Utilização da tecnologia blockchain para gerenciamento de provas e sua regulamentação adequada

30/04/2024 às 11:40
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USE OF BLOCKCHAIN TECHNOLOGY FOR EVIDENCE MANAGEMENT AND ITS PROPER REGULATION

RESUMO

As tecnologias têm sido cada dia mais inseridas nas áreas jurídicas como forma direta de viabilizar o acesso à justiça. Assim, a tecnologia Blockchain torna-se uma resposta eficaz à seguridade necessária da cadeia de custódia da prova penal. Assim, o objetivo do trabalho é realizar a abordagem ampla e detalhada acerca da utilização da tecnologia como meio de assegurar as provas nos processos e a importância da regulamentação da Blockchain para viabilizar sua utilização.

Palavras-chave: Cadeia de custódia da prova. Blockchain. Tecnologia. Regulamentação.

ABSTRACT

Technologies have been increasingly incorporated into legal areas as a direct way to enable access to justice. Thus, Blockchain technology becomes an effective response to the necessary security of the chain of custody of criminal evidence. Therefore, the objective of this work is to provide a broad and detailed approach to the use of technology as a means of ensuring evidence in legal proceedings and the importance of regulating Blockchain to enable its use.

Keywords: Chain of custody of evidence. Blockchain. Technology. Regulation.

INTRODUÇÃO

­A cadeia de custódia é a sucessiva documentação acerca dos procedimentos utilizados para preservação e documentação da cronologia do vestígio coletado que infere diretamente na conduta investigada. Sendo entendida como procedimento responsável pela garantia da imutabilidade e efetiva preservação de provas e evidências.

Dessa forma, surge a Blockchain. Tecnologia que consiste em uma cadeia de blocos vinculados entre si que utilizam da criptografia para resistir à alteração de dados, que só é possível por ser uma tecnologia descentralizada, ou seja, não depende de uma autoridade de comando que seja confiável e com poder centralizado para garantir a completa realização de transação de dados.

Assim, objetivo do trabalho é realizar a abordagem acerca da utilização da Blockchain como meio de assegurar as provas nos processos e a importância da regulamentação da tecnologia para viabilizar sua utilização no judiciário.

DESENVOLVIMENTO

O Código de Processo Penal Brasileiro enuncia no artigo 158-A o que pode-se compreender como conceito normativo da cadeia de custódia:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

Sendo assim, compreende-se a cadeia de custódia como os atos sucessivos que desencadeiam em uma prova sem interferências externas e com baixa probabilidade de mutabilidade, quando da identificação de vestígio até seu recolhimento e consequente apresentação em juízo para valoração.

Isso porque a manutenção e preservação da prova torna-se indispensável para garantia da característica de fidelidade da prova obtida e o fato que está sendo apurado, investigado e que pode vir, ou não, a ser denunciado. Sendo então a cronologia das evidências.

Acerca dessa imprescindibilidade Norberto Avena (2023, p. 509) enuncia que:

O estabelecimento da cadeia de custódia tem por objetivo, enfim, a preservação de todas as etapas da cadeia probatória de modo a possibilitar, em cada uma delas, o rastreamento das que lhe antecederam e a verificação da legalidade e da licitude dos procedimentos adotados.

No entanto, esse é um processo de grande complexidade que infere diretamente em uma fragilidade que ocasiona diversas consequências jurídicas, sendo a principal delas, o descarte de provas que tem sua confiabilidade questionada ou quando a persecução penal prossegue, vislumbra-se decisões judiciais injustas.

Desse modo, torne-se evidente a necessidade de buscar por ferramentas, especialmente tecnologias, que garantam a seguridade desse processo de manutenção da cadeia de custódia da prova. Sendo assim, Avena (2023, p. 510) assegura que o caráter de confiabilidade de uma prova condiciona-se à possibilidade de todos os atores do processo identificarem cada uma das fases que ocorreram até o momento da produção do laudo pericial.

A partir dessas considerações, a tecnologia da Blockchain torna-se uma opção viável e visivelmente segura, partindo do ponto de vista de que possibilita o rastreamento, monitoramento e autenticação das evidências, desde sua coleta até sua fase de análise, garantindo o fator mais relevante – a imutabilidade da evidência.

Isso se concretiza pelo fato de a Blockchain ser uma base de dados digital que utiliza o sistema peer-to-peer (P2P)1 na sua transação de dados sem a intermediação de terceiros ou de um único servidor, sendo então, as operações compartilhadas em base de dados pública que se torna descentralizada e distribuída.

