demonstra o desrespeito do poder econômico para com o Poder Legislativo, esta transcrita a seguir no trecho da coluna da conceituada jornalista Dora Kramer, publicada no Jornal A Tarde, pág. 19, da edição de 27 de abril de 2008, com o subtítulo de "Referendo", com o seguinte teor:

A Oi e a Brasil Telecom anunciam uma operação de compra e venda, divulgam dados sobre o alcance, o valor e as vantagens da transação, mas fica faltando um detalhe: mudar a lei. Quer dizer, o negócio foi fechado, mas por ora é ilegal. O Congresso não foi consultado a respeito da alteração da legislação mas sua aprovação é tida como pormenor. Quem olha a cena da perspectiva da ordem institucional das coisas fica se perguntando se é mesmo assim tão natural se dar como consumado um contrato cuja legalidade ainda depende do Legislativo. A menos que em algum momento tenha sido combinado que o Parlamento neste caso entra só para fazer figuração."

Este episódio demonstra claramente como o poder financeiro tem convicção que o Congresso não será obstáculo para a concretização dos seus interesses econômicos, portanto mesmo sendo ilegal, as partes envolvidas, sem nenhum pudor realizam gestões para o fechamento de um negócio milionário que ainda depende de uma chancela legal.

Assim surge de pronto uma conjectura, será que a certeza de que o Congresso regulamentará este futuro negócio, não estão no fato que muitos parlamentares que foram beneficiados com doações destas empresas serão fiéis aliados destes interêsses ?

Será que a convicção da regulamentação desta operação comercial não está consubstanciada em negociações para a concessão de futuras doações ?

No jornal Folha de São Paulo do dia 10 de maio do corrente ano foi publicada uma matéria com o título: "Pesquisa aponta que 17% dos deputados estão ligados ao "lobby da cerveja", a seguir destaca-se na reportagem o seguinte trecho:

Levantamento na Câmara aponta que, dos 513 parlamentares, 87 (16,96%) estão ligados a empresas com interesses contrários a regulamentação da publicidade de cerveja, revela reportagem de Ângela Pinho e Maria Clara Cabral. A pesquisa realizada pela Folha a partir de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mostra que quase um em cada cinco deputados têm concessão de rádio e televisão e/ou receberam doações de campanha da indústria de bebidas e de comunicação --que em 2006 superou os 2 R$ 2 milhões. Nesta semana, o projeto que restringe a propaganda de bebidas com baixo teor alcoólico, inclusive a cerveja, entre as 6h e as 21h em rádio e televisão, foi retirado da pauta de votações da Câmara a pedido do governo, após resistência de líderes partidários.

Há mais de um mês, representantes da indústria de bebidas e de emissoras de rádio e tv vão ao Congresso quase diariamente para fazer lobby pela derrubada da proposta –bandeira do ministro José Gomes Temporão (Saúde). Outra reportagem publicada na Folha revela que os representantes das emissoras de televisão admitem ter feito lobby no Congresso para o adiamento da votação do projeto. Os deputados, por sua vez, negam ter sucumbido a interesses econômicos.

Esta segunda situação relatada pelo Jornal Folha de São Paulo, comprova insofismavelmente que através do financiamento privado das campanhas o poder econômico controla, influencia, e manipula parte expressiva do Congresso Nacional, assim o interesse público fica submetido ao interesse privado.

Este caso é revelador de uma situação onde os personagens políticos e empresariais se misturam num bailado nocivo a sociedade, pois, o parlamentar ou foi financiado pelas indústrias de bebida e comunicação, ou o parlamentar se não foi financiado pela indústria, é o proprietário da rádio e/ou televisão que divulga a propaganda e certamente não deseja perder um anunciante poderoso como a indústria de bebidas.

Os donos de rádio e televisão que não possuem mandatos diretos, são também financiadores de mandatos e também não querem perder a indústria de bebidas do rol dos seus anunciantes e como financiaram vários parlamentares vão cobrar a "fatura" e proteção aos seus interesses.

Na Reforma Política que tramita no Congresso Nacional poderia ser inserido no texto um dispositivo que torna-se o cidadão detentor de concessão de rádio e ou televisão inelegível.