O caráter imutável torna-se possível porque quando há a inserção de novas informações na rede, que são permanentemente documentadas e replicadas em vários computadores que compõem o sistema P2P, inviabilizando que essas informações sejam deletadas ou alteradas.

Acerca disso, Karina B. K. Marchsin (2023, p. 15) traz a complementação desse mecanismo:

Fazendo uso de criptografia de chaves públicas e privadas e certificação de cada transação, ponto a ponto, por uma função Hash2, a confiança na rede descentralizada é viabilizada. Os diferentes computadores da rede, chamados nós, validam a integridade e a segurança da informação adicionada, o que torna essa tecnologia praticamente imune a adulterações.

Por essa razão, da combinação da criptografia e desse mecanismo, a Blockchain é considerada confiável por assegurar a inviolabilidade, porque o corrompimento torna-se uma tarefa complexa e dispendiosa.

Pela ausência de um servidor centralizado, tem-se o aumento da segurança e confiabilidade das informações armazenadas, bem como a compreensão de que a viabilidade de mutação de informações já anexadas nos blocos é completamente ínfima.

Isso porque da coleta e preservação de evidências com tecnologia Blockchain tem-se a probabilidade de força legal, o que já é efetivamente reconhecido por outros países e regiões, como meio de garantir a autenticidade e integridade dos dados na Blockchain.

No entanto, ainda inexiste regulamentação que viabilize a utilização jurídica dessa tecnologia, o que gera insegurança jurídica em questões como validade e força probatória dos registros em Blockchain, bem como discussões acerca da responsabilidade pelos dados armazenados e a possível aplicação de legislações especificas que não possuem completa certeza.

CONCLUSÃO

Percebe-se que a busca pela regulamentação da Blockchain com a finalidade de utilizar a tecnologia para gestão das evidências em processos jurídicos é indispensável para assegurar a segurança, integridade e autenticidade das provas coletadas. Desse modo, a implementação dessa tecnologia viabiliza o aumento da confiabilidade das fases que compõem a cadeia de custódia da prova penal, possibilitando a redução de fraudes e a garantia de que essas evidências se mantenham preservadas, ou seja, autênticas e confiáveis.

Contudo, a norma que possa vir a regulamentar necessita de planejamento, principalmente no tocante ao seu modo de execução, a fim de obstar possíveis complicações jurídicas e técnicas. Isso é, pela necessidade das normas sejam evidentemente claras acerca das fases da cadeia de custódia da prova penal, principalmente quando se trata do ambiente digital.

Decerto, a utilização da tecnologia nas demandas judiciais é um campo a ser desenvolvido em que se tem diversas expectativas, pela ainda ausente regulamentação específica para processos judiciais. Considerando que a Blockchain já é operada em diversas áreas com sua adequada determinação normativa, pois já existem preceitos específicos acerca dessa implementação e empregabilidade da tecnologia.

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Por fim, é imprescindível que essas diretrizes e regulamentações direcionadas à Blockchain em outras áreas possam ser implementadas à realidade judicial dos processos, naturalmente, atentando às particularidades. Desse modo, possibilitando a efetivação normativa para uso da tecnologia no gerenciamento da cadeia de custódia da prova penal, com a intenção de garantia da segurança, autenticidade, confiabilidade e integridade de todas as evidências coletadas, preservadas e posteriormente descartadas nessa persecução penal do âmbito jurídico.

REFERÊNCIAS

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  1. Tipo de rede distribuída na qual os computadores conectados ao sistema funcionam também como servidores. Nesse contexto, cada nó na rede é um desses computadores que possuem uma cópia do registro completo de transações. Esses nós se comunicam entre vi para validação de novas transações e, consequentemente, adicionar blocos ao registro.

  2. Algoritmo matemático que faz o mapeamento dos dados de entrada de tamanho variável para um valor de saída de tamanho fixo. Esse valor que é conhecido como Hash.

Sobre a autora
Vitória Matos Rodrigues

Graduanda em Direito. Pesquisadora no Observatório Nacional da ABRACRIM. Pesquisadora do Laboratório de Ciências Criminais do IBCCrim desde 2023. Pesquisadora do Grupo de Estudos Avançados do IBCCrim sobre Tribunal do Júri. Membro do International Center for Criminal Studies (ICCS).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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