No Jornal A Tarde na edição do dia 14 de julho de 2008, na coluna do conceituado jornalista Ricardo Noblat, comentando recente episódio envolvendo o empresário Daniel Dantas, na sua coluna intitulada "Esculachou, perdeu", declarou o seguinte:

Lembram de Ricardo Sérgio de Oliveira, diretor da área internacional do Banco do Brasil no governo FHC e arrecadador de recursos para campanhas do PSDB ? Ele saiu do banco depois de ter admitido em conversa grampeada pela Polícia Federal que agira no "limite da irresponsabilidade" durante o processo de privatização do sistema de telefonia do país.O que o governo menos desejava na época era a revelação de qualquer índicio ou prova capaz de sugerir que Ricardo fosse ligado ao presidente.Pois bem: em meados de 2002 um alto executivo do Opportunity reuniu-se no Rio com um assessor de FHC. E lhe disse que tinha a gravação de uma conversa entre o presidente e Ricardo Sérgio. O assessor deu o recado a FHC. Que então perguntou: "Você ouviu a gravação?" Não, ele lera a transcrição da conversa. Dali a alguns dias, FHC recebeu Dantas para uma encontro a sós no Palácio da Alvorada. E atendeu ao seu pedido de não trocar o presidente da Comissão de Valores Imobiliários(CVM). Os negócios de Dantas passam pela CVM.

Mais adiante na mesma coluna citada ele declara o seguinte:

Nunca antes na história deste País um magnata como Dantas se atreveu tanto a usar meios ilegais para aumentar a sua fortuna e se apropriar do Estado ou de parte dele. Era preciso ter aliados no Congresso? Investiu na eleição de deputados e senadores. Era preciso corromper servidores públicos? Corrompeu vários nos governos FHC e Lula.Era preciso monitorar concorrentes ou se antecipar a eventuais decisões contrárias aos seus interesses? Pagou caro para espionar sócios, desafetos e até juízes.É possível que jamais venha a ser condenado por crimes financeiros, mai sim pela reles tentativa de subornar um delegado da Polícia Federal.

Caso fosse adotado o financiamento público exclusivo os recursos para os candidatos majoritários (prefeitos, governadores e presidente) seriam distribuídos através de critérios previamente discutidos e regulamentados em lei, observando-se parâmetros semelhantes com os usados para distribuição do fundo partidário, porém menos desiguais.

Seria adotado os repasses dentro do ano fiscal em cotas mensais para a Justiça Eleitoral entre os meses de janeiro a outubro, o que aliviaria o Tesouro pois as transferências não seriam concentradas no período eleitoral.

Os recursos que fossem repassados depois das eleições poderiam ser utilizados para o pagamento de débitos de campanha, desde que previamente relacionados na prestação de contas apresentada a Justiça Eleitoral, logo após o encerramento do pleito.

O financiamento público exclusivo requer do Estado a regulamentação adequada com a realidade brasileira, organização eficiente e eficaz dos órgãos de controle e fiscalização, regime de sanção rigoroso na sua aplicação, seja através de multas até cassação de mandatos ou registros de candidaturas, para aquelas que não tiverem as suas contas de campanhas aprovadas.

A contribuição financeira de pessoas físicas filiadas ou não ou e de empresas para os partidos continuariam a existir dentro de parâmetros previstos em legislação específica, porém com a vedação legal de utilização destes recursos diretamente nos gastos de campanha.

Deve ser normalizado pelo Congresso Nacional e pela Justiça Eleitoral que os partidos utilizem estas contribuições privadas em atividades de pesquisa, capacitação política, realização de cursos, seminários, publicações cientificas, jornais, revistas, manutenção de escolas de formação política, criação de bibliotecas áudios-visuais nas suas sedes nacionais, estaduais e municipais, dentre outras atividades. Seria permitida a utilização em infra-estrutura das sedes, como a construção de auditórios para reuniões e eventos.

Estes investimentos trazem no seu bojo a perspectiva de crescimento orgânico dos partidos, desenvolvimento intelectual e cultural dos seus dirigentes, filiados e simpatizantes, pois a maioria dos atuais partidos só funcionam no período eleitoral.

Seria terminantemente proibida a utilização das contribuições privadas em atividades assistencialistas, de cunho eleitoral, em material publicitário para campanhas. Poderia ser avaliada também a possibilidade dos partidos pagarem com os seus próprios recursos a veiculação de propaganda institucional no rádio e na televisão fora do período eleitoral.

Com esta nova realidade poderia ser extinto o Fundo Partidário, o que determinaria o fim do financiamento dos partidos, ou seja o Estado seria responsável pelo financiamento do processo eleitoral, tanto na parte administrativa jurisdicional, como nos gastos eleitorais das campanhas.

Os partidos poderiam receber contribuições de filiados, simpatizantes e empresas, assim como desenvolver atividades que gerassem receitas próprias, porém seria vedada a utilização no processo eleitoral, que assim teria uma receita específica, previamente definida nos anos eleitorais, com orçamento e prestação de contas exclusivas, referentes apenas à disputa eleitoral.

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Sobre o autor
Edmo D’El-Rei Lima

Administrador e Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Edmo D’El-Rei. Financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2090, 22 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12487. Acesso em: 28 mar. 2024.

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